Três perplexidades da estabilização da tutela de urgência – Por Olavo de Oliveira Neto e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira

21/10/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

Introdução

Todos nos sabemos que os Princípios do acesso à Justiça, da instrumentalidade e da efetividade representam vetores que foram fundamentais quanto à implantação de uma nova forma de pensar e de aplicar o direito processual civil, dando ensejo a uma verdadeira reforma ideológica do processo.[1] Passamos de uma fase cuja preocupação era apenas quanto à autonomia que o processo civil detinha em face do direito material para uma fase em que se vê o processo em seu verdadeiro sentido, isto é, no de permitir a prestação de uma tutela adequada e aderente ao direito material posto em juízo. A par dessa reforma ideológica, a promulgação da Constituição da República acabou por construir um sistema processual constitucional que não pode ser desconhecido tanto por quem elabora, quanto por quem aplica as normas processuais infraconstitucionais, o que deu ensejo a um verdadeiro Modelo Constitucional do direito processual civil.[2]

Esse dois fenômenos, aliados a falta de vontade política quanto à elaboração de um novo código acabaram por dar ensejo às inúmeras reformas setoriais que assistimos no texto original do CPC de 1973, praticamente descaracterizando aquele estatuto como um verdadeiro código e transformando-o numa consolidação das leis processuais civis. Tal perspectiva evolutiva acabou por reacender a chama já apagada da elaboração de um novo estatuto, o que se deu por força da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o novo Código de Processo Civil.

Ocorre que, não houvesse o novo código, provavelmente a próxima alteração que veríamos no CPC de 1973 seria justamente na parte relativa às tutelas de urgência, que por isso sofreram uma significativa e profunda alteração em seu perfil. Dentre as inúmeras alterações promovidas, o novo CPC, “...após classificar as tutelas provisórias como tutelas de urgência ou como tutela de evidência, acabou por criar um procedimento diferenciado para os casos de tutela antecipada antecedente, justamente para atender àquelas situações em que o direito levado a juízo é urgentíssimo, [...]. Esse procedimento diferenciado, que permite a concessão de uma medida liminar mediante a apresentação de uma petição inicial mais simples do que a usual, já que não é necessário o preenchimento de todos os requisitos previstos como regra geral nos art. 319 e 320, do CPC, que denominamos petição inicial simplificada; que permite que se opere a estabilização da tutela; e, que vem a preencher uma lacuna antes existente em nosso sistema processual; qualifica a tutela concedida liminarmente, o que nos permite denominá-la tutela superantecipada, tamanha a efetividade que poderá trazer ao processo.”.[3]

Mas a par de todas as vantagens que podemos imaginar em decorrência deste novo sistema, também é possível antever diversos problemas estruturais decorrentes da sua aplicação, razão pela qual fizemos a opção de tratar de três das perplexidades que ele produz, em especial no tocante a possibilidade do réu ofertar contestação sem antes ter que interpor agravo de instrumento, da viabilidade ou não da condenação ao pagamento de honorários advocatícios quando a tutela antecipada se estabiliza e na estranha possibilidade de estabilização sem a citação do réu.

01. O réu pode contestar sem interpor agravo de instrumento?

A estabilização da tutela antecipada antecedente, prevista nos art. 303 e 304, do CPC, implica na adesão das partes a um procedimento diferenciado onde há uma extrema sumarização do rito, sem a possibilidade de dilação probatória ampla e sem que se faça uma cognição exauriente. Em verdade, o procedimento estaria maculado por manifesta inconstitucionalidade, derivada da não observância dos Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, não fosse o fato de que as partes a ele aderem, o autor mediante manifestação expressa na sua petição inicial (art. 303, §5º) e o réu mediante uma conduta omissiva, pois ao deixar de recorrer da decisão que concede a tutela antecipada, nos termos do art. 304, caput, do CPC, permite a sua estabilização (§1º).

Ocorre que na mesma decisão liminar que concede a tutela antecipada deverá o juiz determinar que o autor emende a inicial (art. 303, §1º, I), para que o processo possa prosseguir normalmente quando a tutela não se estabiliza. Portanto, será o réu citado para participar de audiência de conciliação, que se não acontecer dará ensejo à possibilidade do oferecimento de contestação no prazo de até 15 (quinze) dias, seguindo o feito o rito comum.

