A ciência jurídica não é a única fonte para dirimir os conflitos decorrentes da interpretação sobre a extensão do direito à saúde. Ou seja, a judicialização da saúde depende, para obtenção da melhor reposta, do auxílio de outras ciências, especialmente a da saúde[1].
Neste contexto, o fenômeno da judicialização da saúde demonstra que o Direito é Baseado em Evidências Científicas - DBEV. A legislação pátria indica que o melhor critério para aplicação na teoria da decisão (e da interpretação) em processos judiciais sobre o direito à saúde é a verificação da " eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade", conforme consta dos artigos 18-O e 18-Q, §2º, inciso I, da Lei 8080/90.
Isso já passou a ser reconhecido por alguns tribunais federais do Brasil.
Veja-se, por exemplo, a decisão relatada pelo Desembargador Federal FERNANDO QUADROS, do Tribunal Regional Federal da 4a Região:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ADESIVO. NÃO CONHECIDO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE DAS PARTES. EFICÁCIA DO FÁRMACO NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. REFORMA DA SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. [...] 3. Em casos onde a prestação buscada não está entre as políticas do Sistema Único de Saúde, não basta, para o reconhecimento do direito invocado pela parte autora, prescrição médica. Imprescindível, em primeira linha, a elaboração de parecer técnico emitido por médico vinculado ao Núcleo de Atendimento Técnico, do Comitê Executivo da Saúde do Estado, ou, na sua ausência ou impossibilidade, por perito especialista na moléstia que acomete o paciente, a ser nomeado pelo juízo. 4. Existe vedação legal ao fornecimento de medicamentos que ainda não tenham obtido o necessário registro na ANVISA, excetuando-se somente aqueles adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais para uso em programas de saúde pública 5. O medicamento Eculizumab (Soliris) é intitulado como a "droga mais cara do mundo", sendo clinicamente indicado para tratamento da Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) e Síndrome Hemolítico Uremico Atípico. Não há indicação para tratamento de "Neuromielite Óptica" ou "Doença de Devic" (CID G36.0), segundo informações do próprio fabricante, nem mesmo estudos suficientes foram realizados para comprovação científica de sua eficácia. 6. No caso, embora se admita a possibilidade de autorização judicial para o fornecimento de medicamento não registrado pelo órgão competente, em situações excepcionais, inexiste certeza científica acerca da eficácia/efetividade do fármaco pleiteado, impondo-se a improcedência da demanda. [grifado] (TRF4, APELREEX 5024750-69.2014.404.7201, TERCEIRA TURMA, Relator p/ Acórdão FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 31/03/2016)
Do mesmo tribunal, encontra-se, ainda, importante decisão relatada pelo Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO PREVISTO PELO SUS. DIREITO À SAÚDE. - O direito à saúde está fundamentado na ética, decorrente de uma moral básica e universal, no sentido de que todos têm direito à saúde assegurada pelo Estado. No Brasil, este direito foi expressamente reconhecido pelo Poder Constituinte Originário, consoante artigos 6º e 196 da Carta Magna, sendo legítimo direito social fundamental do cidadão. - Nos casos de tratamento do câncer, ressalta-se a existência de sistemática própria, na qual os medicamentos são fornecidos pelos estabelecimentos de saúde habilitados em oncologia (CACON/UNACON) e credenciados pelo SUS. Esses centros oferecerem assistência especializada e integral ao paciente, cumprindo observar que são eles quem padronizam, adquirem e prescrevem os medicamentos oncológicos. - Em se tratando de substância não registrada na ANVISA, e cuja eficácia no combate à moléstia, em seu atual estágio de evolução, não foi testada suficientemente ou muito menos comprovada, não há como se compelir qualquer ente público ou privado a produzi-la ou fornecê-la. [grifado] (TRF4, AG 5048809-59.2015.404.0000, TERCEIRA TURMA, Relator p/ Acórdão RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 29/02/2016)
Outra decisão que aplica a teoria do Direito Baseado em Evidências Científicas - DBEV é a relatada pelo Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO, do Tribunal Regional Federal da 2a Região:
APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. MEDICAMENTO MANIPULADO. REQUISITOS LEGAIS E EXCEPCIONALIDADE. ÔNUS PROBATÓRIO DO DEMANDANTE. 1. Apelação interposta contra sentença que, em ação ordinária, julgou improcedente o pedido de fornecimento de Carbonato de Cálcio 1,2g + Vitamina D3 400UI (120 cápsulas), Metotrexato 20mg (9 cápsulas) e fórmula manipulada de Hidrocloroquina 400mg + Famotidina 60mg + Amitriplina 30mg + Meloxicam 10mg + Ácido Fólico 5mg + Prednisona 5mg (60 cápsulas). 2. Não deve ser conhecido o agravo retido, ante a inexistência de pedido de análise em sede de contrarrazões, consoante disposto no art. 522, §1º, CPC/73 (vigente ao tempo da propositura do referido recurso). 3. É necessária a análise dos requisitos da efetividade, eficiência, segurança e custo-efetividade do medicamento pleiteado, sendo aconselhável ao magistrado exigir a apresentação de documentos relacionados com o caso, bem como proceder à oitiva prévia do médico responsável pela prescrição e, inclusive, dos gestores (Reunião “Judicialização da Saúde Pública”, da Escola da Magistratura Regional da 2ª Região – EMARF, de 15 de agosto de 2014 – Conclusões 4, 5, 6, 7, 8, disponível em: http://ssrn.com/abstract=2487841). 4. Carbonato de Cálcio + Vitamina D3, Metotrexato encontram-se padronizados na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e disponíveis para pronto fornecimento no SUS, entretanto, em quantidade diversa da pleiteada. 5. O fato de o medicamento com fórmula magistral possuir utilização específica e intransferível, bem como validade reduzida, não serve como argumento inequívoco ao seu não fornecimento. A segurança e fiscalização empendidas em sua dispensação deverão ser as mesmas utilizadas na dispensação de medicamentos já incorporados à lista do SUS. 6. Uma prescrição médica sem o devido detalhamento é insuficiente para autorizar a concessão de medicamento e sua incorporação indireta junto ao SUS. Recai sobre o demandante o ônus de provar o atendimento aos requisitos do art. 19-O, parágrafo único, da Lei nº 8.080/90, bem como a imprescindibilidade do pleiteado. 7. Apelação não provida. [grifado] (TRF2, Apelação Cível 0013959-29.2010.4.02.5001 (2010.50.01.013959-0), Relator Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO, julgado em 26/04/2016, DJ 05/05/2016)
Como se observa, as decisões acima mencionadas superaram antigo entendimento segundo o qual a citação de dispositivo da Constituição (artigo 196, por exemplo) e da legislação infraconstitucional seriam suficientes para a resolução dos conflitos inerentes ao direito à saúde, porquanto aplicam a noção interdisciplinar do Direito Baseado em Evidências Científicas - DBEV.
Trata-se, portanto, de um grande avanço surgido em prol da qualificação da judicialização da saúde.
Notas e Referências:
[1] SCHULZE, Clenio Jair. Direito Baseada em Evidências. Revista Empório do Direito, Florianópolis, 21/03/2016. Disponível em http://emporiododireito.com.br/direito-baseado-em-evidencias/ Acesso em: 15 maio 2016.
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