Terceirização e o futuro das relações trabalhistas – Por Ricardo Calcini e Marcelo Ferreira Machado

04/04/2017

Coordenador: Ricardo Calcini

Introdução

No dia 22 de março de 2017, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o texto final do Projeto de Lei (PL) nº 4.302/98, após substitutivo do Senado, e que foi apresentado à época pelo Poder Executivo, com o objetivo de alterar a Lei nº 6.019/74, que trata do trabalho temporário no Brasil.

O projeto de lei passou a fazer parte da preocupação da comunidade que trata do Direito do Trabalho ao pretender, na redação original do art. 6º, §2º (no PL que acaba de ser aprovado, atual art. 9º, §3º), instituir a possibilidade de contratação de trabalho temporário e de prestação de serviços a terceiros tanto nas atividades-meio, quanto nas atividades-fim das sociedades empresariais.

Na sexta-feira, dia 31 de março, o projeto foi sancionado com vetos presidenciais, e já publicado em edição extra no Diário Oficial da União, tornando-se a Lei nº 13.429/2017, que altera dispositivos da Lei nº 6.019/74.

Desde o projeto de lei, todos que estão envolvidos com a temática trabalhista brasileira, preocuparam-se com a possibilidade de precarização das relações laborais[1], uma vez que aquele, e agora propriamente a Lei, alteram a racionalidade bilateral das contratações de trabalhadores que é própria do regime de emprego, e, por sua vez, do Direito do Trabalho. Isso porque a intermediação de mão de obra só é admitida, de modo excepcional, em casos restritos, e com a prévia anuência normativa constitucional ou infraconstitucional, desde que, é claro, quanto à última, não haja confronto com a ontologia principiológica constitucional de 1988.

Ainda que se possa considerar açodada a tentativa de breve ensaio analítico a respeito das alterações da Lei nº 6.019/74, é inequívoco, pelo pouco já afirmado, que não são despidas de controvérsia algumas das profundas mudanças ideológico-trabalhistas que sobrevém com a aprovação daquele citado projeto de lei e que lançarão reflexos na vida laboral brasileira, seja na vivência diária de cumprimento dos contratos de trabalho entre empregados e empregadores, seja na possibilidade de afiançar a constitucionalidade das mudanças legislativas no âmbito do Poder Judiciário.

Breves e pontuais análises a respeito de uma “nova” lei de trabalho temporário

Conforme já mencionado, a Lei nº 13.429/2017 permite que tanto a atividade-meio, quanto a atividade-fim das sociedades empresarias, sejam preenchidas por trabalho temporário.

Utilizando-se da nova redação contida no art. 2º, trabalho temporário

“é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços”.

Quanto ao primeiro tipo de trabalho temporário (“necessidade de substituição transitória de pessoal permanente”), senão havendo uma melhor técnica redacional, nada mudou. Pode-se cogitar do trabalho temporário, por exemplo, em caso de um surto epidemiológico em certo setor da unidade empresarial que afasta parcela empregatícia, o que exigirá a substituição de postos de trabalho cuja natureza, em tese[2], será transitória.

No que tange ao segundo tipo de trabalho temporário, o §2º do art. 2º da Lei nº 6.019/74 caracteriza o que se deve entender como complementariedade de serviços (nova expressão advinda com a alteração legislativa, já que anteriormente utilizava, o legislador, da expressão “acréscimo extraordinário”), prevendo que “[...] considera-se complementar a demanda de serviços que seja oriunda de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal”.

Se, em uma primeira ótica, os fatores imprevisíveis estão ínsitos na ideia de necessidade de substituição transitória de pessoal permanente  afinal, como exemplificado, um surto epidemiológico em certo setor da sociedade empresarial é um fator imprevisível na atividade humana e econômica laboral, e que pode vitimar, durante certo tempo, a saúde do trabalhador (individual ou coletivamente), que o afasta da prestação laboral pessoal -, pode-se afirmar que a complementariedade exposta no “caput” e §2º do art. 2º está vinculada a fatores atinentes à prestação objetiva de serviços.