Diante desse contexto surge dúvida quanto à possibilidade que teria o réu, satisfeito ou conformado com o teor da liminar concedida, de deixar de interpor o “respectivo recurso”, que é o de agravo de instrumento (art. 1.015, I), limitando-se a contestar o pedido formulado pelo autor. Afinal, numa interpretação literal do art. 304, §1º, a não interposição do recurso estabiliza a tutela e o processo deve ser extinto, sendo inviável contestar feito já extinto por sentença. Trata-se de uma interpretação sedutora e que encontra respaldo até mesmo na existência da ação que pode ser interposta para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada (art. 304, §2º), já que bastaria afirmar que tendo as partes esta ação, então não haveria razão para permitir que o procedimento tivesse sequência no caso dessa omissão inicial.

Não comungamos, todavia, desse entendimento. A principal razão que nos leva a entender ser possível ao réu contestar sem ter que antes interpor agravo de instrumento reside na inconstitucionalidade de uma interpretação em sentido oposto, por ofensa ao Princípio da Direito de Ação, segundo o qual a lei ou a decisão judicial não podem impedir ou inibir a apreciação de lesão ou ameaça de lesão a direito. Como o exercício do direito de ação é bilateral, esse impedimento ou inibição também vale para o direito de defesa e, por isso, o novo CPC, que é uma lei infraconstitucional, não pode inibir o direito de oferecer contestação, condicionando-o ao prévio oferecimento de agravo de instrumento. Seria a mesma operação lógica, mutatis mutandi, que se verifica quando alguém condiciona a interposição de recurso administrativo ao recolhimento de multa, o que agora está textualmente vedado pela Súmula Vinculante 21, do STF (É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.”).

Não bastasse, exigir a interposição de agravo de instrumento para só então permitir a contestação, isso sob o argumento de se dar ao preceito interpretação literal, importaria em duplicar o número de condutas exigidas para a impugnação de um mesmo ato jurisdicional, isto é, implicaria em aumentar o número de agravos em casos nos quais a interposição desse recurso não aconteceria, em ofensa ao princípio da economia processual.

Por fim, se o que o novo sistema exige das partes é uma conduta comissiva do autor (art. 303, §5º) e uma conduta omissiva do réu (art. 304), então qualquer conduta do réu que demonstre sua intensão de se opor a estabilização da tutela será suficiente para impedi-la, até mesmo uma mera petição onde se faça constar que não se pretende interpor agravo de instrumento, mas que se pretende contestar o feito no prazo legal. Assim ele não adere ao sistema que permite a estabilização, seguindo o feito o rito comum, inclusive com a possibilidade da ocorrência da revelia e julgamento antecipado.

02. Há condenação ao pagamento de honorários advocatícios na tutela estabilizada?

A condenação ao pagamento de honorários advocatícios, em regra, decorre da existência de sucumbência de uma das partes, que por ter perdido a demanda acaba por se ver obrigada ao recolhimento de tal verba em favor do vencedor. Quando não há que se falar em sucumbência, a condenação se dá com fundamento no princípio da causalidade, isto é, deve ser condenada a parte que deu causa a extinção do feito. A par dessas duas situações ainda existem as hipóteses onde simplesmente não há condenação ao pagamento de honorários, como se dá no caso do mandado de segurança, conforme restou sedimentado após a edição da Súmula 512, do STF, segundo a qual “Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança.”.

Como no caso da estabilização da tutela as partes aderem a um rito diferenciado, onde ambos abrem mão de inúmeras garantias decorrentes do modelo constitucional do processo, não havendo cognição exauriente ou mesmo um julgamento de mérito, não há que se falar no pagamento de honorários em razão de sucumbência, pois nenhuma das partes chega propriamente a sucumbir. Aliás, o juiz não chega nem a decidir qualquer questão,[4] na medida em que não há divergência entre as partes acerca de qualquer afirmação de direito feita na inicial simplificada.

Por essa absoluta ausência de litigiosidade é que não há que se falar também na condenação ao pagamento de honorários advocatícios fundado no princípio da causalidade. Afinal, como saber quem efetivamente deu causa a propositura da ação? Teria sido uma resistência injustificada por parte do réu ou teria sido uma ansiedade do autor que precipitou uma ação que não era necessária? O conteúdo resumido da petição inicial simplificada, somado ao silêncio do réu, não oferecem parâmetros seguros para uma conclusão sobre quem deu causa a propositura da ação.

