Testes em Animais devem atender à Segurança e Proteção - Por Nicholas Maciel Merlone

28/10/2017

Está na pauta do dia manifestações que objetivam o término de testes em animais, para pesquisas de desenvolvimento de novos medicamentos e cosméticos.

Nessa direção, a Câmara dos Deputados já aprovou a proibição do uso de animais para testes e pesquisas de cosméticos. O projeto de lei, assim, seguiu para a CCT (Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática) do Senado Federal, que aprovou o projeto de lei. No momento, o projeto de lei se encontra na Comissão do Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal, onde provoca divergências. Há pontos prós e contras. Contras afirmam que testes sem animais são mais seguros. Prós, por outro lado, por exemplo, afirmam que a vedação em animais coibiria o desenvolvimento da inovação, causando prejuízos também para o mercado de trabalho do setor.

Na verdade, como veremos, os testes são necessários e realizados dentro de normas que regulam a atividade a serem desenvolvidas de modo seguro e protegido.

Nesse sentido, a disposição legislativa que regula a produção de cosméticos (2014) através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), firma às empresas restrições no que se refere à utilização de animais em testes de seus produtos. A Lei somente autoriza o uso de cobaias em situações muito específicas. Tais como para avaliar irritação e corrosão da pele, irritação ocular e toxicidade aguda.

Vale dizer que, como autor desta reflexão, peço licença para um recado pessoal. Tenho uma pequena cachorra York muito simpática. Inclusive, a levei recentemente à Igreja para ser abençoada junto a outros cães pelo Padre Juarez de Castro, e que a considero realmente com alma de vira-lata e, sim, ela de fato vira as latas de lixo daqui de casa. Sempre que chego da rua, sou recebido com festa por ela, com o rabo balançante.

Há posicionamentos, atualmente, que consideram que os animais teriam direitos fundamentais e que não deveriam ser tratados como “coisas”. Ocorre que, dentro de uma moldura legal e interpretativa, há casos específicos, como visto, em que os animais podem ser utilizados em testes para pesquisas. Nesse sentido, é fundamental saber separar o lado pessoal do lado científico que, com razão, precisa desta prática controlada.

Pois bem...

A Ordem Social brasileira assegura o Bem-Estar Social como seu objetivo, de modo a realizar Justiça Social no âmbito do Estado, por meio de políticas públicas preventivas. De tal sorte, o direito à Saúde é uma forma de concretizar o Bem-Estar Social e a Justiça Social. Para tanto, a articulação entre os atores e institutos estatais levam não só ao desenvolvimento econômico, como também ao desenvolvimento humano, no cenário do Bem-Estar Social.

Nesse panorama, torna-se primordial a concretização social e individual do direito à Saúde.

Vejamos...

No plano internacional, a OMS (Organização Mundial da Saúde) conceitua a Saúde como: “um estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doença ou enfermidade”.

Já no âmbito nacional, a Saúde é um direito social (art. 6º, Constituição Brasileira). É também um direito de todos e dever do Estado (art. 196, CB). Nessa direção, a conduta do Estado deve ser preventiva e curativa, para recuperar a pessoa, já que se trata de direito público subjetivo (direito fundamental do ser humano). Assim, pode ser cobrado do Estado, que deve prestá-lo. Isto pode ser visto no art. 2º, da Lei Federal n. 8.212, que também assegura o direito à Saúde por políticas sociais e econômicas.

Dentre as várias diretrizes que devem ser notadas na intervenção do Estado no Sistema Nacional de Saúde (Estado Regulatório), encontram-se: o controle e a fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias do interesse para a Saúde e participação da produção de remédios, equipamentos e outros insumos.

Nesse sentido, criou-se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Tal agência foi instituída pela Lei Federal n. 9.782/1999, de modo que, dentro das previsões trazidas pelo seu art. 7º, encontra-se: incentivar e realizar estudos e pesquisas na esfera de suas competências, bem como outras disposições referentes aos cuidados a serem tomados na produção de medicamentos. Neste ponto, destaca-se o art. 8º, § 2º, do mesmo diploma legal, que traz: “consideram-se serviços submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência, aqueles voltados para a atenção ambulatorial, seja de rotina ou de emergência, os realizados em regime de internação, os serviços de apoio diagnósticos e terapêuticos, bem como aqueles que impliquem a incorporação de novas tecnologias”. (grifo nosso)

Ora, deve-se atender aos parâmetros de proteção e segurança. Então, surge a indagação: Quais seriam tais parâmetros?

A resposta bate pronta. Segurança ao animal, a nosso ver, seria a forma, pela qual os procedimentos científicos são realizados dentro de limites legais e éticos que não causem sofrimentos ou danos irreversíveis ao animal. Para tanto, tornam-se essenciais a escolha criteriosa de qual animal utilizar, bem como as características que deve preencher como requisitos. Assim, seria atendido o critério da segurança.

Além disso, a proteção deve ser estendida aos animais. Os animais, assim, devem ser protegidos contra más práticas e condutas, tendo sua proteção garantida de fato e não meramente declarada.

Portanto, é preciso ter em mente que as pesquisas científicas de cosméticos e  novos medicamentos necessitam de testes. Desse modo, deve-se realizá-las, orientando-se por normas que regulem a atividade, organizando-a de modo a proteger o animal e garantir a sua segurança.

Desse modo, cabe trazer notas do Guia para a Avaliação de Segurança de Produtos Cosméticos (2ª. edição. Anvisa. Brasília. 2012).