Esse seria o caso de uma tragédia ambiental, em certa circunscrição territorial, que necessitasse do incremento da atividade de determinada pessoa jurídica no atendimento das demandas pontuais da população envolvida e que só aquela sociedade empresarial pudesse prover mediante própria expertise ou competência.

Imaginemos, v.g., certa região que sofresse com uma tragédia natural e existisse apenas uma única instituição bancária para, entre outros objetivos, atender a pagamentos e saques pessoais de valores monetários da população local.

Atente-se, desde já, no escólio de Vólia Bomfim Cassar[3], que a Lei nº 6.019/74 já permitia a terceirização de atividade-fim, o que não descaracterizava a intermediação de mão de obra, tanto que os exemplos acima demonstram isso.

O que a nova alteração legislativa pretende é ampliar os limites da intermediação de mão de obra, ao prever, expressamente, que “[…] o contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços” (§3º do art. 9º). Sem mais. Com nenhuma restrição aparente.

Reforça a tese da mencionada amplitude o teor do art. 4º-A: “Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos” (g.n). Pois bem, fica a pergunta: que serviços determinados e específicos são esses? Os de atividade-meio, ou também aqueles de atividade-fim?[4] Pensa-se que embora não esteja claro, nada impede eventual interpretação nesse sentido. Senão, vejamos.

A Lei nº 13.429/2017 não é clara ao legitimar o uso amplo do trabalho temporário e de prestação de serviços a terceiros a caracterização estrita do que seja atividade-meio e do que seja atividade-fim empresarial, colocando ambos os tipos de atividades “dentro do mesmo balaio” de execução profissional.

Bem por isso, muito embora já haja vozes no meio jurídico afirmando que a alteração legislativa pacifica a questão da terceirização em nosso país, teme-se, porém, que seja o contrário, criando ainda uma maior insegurança nas relações trabalhistas.

Isso porque a redação do art. 10 é temerária. Prevê o seu “caput” que “[…] qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário”.

O citado art. 10 não é preciso ao afirmar que, nos contratos para prestação de trabalho temporário, o empregado não possui vínculo com a sociedade que se beneficia dos seus serviços. Essa é a regra do trabalho temporário regular. Em realidade, sempre o foi.

No entanto, a realidade concreta e jurisprudencial demonstra a dificuldade em se provar o ambiente evanescente onde muitas vezes é exercido o controle subordinante do empregado que tem sua prestação de trabalho intermediado. Assim sendo, uma contra-afirmação a essa previsão, ainda que não provenha de uma lei, é o teor do item III da Súmula 331 do C. TST, afinal, se o caso concreto demonstrar que a prestação laboral ao tomador dos serviços se deu com pessoalidade e subordinação direta, nada impede que se reconheça o vínculo direto com aquele que toma os serviços.

De mais a mais, o § 1º do art. 10 prevê que “[…] o contrato de trabalho temporário, com relação ao mesmo empregador, não poderá exceder ao prazo de cento e oitenta dias, consecutivos ou não”. Já o § 2º refere que “[…] o contrato poderá ser prorrogado por até noventa dias, consecutivos ou não, além do prazo estabelecido no §1º deste artigo, quando comprovada a manutenção das condições que o ensejaram”.

Entrementes, diferentemente da antiga redação da Lei nº 6.019/74 e da Portaria 789/14 do MTE que tratam das hipóteses do prazo básico e renovatório do trabalho temporário de 3 (três) meses, podendo chegar a 9 (nove) meses, a depender do caso, a Lei nº 13.429/2017 cuida do prazo básico de 180 (cento e oitenta) dias, podendo chegar ao prazo máximo de 270 (duzentos e setenta) dias, ou, em tese, poderia ter prazo maior – caso o §3º do art. 10, contido no PL 4.302/98, não tivesse sido vetado.

