Trump, poderoso desafeto de poderosos – Por Léo Rosa de Andrade

23/11/2016

Somos pouco sinceros quando confrontamos nossas concepções teóricas com os fatos do mundo. Chegamos a executar contorcionismos com nossos próprios entendimentos, falsificando-os, para alcançarmos ajustes de consciência.

Isso quando nossos juízos fundam-se em formulações elaboradas. No mais das vezes não temos esses apetrechos intelectuais que são as teorias; temos doxa, que é um pensamentozinho ordinário ao qual emprestamos foro de verdade.

Doxa, Houaiss: “sistema ou conjunto de juízos que uma sociedade elabora em um determinado momento histórico, supondo tratar-se de uma verdade óbvia ou evidência natural, mas que para a filosofia não passa de uma crença ingênua”.

Claro, não admitimos com facilidade que nossa opinião seja apenas um senso comum produzido à revelia da nossa vontade. Contudo, os pensamentos compartidos por grupos ideologicamente afinados dificilmente fogem disso.

Falo de Donald Trump. Estou listado, por mim mesmo, entre os que, dadas as suas concepções de mundo e os decorrentes comportamentos pessoais do presidente eleito, consideram que os norte-americanos erraram ao votar.

Os estadunidenses, todavia, pelas regras suas, o elegeram. E se valorizo os institutos democráticos mais do que valorizo a mim mesmo, tenho que recolher minhas apreciações e, como Barack Obama, digamos, colaborar.

Ademais, tenho confrontado esse meu desgosto com algumas matérias de jornal. Aliás, considerando a imprensa, deve-se lembrar que Trump venceu as eleições sob ataque cerrado e raivoso de toda a grande mídia do seu país.

Essa mídia é expressão do establishment, dos ricos e poderosos, dos donos do poder, dos chefes das máquinas partidárias, inclusive do Partido Republicano, grei pela qual, a despeito dela mesma, Trump concorreu.

Da oposição ao outsider, boa parte dela, se lhe foi insolidária eleitoralmente, comparte com ele interesse comum de classe. Os primeiros a refutá-lo e os que principalmente o refutaram, pois, foram interesses coincidentes com os seus.

Quem, então, a contrassenso, teve o lamentoso gosto de elegê-lo? Esse poderoso desafeto de outros poderosos “venceu por ter feito para o cidadão americano médio o que ninguém mais teve coragem de fazer: defendê-lo”.

Na contraversão das elites, inclusive das intelectuais, “ousou colocar seus interesses, e não o dos mexicanos, dos chineses ou dos organismos internacionais em primeiro lugar” (Joel Pinheiro da Fonseca, FSP, 13nov16).

A resistência representada por Trump “trata-se da oposição de pessoas de carne e osso que divergem em muitas coisas, mas têm um interesse em comum: o desejo de que o Estado não se meta mais em suas vidas”.

Grande parcela do povo americano, assim, “decidiu se unir em torno de um problema concreto apresentado pelas exigências do dia a dia, e não por meio de uma retórica igualitária” (Martim Vasques da Cunha, FSP, 11nov16).

Com “discurso populista calcado na promessa de ‘fazer a América grandiosa de novo’, Trump virou a boia de salvação desses americanos contra um sistema incapaz de lhes devolver o american dream (Anna Balloussier, FSP, 09nov16).

Criticando as elites política e midiática, “ele, o representante maior da elite financista e rentista, fez o inacreditável papel do homem simples indignado com a impotência dos burocratas e com a inércia dos partidos”.

Suas incongruências, inclusive, para o eleitor que suspeita de todos, pareciam a “prova de que estávamos diante de alguém que não respeitaria limites para ‘fazer o que deve ser feito’” (Vladimir Safatle, FSP, 11nov16).

Bem, se entendi as contas, nos EUA, 46% das mulheres votaram no machista, 12% dos negros votaram no racista, 35% dos latinos e 35% dos asiáticos votaram no xenófobo. Ora, diríamos, são as pessoas não estudadas.

Nada disso: 52% de estudantes universitários, 51% de eleitores com ensino superior e 42% de pós-graduados votaram no boçal. Seriam os ricos? Não: a distribuição de votos por renda foi equivalente em todos os níveis.

Por fim, dos 60% que entendiam que Trump não está qualificado para governar, 18% votaram nele. Talvez o tenham considerado um mal menor. Sua eleição, em contrário de todas as pesquisas, está aí.

Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias; se não cuido delas, não cuido de mim”. Os ianques acreditam no restauro do legado dos Pais da Pátria. Não creio que aconteça, mas, por imperativo democrático, desejo sucesso.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Donald Trump // Foto de: Gage Skidmore // Sem alterações

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