“A experimentação animal tem servido, ao longo de muitos anos, como um meio de se determinar a eficácia e a segurança de diversas substâncias e produtos, em diversas áreas.” 

“Os animais de laboratório deverão ser utilizados sempre que não existam métodos alternativos validados que os substituam ou, em casos específicos, após screening com métodos in vitro e/ou matemáticos validados, precedendo, dessa forma, os estudos clínicos (PRESGRAVE, 2009)” 

“Apesar de contestados, os métodos em animais ainda vêm sendo amplamente utilizados em diversas áreas, incluindo pesquisa básica, avaliação de toxicidade para diferentes finalidades, controle de qualidade, entre outras.  Entretanto, para que estes ensaios sejam realizados, diversos aspectos devem ser considerados, incluindo os que envolvem o uso ético destes animais e, de acordo com a Lei 11.794/2008, os experimentos envolvendo animais devem ser aprovados por uma Comissão de Ética no Uso de Animais - CEUA (BRASIL, 2008; BRASIL, 2009a).”

Antes de terminar, já nos encaminhando ao fim, quanto ao aspecto tributário, conforme cálculos da Associação Brasileira das Indústrias de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), a cada R$ 1 milhão investido no setor de cosméticos, R$ 600 mil é gerada em arrecadação de tributos. Ocorre, assim, um aumento enorme da carga tributária sobre o setor.

Nesse sentido, entre os elementos que aumentam a carga tributária, destaca-se o crescimento de alíquotas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) ocorrido durante 2016, em 18 Estados. Como exemplo, temos o aumento de 50% na carga de produtos como escova dental em Minas Gerais. Com razão, a elevada carga tributária prejudica a livre iniciativa e a livre concorrência, princípios cernes de nossa Ordem Econômica, impedindo o desenvolvimento econômico e humano.

Neste momento, fica a dúvida: animais teriam direitos fundamentais? Apesar de tudo, creio que sim. Com razão, devem ter tais direitos. Devem ter direito a uma vida digna e saudável. Devem ter direito à liberdade para se locomover em ruas e parques e outros locais sob a proteção do dono. Ou ainda, devem auxiliar eventualmente o dono cego, como cão guia. Devem também ter direito à igualdade de tratamento em relação a outros animais do mesmo gênero. Inclusive, devem ter direito à felicidade, de modo a poder externar e expressar livremente seus sentimentos. E, por fim, por que não também direito à liberdade religiosa e de crença transmitidas pelos donos, proibindo-se veementemente, todavia, o uso de animais para sacrifícios religiosos. Nestes casos, o direito à vida digna do animal deve prevalecer sem rodeios a essas práticas de algumas crenças.

Todavia, no caso em tela, assim como em alguns países o homem pode dispor de sua vida e realizar eutanásia, com direito à morte digna deixando um testamento vital para os herdeiros; os animais igualmente devem poder dispor de seu corpo, para fins altruístas de pesquisas. Apenas para ilustrar o direito à morte digna, cito três filmes: 1) Mar Adentro; 2) Invasões Bárbaras; e o recente 3) Antes de eu conhecer você.

No caso dos animais, temos o documentário “Projeto Nim”, do britânico James Marsh. O enredo narra a história de um chipanzé submetido a testes cruéis. Ora, infelizmente, é inegável que ocorram desvios nesse cenário. Todavia, no geral, as pesquisas devem seguir padrões legais e éticos.

Com certeza, não há como perguntar isso ao animal, apesar de, não raras vezes, nos pegarmos conversando com eles. Mas, preenchendo-se alguns requisitos, respeitando-se os limites legais e éticos e pautando-se pelo bom senso, um documento (semelhante ao testamento vital), que regulamente a ação, bem elaborado, deve poder, a nosso ver, autorizar a prática da pesquisa.

Finalmente, cabe trazer a matéria do EL País: “Minha cachorra salvou minha vida”, 17 de outubro. Aos uivos a cachorra salvou a vida da dona, que se encontrava no meio de um incêndio e acordou com o chamado da cadela. Realmente, são os melhores amigos do homem, mas, como dito, é preciso separar o lado pessoal do científico.

Resta a questão: “A pergunta não é ‘Eles podem pensar?’ nem ‘Eles podem falar?’ A pergunta é: ‘Eles podem sofrer?’ - Jeremy Bentham, filósofo. 

A resposta: dentro da lei e de parâmetros balizadores da atividade, não. Eles não precisam e não devem sofrer. Eles têm os direitos fundamentais assegurados e, apenas e tão somente, dispõem de seu corpo para pesquisas altruístas controladas e regulamentadas, sem prejuízos ao seu bem-estar. Pelo contrário, proporcionam a concretização do direito à Saúde e a dignidade humana (social) e da

pessoa humana (individual) no âmbito do Estado de Bem-Estar Social, regulado, no caso, pela Anvisa. Todavia, caso abusos sejam verificados, pode-se e deve-se recorrer à Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA), no âmbito do Estado de São Paulo. Assim como em São Paulo, outros estados-membros devem aderir à ideia e criar essa delegacia, como em alguns já ocorre uma movimentação nesse sentido.

Referências:

Sérgio Pinto Martins. Direito da Seguridade Social.

Sueli Dallari. Vidal Serrano. Direito Sanitário.

Ana Paula de Raeffray. O Bem Estar Social e o Direito de Patentes na Seguridade Social.

Imagem Ilustrativa do Post: Beagle Dogs in Research for Animal Testing // Foto de: Understanding Animal Research // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/90500915@N05/8223128721

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