No mais, deve-se ter em conta uma novidade: a lei menciona o viés consecutivo, ou não, de prestação laboral em prazo básico de 180 dias, ou em sua prorrogação.

Aparentemente, a consecutividade aludida naqueles enunciados normativos não tem um limite temporal total inequívoco sob a ótica do tomador, e por via reflexa ao trabalhador temporário. E, neste viés, pergunta-se: qual o lapso temporal terminativo, sob a ótica do tomador, para que não se caracterize sucessão vedada de trabalho temporário? O cumprimento dos 180 dias, ou a prorrogação em 90 dias se limita a que espaço total de tempo, uma vez que tais prazos em dias podem ser, ou não, consecutivos?

Destarte, muito embora possa parecer de fácil interpretação a previsão legal contida no alterado art. 10 da Lei nº 6.019/74, no sentido de que os 180 dias, ou sua renovação nonagesimal, não poderão ser ultrapassados no cumprimento do contrato de trabalho temporário em somatório geral de 270 dias com relação à figura do mesmo trabalhador (e a preocupação disso assenta-se no fato de não transformar a necessidade permanente de serviços em temporariedade sine die), convenha-se que, do ponto de vista do tomador dos serviços, não há base legal segura de que um outro tipo de hermenêutica possa ser construído dos parágrafos do art. 10, lembrando-se que não se deve confundir a circunstância de que contrato de trabalho temporário é diferente de contrato de prestação de trabalho temporário, de que trata o art. 5º da Lei.

Remanesce a questão: o prazo limitativo entre 180 e 270 dias, que pode ser consecutivo, ou não, portanto, não possui recorte no tempo? Conforme o §5º do art. 10 reformatado, o prazo para nova inserção de trabalho temporário no mesmo ramo, setor e/ou atividade de determinada sociedade empresarial e com o mesmo trabalhador só pode se dar “após noventa dias do término do contrato anterior”.

Nesse prumo, foi providente o veto ao §3º do art. 10 (cuja redação era: “O prazo previsto neste artigo poderá ser alterado mediante acordo ou convenção coletiva”), pois conferia aos críticos da denominada máxima “prevalência do negociado sobre o legislado” pólvora suficiente para se insurgirem em face de um debate mais amplo sobre os limites do uso da autonomia coletiva da vontade, ao qual um dos autores já se propôs em escrito anterior[5].

Afirma-se isso, porque a redação ampla do dispositivo legal que foi vetado poderia induzir à interpretação de que o prazo de 180 dias, ou sua prorrogação em até 270 dias, permitiria, em tese, ser dilatado por norma coletiva.

Por sua vez, o §7º do art. 10 pretende limitar a responsabilização trabalhista e previdenciária da sociedade tomadora dos serviços temporários, no seguinte sentido:

“A contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer o trabalho temporário, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.”

Nesse ponto, guardada a distinção contextual existente entre o Direito Público e o Direito Privado (lato sensu considerado), parece que o aludido enunciado normativo - aos moldes do art. 71 da Lei 8.666/93, e ao que ocorre com a responsabilidade da Administração Pública, além dos termos da Súmula nº 331, itens III, IV, V e VI, do TST -, tornará acalorado o debate sobre sua extensão e legalidade, tendo em vista a priorização limitativa de responsabilidade trabalhista do tomador dos serviços. Importante relembrar que a prestação pessoal de serviços e a subordinação direta atrai, pelo menos para fins sumulares, o reconhecimento da responsabilização direta e solidária do tomador (ou cliente) dos serviços.

