Um resumo da história da Constituição Americana

22/03/2023

Segundo o professor de Yale, Akhil Amar, autor da obra Constituição Americana: uma Biografia, a Constituição dos Estados Unidos pode ser considerada a “dobradiça da história”. Porque foi a Carta Constitucional estadunidense a primeira a contar com ampla participação popular em sua aprovação e a trazer conceitos novos que acabaram se disseminando por todo o mundo.

A Constituição foi redigida durante a Convenção de Filadélfia por um corpo de políticos, em sua maioria advogados. O texto teve aprovação de 39 dos 55 autores do texto. A Constituição possuía 4.400 palavras, sendo necessário, em média, no máximo 30 minutos para lê-la por completo. O texto foi publicado nos jornais de grande circulação dos Estados Unidos em 17 de setembro de 1787.

Ao longo de um ano, o texto foi debatido amplamente pela população, que tinha a missão de ratificá-lo ou não. Das treze colônias, pelo menos nove precisariam aderir. Ao final, apenas duas não ratificaram, Carolina do Norte e Rhode Island, fazendo-o a posteriori. Durante esse período, foram publicados os Papers, os artigos dos federalistas defendendo o texto da Constituição (Federalist Papers). Simultaneamente ao movimento encampado pelos federalistas, havia um forte movimento contrário, chamado os “antifederalistas”.

As grandes críticas daqueles que se opunham à ratificação da Carta era o fato de que o texto não trazia direitos fundamentais e/ou direitos humanos, exceto a separação dos Poderes. Também criticavam a ideia de federação, que para eles soava como uma forma disfarçada de monarquia, uma vez que haveria uma figura central no comando de todo o território, o Presidente. E se opunham à ideia de haver cobrança de impostos pela “federação”, um ente distante que não conhecia suas necessidades e demandas locais.

Apesar das duras críticas e dos longos e fervorosos debates, o Texto Constitucional Americano foi ratificado em 21 de junho de 1788.

A Constituição não impunha nenhum limite à reeleição do Presidente. Essa questão gerava muito medo de que o governante acabasse ficando indefinidamente no cargo, caso o povo assim escolhesse mantê-lo no poder. George Washington foi eleito o primeiro Presidente dos EUA. Ele possuía duas características que lhe outorgavam a confiança do povo americano: era um general que batalhou durante toda a Revolução Americana, uma figura de autoridade, que o Exército seguia e respeitava. Ele não tinha filhos, e este fato trazia uma certa tranquilidade aos opositores do Federalismo, pois sem sucessores estaria descaracterizada uma possível sucessão hereditária no poder.

Foi George Washington quem criou a cultura de entregar o poder após dois mandatos. Ele não quis concorrer à terceira reeleição, apesar de ser o favorito do povo estadunidense.

Importante comentar sobre a razão pela qual os autores do texto foram inflexíveis em relação à escolha por criar uma Federação, não se manter como uma Confederação. Em uma Confederação, os entes que a compõem podem deixá-la livremente, caso entendam que seus interesses não estão sendo atendidos. Em um Federação isso não é possível, é proibida a secessão.

O motivo para que essa escolha fosse adotada se deu por razões de segurança nacional. Confederações são frágeis, facilmente se desfazem. Ainda, existe o grave risco de parte de seus membros serem cooptados por Estados maiores e virem a se insurgir contra os demais entes de seu próprio território. Considerando que os EUA são um Estado de dimensões continentais, obviamente, haveria interesse por parte de outras nações em tentar invadir suas terras, buscando torná-la novamente uma colônia. Em razão disso, ao criar uma Federação que impedisse qualquer forma de secessão, as colônias se comprometeriam a não oferecer esse ambiente facilitador de ataques à soberania americana.

Sobre a organização do Congresso Americano, há algo bastante interessante a destacar. A Constituição estabelecia inicialmente apenas um representante para cada estado da Federação na Câmara dos Deputados e dois para cada estado no Senado. Seriam 13 representantes na Câmara e 26 no Senado. Eles reconheciam que era um número insuficiente, mas precisavam descobrir qual o número ideal. Não poderia ser muito pouco, nem demais, pois trata-se de uma Casa política. Era preciso estabelecer o número de membros necessários, a fim de alcançar uma quantidade de pessoas que conseguisse debater e se ouvir, para assim fazer política. Caso contrário, dar-se-ia uma imensa cacofonia.