Diante dessa perplexidade sustenta Fredie Didier que a sentença que extingue o feito no qual a tutela se estabiliza (art. 304, §1º) deve condenar o réu ao pagamento de honorários em montante reduzido, assim como acontece no caso da ausência de resistência na ação monitória, onde o montante da condenação deve ser de 5% (cinco por cento) do valor dado a causa (art. 701). Na lição do autor “A dúvida que surge é a seguinte: há vantagem para o réu em permanecer silente, no caso da estabilização da tutela de urgência? Sim, há: diminuição do custo do processo. Por não opor resistência, não pagará as custas processuais (aplicação analógica do disposto no §1º do art. 701 do CPC) e pagará apenas 5% de honorários advocatícios de sucumbência (art. 701, caput, CPC, também aplicado por analogia).”.[5]

Nesse ponto, todavia, discordamos do amigo e prestigiado doutrinador. Ocorre que a regra contida no art. 701, do CPC, não é uma regra geral, mas sim uma regra de exceção às normas constantes do art. 85, este sim uma regra geral sobre a condenação ao pagamento de honorários, Como as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva, não há como estender o pagamento de honorários reduzidos para o caso da sentença que extingue o processo sem julgamento do mérito, isso em razão da estabilização da tutela de urgência.

Destarte, diante de todo o exposto, a única conclusão viável para a questão aqui tratada é a de que não cabe condenação ao pagamento de honorários advocatícios no caso de extinção do processo por conta da estabilização da tutela antecipada antecedente.

03. É possível a estabilização da tutela sem a citação do réu?

A terceira perplexidade a analisar diz respeito a uma estranha situação decorrente da interpretação literal dos art. 303 e 304, do CPC, que acabaria por permitir a estabilização da tutela mesmo sem a citação do réu. Quando a petição inicial simplificada, elaborada na forma prevista no art. 303, do CPC, é distribuída ao magistrado, tem ele duas possibilidades de atuação, que implicam na dualidade do procedimento que se seguirá. Se o magistrado entende que não estão presentes elementos que ensejam a concessão da liminar, então determina a emenda da petição inicial no prazo de 05 (cinco), sob a pena do seu indeferimento (art. 303, §6º). Caso contrário, quando o magistrado concede a medida liminar, ele profere uma decisão interlocutória onde deve constar a concessão da medida e a fundamentação que o levou a concedê-la; bem como a determinação do aditamento da inicial no prazo de 15 (quinze) dias, se não fixar prazo maior para que o autor possa se desincumbir desta providência (art. 303, §1º, I). Só após esse aditamento é que deverá ser determinada a citação do réu (art. 303, §1º, I) para integrar a relação processual e para comparecer a audiência prévia de conciliação, pois seria um despropósito citar o réu antes do aditamento e depois ter que citá-lo novamente, sob a pena de nulidade do processo.

Nesse passo, como concedida a liminar o normal de acontecer é o seu cumprimento imediato, ainda mais porque nos casos de liminar em tutela antecipada de urgência sempre há perigo de dano ao direito que se pretende proteger (assim não fosse a medida seria indeferida pela falta de um dos seus requisitos positivos, previsto no art. 300, caput, in fine, do CPC, que é justamente o perigo de dano), então nesse momento o réu será regularmente intimado da concessão da liminar e, portanto, terá início o prazo para a interposição de agravo de instrumento (art. 304, caput).

Pois bem: se o despacho inicial do juiz veicula tanto a determinação de aditamento quanto à ordem liminar e se o prazo que o autor tem para aditar a inicial (15 dias ou mais), para só então se dar a citação do réu, é pelo menos o mesmo prazo que o réu tem para interpor o agravo de instrumento (15 dias); então fatalmente existe a possibilidade do réu não interpor o agravo e da tutela liminarmente concedida se estabilizar sem que tenha ocorrido a citação.

