TRÉPLICA: A FORMA DO RÉU-RECONVINTE SE MANIFESTAR SOBRE A RESPOSTA DO AUTOR-RECONVINDO À RECONVENÇÃO    

14/10/2021

Embora não esteja expressamente prevista no CPC/2015, a tréplica retrata um desdobramento lógico da estrutura dialógica presente em seu texto.

De fato, no regime do CPC/1973 a reconvenção era feita fora da contestação, por meio de instrumento próprio (art. 315 do CPC/1973). Assim, o autor-reconvindo era citado para apresentar sua contestação à reconvenção (art. 316 do CPC/1973). Em seguida, o réu-reconvinte era instado a apresentar sua réplica em face da contestação à reconvenção, quando esta apresentava questões de “ordem pública” (questões preliminares, por exemplo) ou quando eram alegados fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito ventilado no pedido reconvencional (arts. 326 e 327 do CPC/1973).

Com a edição do CPC/2015, no entanto, a reconvenção passou a ser um componente da contestação (art. 343 do CPC/2015). Logo, a réplica do autor passou a exercer também a função que, no regime do Código anterior, era da contestação à reconvenção (art. 316 do CPC/1973). Com efeito, se a reconvenção integra a contestação, não existe lógica em apresentar a resposta à contestação (art. 343, § 1º, do CPC/2015) em peça separada da réplica.

No entanto, se o réu-reconvinte se limitar a oferecer a reconvenção (art. 343, § 6º, do CPC/2015) ou não apresentar na contestação que oferecer questões passíveis de ensejar o cabimento da réplica (arts. 350 e 351 do CPC/2015), a resposta do autor-reconvindo deverá ser feita por meio de uma contestação (art. 343, § 1º, do CPC/2015), eventualmente sujeita à réplica.

Em suma, após a entrada em vigor do CPC/2015, a forma que o réu-reconvinte tem para se manifestar sobre a resposta do autor-reconvindo ao pedido reconvencional inserido na réplica, quando ventilar algumas das questões mencionadas no arts. 350 e 351 do CPC/2015, é através da tréplica.

Trata-se de uma conclusão que, embora simplória, tem grande importância, visto que o tema não tem recebido a devida atenção da doutrina ou da jurisprudência. Com efeito, nas poucas vezes em que a doutrina fala na tréplica, utiliza a expressão como sinônimo de manifestação do réu sobre a réplica do autor, independentemente da presença dos requisitos previstos no arts. 350 e 351 do CPC/2015. Neste sentido, vejam-se os seguintes excertos doutrinários:

“Não poderá o autor, porém, suscitar alegações novas na réplica (sob pena de, em nome dos princípios da isonomia e do contraditório, tornar-se necessária uma oportunidade para que o réu fale sobre a réplica, em uma verdadeira tréplica; além disso, se ao autor fossem dadas duas oportunidades para deduzir alegações novas – a petição inicial e a réplica –, ao réu também seria preciso assegurar uma segunda oportunidade, a tréplica, e consequência disto seria a necessidade de se assegurar ao autor uma oportunidade para manifestar-se sobre a tréplica, em uma verdadeira quadruplica).” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2017, p. 230)

“Como se pode notar, a réplica é manifestação do princípio do contraditório, exigindo-se a oitiva do autor a respeito de matérias novas do processo que podem ser determinantes para a decisão judicial. Na praxe forense, entretanto, percebe-se uma indevida generalização da réplica, abrindo-se prazo para manifestação do autor a respeito da contestação mesmo quando essa resposta do réu seja fundada tão somente em defesa de mérito direta. Tal postura, além de contrariar o texto não encontra nenhuma justificativa plausível, devendo ser criticada. Isso quando o juiz não abre prazo para a tréplica, e assim por diante.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil: volume único. 9ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 696)

Parte da doutrina, inclusive, se refere à tréplica no mesmo sentido posto pelo art. 216-J do Regimento Interno do STJ, que regula o procedimento de homologação da decisão estrangeira, como simples manifestação do réu sobre a réplica do autor. In verbis:

“Apresentada a contestação, são admitidas réplica e tréplica em cinco dias. Sendo o pedido contestado, o processo é distribuído para julgamento pela Corte Especial.” (PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de direito processual civil contemporâneo. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 1427)

“Se houver contestação, é possível nova manifestação do requerente (réplica) seguida de ulterior manifestação do requerido (tréplica), ambas em cinco dias (art. 216-J do RISTJ).” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: volume único. 5ª ed., São Paulo: Educação, 2019, p. 1206)