De outra banda, houve veto total ao art. 12 previsto na redação final do PL nº 4.302/98, que, embora substituísse corretamente na técnica formal-legislativa alíneas por incisos (faz-se referência à Lei Complementar nº 95/98[6] e ao fato da redação original utilizar-se das mencionadas alíneas para expor o rol dos direitos do trabalhador temporário), não mascarava a supressão expressa decorrente da clarividência de aplicação, como havia anteriormente, de 8 (oito) direitos trabalhistas expressos[7] e implícitos (por exemplo, os outros direitos previstos na CLT, como o adicional noturno, “desde que compatíveis”, conforme lembra Alice Monteiro de Barros[8]) por somente 3 (três) direitos expressos: (i) equivalência salarial; (ii) equivalência de jornada de trabalho; e (iii) proteção previdenciária e contra acidentes de trabalho a cargo do INSS.

O veto aboliu a nova redação do art. 12 da Lei nº 6.019/74, e não o art. 12 em sua redação originária[9], que trata dos direitos devidos ao trabalhador temporário. Corretamente ao consignado na Mensagem de Veto nº 101 à Lei 13.429/2017, em uma hermenêutica constitucional, legal e trabalhista, deve-se sustentar a aplicação dos direitos previstos na Constituição Federal e na CLT aos trabalhadores temporários, desde que compatíveis, como já era o entendimento pacífico da comunidade laboral.

Prosseguindo em outra temática. A alteração legislativa inova o Direito do Trabalho brasileiro para níveis estranhos à sua principiologia. Desde sua tramitação (e também na tramitação do PL nº 4.330/2004), acusa-se o projeto de pretender a precarização das relações do trabalho, tornando todas pré-determinadas no tempo, bem como fragmentadas em sua execução. A Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, mantém esse risco.

A estranheza da nova ideologia proposta na citada lei está calcada na contrariedade à principiologia do Direito do Trabalho que propugna a indeterminação do prazo para o rompimento da relação de emprego (a continuidade do vínculo empregatício), a gerar estabilidade nas relações laborais e na própria vida do trabalhador.

A Lei nº 13.429/2017 vai além, e tenta, outrossim, normalizar legalmente a figura da “quarteirização” dos serviços desenvolvidos pela sociedade intermediadora.

Prevê o §1º do art. 4º-A: “A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços” (g.n).

É o caso, v.g., de uma quarteirização na administração dos contratos de serviços intermediados. Muito embora não se desconheça que isso ocorra na prática empresarial, do ponto de vista gerencial, a redação do dispositivo acima citado é lacunar e prejudicial à análise minimamente próxima de um aproveitamento dogmático-laboral.

Se a terceirização já é a “exceção da exceção” na sistemática trabalhista, pois é estranha aos princípios que regem o Direito do Trabalho, o que dizer da denominada “quarteirização”?

As relações de trabalho na prestação de serviços a terceiros

Em continuidade à análise do Projeto de Lei nº 4.302/98, convertido na Lei nº 13.429/2017, e após o detido enfrentamento da questão sob o prisma do trabalho temporário (Lei nº 6.019/74), certo que a maior e mais importante novidade fica adstrita a outras formas de prestação de serviços a terceiros.

Isso porque o trabalho temporário, para parcela da doutrina já citada, constitui hipótese lícita de intermediação de mão de obra. Nesse sentido, pode-se afirmar que, legalmente, a terceirização de serviços já se encontra prevista na Lei nº 6.019/74, tanto que referendada pelo item I da Súmula nº 331 do C. TST.

Acontece que a efetiva novidade legislativa trazida pela atual norma diz respeito às relações de trabalho havidas entre a empresa de prestação de serviços e as respectivas tomadoras (contratantes).

Nesse sentido, a prestadora de serviços necessariamente deve ser uma empresa, pessoa jurídica (e não física), responsável por prestar serviços determinados e específicos (art. 4º-A). E disso se depreende que não é qualquer tipo de serviço e/ou atividade contemplada pela Lei nº 13.429/2017 autorizativa da chamada “terceirização de serviços”.

