Questão bastante judicializada é aquela em que se postula a condenação dos planos de saúde ao fornecimento de tratamento domiciliar (home care).
Além do tratamento médico, muitas vezes o pedido vem acompanhado do pleito de disponibilização de cuidador, enfermeiro, fisioterapeuta, nutricionista e outros profissionais de saúde.
Trata-se, portanto, de serviço de elevado custo.
O tema está assim regulado na Lei 9.656/98:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: [...]
VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12;
[...]
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:
I - quando incluir atendimento ambulatorial:
c) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes;
[...]
II - quando incluir internação hospitalar:
g)cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de procedimentos cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar;
O Supremo Tribunal Federal – STF entende que o assunto não é da sua competência, por tratar de matéria infraconstitucional – Lei 9.656/98, razão pela qual cabe ao STJ decidir a questão em último grau[1].
O Superior Tribunal de Justiça tem decidido que as operadoras não podem negar o tratamento domiciliar – home care – ainda que inexista previsão expressa no contrato. É que se aplica o Código de Defesa do Consumidor – CDC. Assim, todas as dúvidas ou lacunas são interpretadas em favor do usuário/consumidor e em desfavor da operadora de plano de saúde.
Neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO HOME CARE. COBERTURA CONTRATUAL. AFRONTA AO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. RECUSA INJUSTIFICADA DE COBERTURA. ABUSIVIDADE. SÚMULA Nº 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. [...] 2. Não há que se falar em afronta ao art. 535 do CPC/73 quando o acórdão resolve fundamentadamente a questão pertinente à cobertura contratual para tratamento domiciliar da beneficiária, mostrando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. 3. O serviço de home care (tratamento domiciliar) constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto que não pode ser limitado pela operadora do plano de saúde e que, na dúvida, a interpretação das cláusulas dos contratos de adesão deve ser feita da forma mais favorável ao consumidor (REsp nº 1.378.707/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, DJe 15/6/2015). Aplicação da Súmula nº 83 do STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 869843/CE, Relator Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, Julgamento 21/06/2016, DJe 30/06/2016) [2]
No voto do aludido acórdão, é interessante observar que o acórdão recorrido – do Tribunal de Justiça – mencionou que: “apesar de haver, na hipótese vertente, previsão contratual expressa a excepionar o tratamento domiciliar, é de ser aplicado o art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual ‘As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor’”.
Vale dizer, o Tribunal entendeu que o home care estava expressamente excluído do contrato e, mesmo assim, entendeu que seria possível condenar o plano de saúde com base no art. 47 do CDC.
Trata-se de exemplo muito claro de ativismo judicial.
Como se observa, é muito clara posição do Superior Tribunal de Justiça em defender o interesse do consumidor nos processos em que se postula o tratamento domiciliar (home care).
Notas e Referências:
[1] DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PLANO DE SAÚDE. PETROBRÁS. ASSISTÊNCIA MULTIDISCIPLINAR DE SAÚDE (AMS). TRATAMENTO VIA HOME CARE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. COMPETÊNCIA PARA JULGAR A CAUSA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279/STF. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SÚMULA 454/STF. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. Nos termos da orientação firmada neste Tribunal, cabe à parte agravante impugnar especificamente todos os fundamentos da decisão agravada, o que não ocorreu no caso. A decisão agravada, portanto, permanece incólume. 2. O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE 808.726-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, decidiu pela ausência de repercussão geral acerca da matéria ora em discussão. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. [grifado] (STF, ARE 864423 AgR/RJ, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, Julgamento 05/05/2015, DJe 21-05-2015)
[2] AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - PLANO DE SAÚDE – SERVIÇO DE HOME CARE - DELIBERAÇÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. INSURGÊNCIA DA RÉ. [...] A jurisprudência do STJ caminha no sentido de que a recusa indevida/injustificada, pela operadora de plano de saúde, em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico, a que esteja legal ou contratualmente obrigada, pode ensejar reparação a título de dano moral, por agravar a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do beneficiário. Precedentes: AgRg no AREsp 148.113/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 26.06.2012, DJe 29.06.2012; AgRg no Ag 1.318.727/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17.05.2012, DJe 22.05.2012; AgRg no AREsp 14.557/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 13.09.2011, DJe 03.10.2011. 4. O Tribunal de origem, considerando indevida a recusa de cobertura financeira ao fornecimento do serviço de home care, condenou a operadora de plano de saúde ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) de modo que para o acolhimento da tese da insurgente, seria imprescindível revolver os aspectos fático-probatórios dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial pelo óbice da Súmula 7 desta Corte Superior. 5. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp 795905/RJ, Relator Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, Julgamento 04/04/2017, DJe 11/04/2017)
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. SEGURO SAÚDE. FRATURA DE FÊMUR EM PACIENTE IDOSA. TRATAMENTO CIRÚRGICO. ALTA MÉDICA. INDICAÇÃO DE [HOME CARE]. FISIOTERAPIA TRAUMATO-ORTOPÉDICA E RESPIRATÓRIA. 1. Ocorrência de abalo moral indenizável na hipótese de recusa de prestação de serviço de [home care], quando indispensável para o tratamento do paciente, conforme recomendação médica. Julgados desta Corte Superior. 2. Hipótese dos autos em que a paciente, idosa, após se submeter a uma cirurgia de fêmur, tinha recomendação médica de receber fisioterapia traumato-ortopédica e respiratória em domicílio, além de outros serviços auxiliares. 3. Arbitramento da indenização por esta Corte com base nas circunstâncias do caso concreto, incontroversas nos autos. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. [grifado] (STJ, AgInt no REsp 1434297/SP, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, Julgamento 07/03/2017, DJe 20/03/2017)
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