Ao longo da vigência do CPC/1973, a posição da jurisprudência prevalente sobre a tréplica era no mesmo sentido apontado pela doutrina, como se pode depreender do seguinte aresto:

“PROCESSO CIVIL. APRESENTAÇÃO DE TREPLICA. INEXISTENCIA. I- NÃO HA DISPOSIÇÃO NO ORDENAMENTO PROCESSUAL BRASILEIRO QUANTO A TREPLICA. II- A OPORTUNIDADE PARA SUA MANIFESTAÇÃO EXISTIRIA APENAS SE, COM A REPLICA, FOSSEM JUNTADOS DOCUMENTOS NOVOS, A TEOR DO ART. 398, DO CPC. III- AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.” (TRF3 – 3ª Turma – AI 74067/SP – Rel. Des. Ana Scartezzini, j. em 29/11/1995)

Após a edição do CPC/2015, a concepção sobre a tréplica não se alterou nos tribunais. O entendimento básico é que a tréplica não existe na estrutura procedimental (exceto no caso do procedimento de homologação de sentença estrangeira) e somente deve existir na hipótese do réu precisar se manifestar sobre a réplica ofertada pelo autor, em razão de algum documento novo juntado, por exemplo. Neste sentido, vejam-se:

“Ausência de intimação para tréplica – Inexistência de nulidade – Ausente previsão legal – Réplica não acompanhada de documentos novos e relacionados aos fatos da causa – Inaplicabilidade do artigo 437, § 1º, do CPC – Magistrado que não se baseou nos documentos constantes da réplica para prolatar a sentença, mas tão somente naqueles acostados à inicial e contestação – Preliminares afastadas.” (TJSP – 18ª Câmara de Direito Privado – AC 1031635-12.2018.8.26.0564 – Rel. Des. Henrique Rodriguero Clavisio, j. em 11/09/2020)

“Ausência de intimação para tréplica – Inexistência de nulidade – Ausente previsão legal – Réplica não acompanhada de documentos novos e relacionados aos fatos da causa – Inaplicabilidade do artigo 437, § 1º, do CPC – Magistrado que não se baseou nos documentos constantes da réplica para prolatar a sentença, mas tão somente naqueles acostados à inicial e contestação – Preliminares afastadas.” (TJSP – 18ª Câmara de Direito Privado – AC 1031635-12.2018.8.26.0564 – Rel. Des. Henrique Rodriguero Clavisio, j. em 11/09/2020)

No caso específico do procedimento de homologação de decisão estrangeira, onde a tréplica integra a estrutura procedimental em razão da previsão contida no mencionado art. 216-J do RISTJ, ela é tratada como simples manifestação do réu sobre a réplica do autor. In verbis:

“Em tréplica, a Passaredo novamente argui não haver citação válida no processo estrangeiro, pois essa ocorreu em data posterior à realização da audiência. Defende, também, a incompetência da Justiça francesa” (STJ – 2ª Turma – HDE 4318/EX – Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 19/08/2021)

“Em tréplica (e-STJ fls. 149/151), a requerida, concordando com o pedido da parte autora, aduziu que, ‘para a exata eficácia da sentença estrangeira e para sua homologação com efetiva justiça, (...) pugna pela homologação da sentença em sua integralidade’ (fl. 150).” (STJ – HDE 1640/EX – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 24/03/2021)

Impende, portanto, reafirmar que, à luz do princípio do contraditório toda vez que o autor apresentar na sua réplica:

1. documentos novos, o réu tem direito de se manifestar, no prazo de 15 dias (art. 437, § 1º, do CPC);

2. alegações, provas ou pedidos que extrapolam os limites do que poderia ser ali deduzido, o réu tem direito de se manifestar em prazo a ser fixado pelo juiz;

3. impugnações ou pedidos que poderia ali alegar, tais como a impugnação à gratuidade de justiça (art. 100 do CPC/2015) ou a impugnação à falsidade documental (art. 430 do CPC/2015), por exemplo, o réu tem direito de se manifestar em prazo correspondente.

Tais manifestações, entretanto, não se confundem com a tréplica, que somente deve ter lugar quando o autor, na sua réplica, responder à reconvenção apresentada pelo réu alegando alguma das questões previstas nos arts. 350 e 351 do CPC/2015.

 

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