Note-se que a prestadora não poderá ter por objetivo a execução de todos os serviços que sejam de interesse da contratante, muito menos ter por finalidade substituir, a um só tempo, todas as atividades até então executadas pela tomadora. A questão se refere à “determinação” e à “especialidade” dos serviços, razão pela qual a prestadora jamais poderá ter como objetivo social a atuação em atividades gerais, abrangentes, inespecíficas e indeterminadas.

Tanto é verdade, que o poder diretivo dos serviços executados compete à empresa prestadora, e não à tomadora de serviços, muito embora seja possível afirmar, doravante, que o projeto de lei admite a chamada “quarteirização”, como medida a justificar a efetiva contratação de serviços determinados e específicos (art. 4º-A, §1º).

De outro norte, conquanto o legislador tivesse afastado, formalmente, o vínculo de emprego entre os trabalhadores e/ou sócios da empresa prestadora de serviços com a empresa contratante, fato é que o projeto não traz nenhuma alteração às normas de ordem pública previstas na norma celetária (arts. 2º e 3º).

Por essa razão que, a depender da dinâmica em que o serviço for executado e, mais, caso realmente não esteja atrelado a um fator determinado e específico da empresa tomadora, seguramente se cogitará do reconhecimento do liame empregatício, com a condenação das empresas de forma solidária pelas verbas contratuais e/ou rescisórias daí decorrentes, haja vista a constatação da prática fraudulenta à legislação consolidada (CLT, art. 9º).

De mais a mais, a nova legislação procurou estabelecer requisitos mínimos para o regular funcionamento das empresas prestadoras de serviços a terceiros (art. 4º-B). E assim o fez para se obter um mínimo de segurança aos serviços por ela executados em favor das tomadoras, que poderão, a partir de agora, ao menos ter a garantia de que a empresa prestadora detém capital social compatível com o número de empregados constantes de seu quadro.

No entanto, há que se pensar sobre a razoabilidade prima facie da redução estabelecida pela Lei, acerca do capital social mínimo para funcionamento das sociedades intermediadoras de trabalho temporário. Isso porque, o inciso III do art. 6º determina como capital mínimo o montante de R$100.000,00 (cem mil reais), ao contrário do anterior parâmetro de 500 vezes o salário mínimo vigente. Além disso, a nova lei estabelece faixas distintas de capital social mínimo para prestadoras de serviços a terceiros entre R$10.000,00 (dez mil reais), para aquelas com até 10 empregados, até R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), para aquelas com mais de 100 empregados (conforme art. 4º-B, III), uma vez que o montante mínimo do capital social visa ofertar resguardo para o cumprimento das obrigações trabalhistas, tributárias e previdenciárias.

Já no tocante à contratante, o legislador permitiu que essa seja representada por pessoa física ou jurídica – o que, no caso, não se aplica à prestadora, que somente pode ser uma pessoa jurídica.

Contudo, reitera-se ser necessário que o contrato celebrado entre as partes seja de prestação de serviços determinados e específicos. Por essa razão é que é vedada a utilização de trabalhadores da empresa prestadora em atividades distintas daquelas pactuadas no objeto do contrato de terceirização (Art. 5º-A, “caput” e §1º).

Outro ponto de extrema importância na Lei nº 13.429/2017 se refere à antiga controvérsia sobre a prestação de serviços dentro das dependências da contratante, o que, segundo o então PLC 30/2015 (art. 4º, §3º), encontrava expressa vedação.

Deste modo, não mais se põe em discussão que o legislador ordinário pretendeu realmente chancelar de validade a intermediação da mão de obra, e não apenas validar a terceirização de serviços executados fora das instalações físicas da empresa contratante (art. 5º, §2º).

A temática concernente à responsabilidade quanto às condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores não traz maiores discussões, uma vez que a contratante, por força da Convenção nº 155 da OIT, já estava obrigada a cumprir e fazer cumprir as normas protetivas da relação de emprego, sob pena de vir a responder, solidariamente, juntamente com a empresa prestadora.

