UM PARALELO ENTRE DIREITO E LITERATURA: A (IN)SEGURANÇA JURÍDICA ENQUANTO HISTÓRIA A SER CONTADA

20/08/2021

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Direito não é literatura. Direito é realidade, é um reflexo das relações sociais estipuladas. Para Kelsen, Direito é a ciência das normas, ou seja, um sistema marcado por uma positividade lógica. Já conforme a vertente da Filosofia do Direito, este é questão diretamente associada à moral e à justiça.

Já no que tange a literatura, apesar de se tratar de um tema de difícil – ou até mesmo impossível – delimitação, pode ser compreendida enquanto ficção, fonte inesgotável de conhecimento e interpretações sujeitas à visão do leitor.

Ocorre que, em verdade, o Direito é constituído por normas, estando elas escritas ou não – como é o caso dos princípios[1] – passíveis de interpretação para a sua aplicação[2]. Desta mesma forma, tem-se que os enredos sobre os quais versam aos processos judiciais nada mais são do que histórias de suspense, romance... a serem desvendadas e interpretadas pelos litigantes e magistrados. Portanto, a sentença judicial se assemelha ao desfecho de um romance.

Nas palavras de Richard Posner[3], “podem admitir que o Direito às vezes seja Poesia, mas dificilmente admitirão que a Poesia às vezes seja Direito”

Para Dworkin[4], há um ponto de convergência entre o enredo jurídico e o literário, qual seja, a busca pelo significado do texto, para que então se chegue ao deslinde. Para tanto, se faz necessária a análise das minúcias do caso, da sociedade cenário do enredo, da conduta esperada – ideal – por tal, dos princípios e normas aplicáveis, dentre outras particularidades.

Porém, assim como a obra literária está sujeita à visão do leitor, os casos concretos pertencentes ao mundo do Direito estão sujeitos aos Magistrados no que tange a interpretação do caso e do “texto” das normas aplicáveis – nas quais estão incluídos os princípios.

Diante deste cenário marcado pelo subjetivismo, os princípios devem ser utilizados como balizas de interpretação da norma frente ao caso concreto, não devendo ser tratados somente como criações levianas pertencentes ao Direito, sob pena de se incorrer em uma fábrica de princípios e inseguranças jurídicas[5].

Portanto, princípio é limite à interpretação do magistrado, ou seja, ferramenta que busca suprir a assimetria que marca a pluralidade de magistrados no julgamento de casos cujos enredos se assemelham. Diferente do mundo literário, no qual a interpretação do leitor sobre a história contada acaba por impactar no significado do deslinde tão somente para este, no universo do Direito, a busca pela uniformização das decisões e, portanto, respeito aos princípios, é fulcral para a manutenção da ordem da justiça.

 

Notas e Referências

[1] CLEMENTE, Diego de. El método em la aplicación del Derecho Civil. Revista de Derecho Privado, Madri, Tomo III, 1917. p. 290.

[2] BONAVIDES, Paulo. Dos princípios gerais de direito aos princípios constitucionais. In: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2017.

[3] POSNER, Richard. Cardozo: a study in reputation. Chicago: The University of Chicago Press, 1990.

[4] DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2019.

[5] STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do Direito, Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 150-152.

 

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