TRABALHO REPRODUTIVO E MATERNIDADE

13/02/2024

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry Veronese

Durante o processo de industrialização foram introduzidas mudanças nas posições sociais das mulheres para a expansão do Modo de Produção Capitalista que precisam ser analisados sob uma perspectiva de gênero para compreender a ascensão e manutenção do capitalismo, mesmo diante das contradições inerentes ao mesmo. Aqui destacamos[1]: “a mecanização do corpo proletário e sua transformação, no caso das   mulheres, em uma máquina de produção de novos trabalhadores” (FEDERICI, 2017, p. 26). Em outras palavras, as mulheres exercem um papel fundamental na reprodução humana e no trabalho doméstico.

São elas que produzem o produto mais precioso ao capitalismo - a força de trabalho ao recair sobre elas a responsabilidade sobre a educação e o cuidado dos futuros trabalhadores, “assegurando que também eles ajam da forma esperada pelo capitalismo” (Federici & Cox, 2020, p. 10). De modo que o capitalismo se estabelece, em grande parte, devido ao trabalho doméstico não remunerado das mulheres como mães responsáveis pela reprodução biológica e social de trabalhadores assalariados para garantir a produtividade do sistema.

Desta forma, um ideal de feminilidade associado à submissão e ao trabalho reprodutivo não remunerado foi construído. Contribuiu para isto a ascensão da maternidade, principalmente a partir do século XIX. Ressalta-se que neste quesito, havia uma diferenciação para as mulheres escravizadas, pois “aos olhos de seus proprietários, elas não eram realmente mães; eram apenas instrumentos que garantiam a ampliação da força de trabalho escrava” (Davis, 2016).

É necessário, então, aprofundar a discussão de gênero sobre ser mulher e mãe num sistema patriarcal que delimita os espaços ocupados pelos homens como de maior valor econômico, social e de prestígio, enquanto às mulheres são delegados espaços invisibilizados, como os serviços domésticos, que não possuem valor econômico socialmente reconhecido. Além disso, é naturalizado que as mulheres trabalhadoras também se responsabilizem pelas atividades domésticas, ao passo que elas recebem menores salários em comparação aos dos homens e têm menores chances de serem promovidas ou permanecerem no trabalho após terem filhos (BHATTACHARYA, 2019; FEDERICI; COX, 2020).

O estudo Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil (IBGE, 2021), por exemplo, aponta que as mulheres com crianças de até 3 anos de idade tem o nível de ocupação de 54,6%, abaixo dos 67,2% daquelas que não têm. Diferença que se agrava entre mulheres pretas ou pardas, pois apresentaram os menores níveis de ocupação (50%), comparados aos das brancas (62,6%). No entanto, os homens com crianças de até três anos registraram níveis de ocupação superior (89,2%) aos que não têm filhos nessa idade (83,4%).

Ademais, ao contrário do que o senso comum pode imaginar, o estudo aponta que as mulheres brasileiras são em média mais instruídas que os homens. No grupo entre 25 e 34 anos, por exemplo, há uma diferença de 6,8 pontos percentuais entre mulheres que possuem nível superior completo (25,1%) e os homens (18,3%). Dado que não acompanha seus rendimentos, visto que, em 2019, receberam pouco mais de ¾ do rendimento do público masculino.

A maior inserção no mercado de trabalho, portanto, ainda é permeada pela cultura de subordinação e opressão. Com destaque para a predominância de mulheres responsáveis pela família nos cadastros de beneficiárias/os do SUAS corresponde a 90%, sendo que destas 75% são negras (BRASIL, 2018). É preciso, assim, aprofundar a discussão sobre as chamadas ‘famílias em situação de vulnerabilidade social’[2] e incluir a discussão sobre os fatores que mantém as famílias sob a tutela do Estado, como a pobreza, a questão racial e de gênero.

Os estudos citados permitem a compreensão de que ser mãe numa sociedade capitalista é um processo moldado pela conjuntura econômica que demanda das mulheres sua reprodução, ao mesmo tempo que, de forma contraditória, cerceia suas formas de sobrevivência, seja pela sua incorporação ao exército industrial de reserva ou precarização laboral.

Essas intervenções são mais graves com as mulheres em situação de extrema pobreza, constantemente culpabilizadas por sua situação. Sem que se discuta a relação entre o empobrecimento feminino e os mecanismos alicerçados na exploração do seu trabalho reprodutivo não pago. Desta feita, é necessário construir formas de romper com essa lógica a partir das meninas, adolescentes e mulheres nos seus diferentes espaços de vivência.

 

Notas e referências

[1] Esse texto refere-se a uma breve atualização do original publicado na tese “Maternidade em situação de rua e a suspensão ou perda do poder familiar” (2021). Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/45669

[2] A vulnerabilidade social é definida na PNAS como “(...) situações que desencadeiam ou podem desencadear processos de exclusão social de famílias e indivíduos que vivenciem contexto de pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso a serviços públicos) e/ou fragilização de vínculos afetivos, relacionais e de pertencimento social, discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiência, dentre outras” (Ministério Nacional de Desenvolvimento e Combate à Fome, 2005, p. 33).

BHATTACHARYA, T. Explicando a violência de gênero no neoliberalismo. Marx e o Marxismo, v.7, n.12, 14–37, 2019.

DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.

FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Editora Elefante, 2017.

FEDERICI, S.; COX, N. Contra-atacando desde a cozinha: salários para o trabalho doméstico – uma perspectiva sobre o capital e a esquerda. Brasil: Terra Sem Amos, 2020.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e Pesquisas, Informação Demográfica e Socioeconômica n.38. Rio de Janeiro: IBGE, 2021.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Boletim Mulheres no SUAS (Vol. 5). Brasília, DF: Autor. (Boletins Vigilância Socioassistencial), 2018.

 

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