E, neste ponto, é natural que a contratante, para fazer valer sua responsabilidade, possa estender aos trabalhadores da prestadora benefícios relacionados ao “[…] mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado”. De resto, houve expressa previsão acerca da responsabilidade subsidiária da empresa contratante pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que for beneficiária da prestação de serviços, o que inclui aqui a obrigação pelo recolhimento dos encargos previdenciários.

Bem por isso, a constante discussão presente nos processos trabalhistas, em que se invocava a ausência de previsão legal para a “responsabilidade subsidiária”, deixará de existir, na medida em que aludida previsão estará em conformidade com o princípio da legalidade (CRFB, art. 5º, II), embora essa matéria já estivesse sedimentada pela jurisprudência (Súmula nº 331, III, do C. TST).

CONCLUSÃO

Do exposto, a atual Lei nº 13.429/2017 tem por objetivo dar nova formatação às relações existentes no âmbito do trabalho temporário, como também regular outras formas de prestação de serviços a terceiros que não tinham disciplina própria. Esse não é o caso, por exemplo, da prestação de serviços executada por empresas de vigilância e de transporte de valores, reguladas por legislação especial (Lei nº 7.102/83), e subsidiariamente pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Por fim, a nova normatização igualmente não se preocupou em fazer distinção entre o que se convencionou chamar de “atividades-meio” e “atividades-fim”, a não ser quando fez referência ao trabalho temporário permitindo o seu desenvolvimento em quaisquer tipos de atividades executadas em favor da tomadora de serviços.


Notas e Referências:

[1] De certa forma, é o que ocorre em análises sob o ponto de vista do PL 4.330/2004, que trata do mesmo tema, a terceirização. Conforme pontua CAIXETA, Sebastião Vieira. Apontamentos Sobre a Normatização do Instituto da Terceirização no Brasil: por uma legislação que evite a barbárie e o aniquilamento do direito do trabalho. In: Estudos Aprofundados MPT Ministério Público do Trabalho. Org. Élisson Miessa; Henrique Correia. 2.ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. p. 802: “(...) a prática tem evidenciado, com frequência cada vez mais constrangedora, a ocorrência de efeitos danosos, como o excessivo foco na redução dos custos com a mão de obra; a redução de direitos; a exigência de jornadas excessivas; o descuido com o meio ambiente de trabalho; a dispersão e falta de representatividade sindical; enfim, a precarização do trabalho terceirizado”.

[2] Menciona-se em tese, porque a morte pode tornar a necessidade efetiva e, portanto, não-transitória.

[3] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 11.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO. p. 498.

[4] Vólia Bomfim, em primeira impressão, assim dispõe: “Interpreto que o legislador quis se referir a um contrato determinado para atividades meio, pois quando quis ser expresso na autorização de terceirização de atividade fim o fez, como foi o caso do trabalho temporário” (CASSAR, Vólia Bomfim. Breves comentários à nova redação da Lei 6.019/74: Terceirização ampla e irrestrita??? Fonte: http://genjuridico.com.br/2017/03/24/breves-comentariosa-nova-redacao-da-lei-6-01974-terceirizacao-ampla-e-irrestrita/. Acesso em 26.03.17)

[5] MACHADO, Marcelo Ferreira. O Que Subjaz em uma Máxima Denominada “Prevalência do Negociado sobre o Legislado”. Revista Jurídica Consulex, v. ano XX, pp. 24-26, 2016.

[6] Prevê o art. 10, caput: “Os textos legais serão articulados com observância dos seguintes princípios:” e seu inciso II que “os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos ou em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em itens;”.

[7] Recordando-se que a indenização prevista na anterior alínea “f” da referida lei foi substituída, em 1988, pelo regime do FGTS. Contra: Súmula nº 125 do TST.

[8] BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 3.ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 438.

[9] Que já deve ser lido sob as luzes da Constituição de 1988, quando, por exemplo, trata do adicional de 20% das horas extras (em sua alínea “b”), e não de 50% como previsto no art. 7º, XVI. 


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