Então eles realizaram um censo, após a ratificação do Texto Constitucional, e estabeleceram porcentagens de acordo com a população de cada estado. Contudo, aqui nasce um traço do racismo na democracia moderna: os estados com maior número de pessoas escravizadas foram os que conseguiram maior número de assentos no Congresso, além de um maior número de delegados nos colégios eleitorais. E esses delegados são os responsáveis por eleger o Presidente, que escolhe os membros da Suprema Corte. Eis as raízes dos motivos pelos quais a escravização demorou tanto para ser abolida e efetivamente combatida nos EUA.

O cálculo do censo considerou uma métrica de 3/5. Toda a população escravizada foi multiplicada por 3 e depois esse número foi dividido por 5. Exemplo: se em um estado havia 1.000 pessoas escravizadas, foram computados 600 eleitores. Mesmo que as pessoas escravizadas não tivessem direito ao voto. Assim, os estados com maior contingente escravagista, e pensamento escravocrata dominante, foram os estados com maior representação no Congresso Nacional.

As mulheres também não tinham direito de votar e foram contadas individualmente como membras da população. Em alguns estados, era permitido que as viúvas votassem, caso seu patrimônio estivesse dentro dos moldes exigidos pelos estados. Quase todos os estados possuíam um método de eleição censitário. Era preciso ter patrimônio para votar e para ser votado.

A Constituição Americana inovou ao não exigir prova de patrimônio, nem para votar, nem para ser votado, e ao não exigir teste de religiosidade. Em muitos estados, exigia-se que o candidato atestasse sua fé em alguma crença cristã.

Outras duas inovações importantes quanto às eleições: a primeira foi a escolha por pagar seus representantes, o que fez com que pessoas comuns pudessem concorrer a cargos políticos. Até então, só pessoas abastadas que não precisassem de recursos tinham como ocupar cargos no Poder.

A segunda escolha política interessante foi a determinação do limite de idade. Estabelecer uma idade mínima para eleição foi a maneira que os autores do texto encontraram para criar uma forma de fazer com que a pessoa candidata já tivesse  construído uma história própria, realizado feitos políticos que a colocassem em destaque junto à comunidade, e não simplesmente ser eleita a custa de um sobrenome famoso. Limitar o acesso a pessoas extremamente jovens teve esse foco: evitar a eleição com base em hereditariedade.

Por fim, duas informações que merecem destaque.

Por que os mandatos dos senadores são maiores que o dos deputados? Porque os senadores representam os estados, não o povo. A expertise esperada é diferente. Um senador precisa entender de política de Estado, relações institucionais, compreender os impactos políticos das leis nas relações interestaduais e federais do estado que está representando. Em razão disso, os senadores possuem seis anos de mandato, para que possam desenvolver esse conhecimento técnico, que é diferente de simplesmente trazer os anseios da população ao debate público.

Dentre os três Poderes, o artigo que trata do Poder Judiciário é o mais curto. Os pais fundadores da Constituição Americana entendiam que o Judiciário deveria ser o Poder mais fraco e deram-lhe poucas competências. O texto não traz a expressão “controle de constitucionalidade”, como uma competência própria do Poder Judiciário. Em que pese Alexander Hamilton tenha defendido ferrenhamente no artigo 78 (Federalist Papers), a expectativa era a de que o controle de constitucionalidade das normas seria realizado pelo Congresso e pelo Presidente da República. Era impensável imaginar que uma Casa Legislativa aprovaria uma lei contrária à Constituição e que, em âmbito federal, o Presidente ratificasse essa legislação.

O poder de veto outorgado ao Presidente da República era a grande aposta dos autores do texto Constitucional em relação ao controle do processo legislativo realizado pelo Congresso. Com o tempo, essa estrutura do sistema de freios e contrapesos foi testada e se mostrou insuficiente. A partir do célebre caso Marbury versus Madison, em que o Secretário de Estado John Marshall analisou uma legislação e declarou que a Suprema Corte poderia realizar o controle de constitucionalidade das normas, a estrutura que estava desenhada no Texto Constitucional Americano foi rearranjada, aos moldes da common law.

De forma bastante sucinta, temos aqui as principais peculiaridades em relação à história da Constituição Norte-Americana.

 

 

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