Não obstante a possibilidade de estabilização da tutela sem a citação, como ela é ato essencial para a validade do processo (art. 239) essa estabilização seria nula (na verdade inexistente) e não poderia produzir os efeitos que dela se esperam, tornando o sistema defeituoso e de aplicação inadequada. Uma solução viável para permitir que o sistema de estabilização da tutela seja bem aplicado será a de considerar que o prazo para interposição do agravo não tem o seu termo inicial contado a partir da intimação da decisão que a concedeu ou da efetivação da medida liminar, mas sim que tem o seu início a partir da citação do réu para integrar a relação jurídica processual.

Em suma, embora possível à estabilização da tutela sem a citação do réu, todo o processado e a própria estabilização serão nulos porque não houve a citação, ato essencial à validade do processo, razão pela qual o termo inicial do prazo para a interposição de agravo contra a decisão que concede a liminar deve ser contado a partir da citação. Tal sugestão, todavia, depende da aceitação da doutrina e dos tribunais, razão pela qual somente com o passar do tempo e com o acumulo das decisões é que teremos a oportunidade de ver a solução que será dada a questão.

CONCLUSÕES

As conclusões deste pequeno questionamento se resumem a nossa resposta as três questões que foram propostas:

01. O réu pode contestar sem interpor agravo de instrumento?

Resp.: Como o procedimento diferenciado exige das partes uma conduta comissiva do autor (art. 303, §5º) e uma conduta omissiva do réu (art. 304), então qualquer conduta do réu que demonstre sua intensão de se opor a estabilização da tutela será suficiente para impedi-la, até mesmo uma mera petição onde se faça constar que não se pretende interpor agravo de instrumento, mas que se pretende contestar o feito no prazo legal.

02. Há condenação ao pagamento de honorários advocatícios na tutela estabilizada?

Resp.: Como não há sucumbência, não é possível saber quem deu causa a demanda e não é viável a aplicação de norma redutora do valor de honorários porque essas regras são de exceção, então é de rigor concluir que não cabe condenação ao pagamento de honorários advocatícios no caso de extinção do processo por conta da estabilização da tutela antecipada antecedente.

03. É possível a estabilização da tutela sem a citação do réu?

Resp.: Embora possível a estabilização da tutela sem a citação do réu, todo o processado e a própria estabilização serão nulos porque não houve a citação, ato essencial à validade do processo, razão pela qual o termo inicial do prazo para a interposição de agravo contra a decisão que concede a liminar deve ser contado a partir da citação.


Notas e Referências:

[1] OLIVEIRA NETO, Olavo de, MEDEIROS NETO, Elias Marques de, OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil. São Paulo: Verbatim, 2015. Vol. I, p. 67-71.

[2] Idem, p. 71-74.

[3] OLIVEIRA NETO, Olavo de, OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Da tutela antecipada a tutela superantecipada: breves considerações acerca da petição inicial simplificada. (no prelo).

[4] OLIVEIRA NETO, Olavo de. O objeto da prova no direito processual civil. In OLIVEIRA NETO, Olavo de, MEDEIROS NETO, Elias Marques, LOPES, Ricardo Augusto de Castro. A prova no direito processual civil – Estudos em homenagem ao professor João Batista Lopes. São Paulo: Verbatim, 2013. p. 512. “Nesse passo, se o termo ponto representa no processo apenas o fundamento de uma determinada afirmação, então ele não se confunde com o termo questão, que para existir tem necessariamente que representar uma controvérsia no processo [...]. Em outras palavras, se o ponto é o fundamento de uma afirmação, a questão é o ponto que foi submetido a uma controvérsia, seja ela suscitada pelas partes, seja ela instituída de ofício pelo magistrado; ou, ainda, porque a lei determina que a parte esta obrigada a comprovar sua afirmação, como acontece na hipótese em que ocorre revelia, mas que não se produzem os seus efeitos devido à presença de uma causa de sua elisão (art. 320, do CPC). O mesmo se dá, aliás, quando a lei exige efetivo contraditório, determinando a lei que o juiz nomeie curador especial para o réu revel citado por edital ou para o réu preso.”.

[5] DIDIER, Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10ª ed.. Salvador: JusPODIVM, 2015. Vol. 2, p. 605.


Conheça a obra Curso de Direito Processual Civil: Parte Geral- Vol. 1, dos autores deste artigo Olavo de Oliveira Neto e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira e do autor Elias Marques de Medeiros Neto.

122870354_1gg


Imagem Ilustrativa do Post: time flies // Foto de: Fulcher Photography // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/greg4all2/2846339864

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura