Em junho deste ano o U.S Food and Drug Administration (FDA) aprovou a comercialização do Zolgensma® (AveXis Inc, Novartis), primeira terapia gênica para crianças, de até dois anos de idade, com atrofia muscular espinhal (AME) e mutação bialélica no gene SMN. O medicamento, que substitui genes mutados por genes sadios, é administrado em uma única dose intravenosa. O Zolgensma® é atualmente o medicamento mais caro do mundo, com um custo de US$ 2.100.00,00 (cerca de R$8.000.000,00). Apesar de ainda não estar disponível no Brasil, o medicamento tornou-se conhecido pelos casos divulgados na mídia de pacientes que buscaram acesso ao medicamento no exterior, por meio de processos judiciais ou de esquemas de financiamento colaborativos. Estima-se uma incidência de 250 a 300 novos casos por ano, com um total de 3.800 casos diagnosticados no Brasil.
O Zolgensma® deve ser avaliado em breve pela Anvisa e, se aprovado, será a primeira terapia gênica a entrar no mercado nacional. Assim como o FDA, a Anvisa possui duas resoluções (RDC 204/2017 e RDC 205/2017) que permitem um processo diferenciado para avaliação de medicamentos para doenças raras (caso da AME, que tem aproximadamente 3.800 casos diagnosticados no Brasil) e medicamentos designados como ‘órfãos’ (destinados a doenças para as quais não há alternativa terapêutica disponível ou quando há benefício significativo com o uso da intervenção pleiteada). 1,2 As resoluções incluem medidas para priorização e redução de prazos durante o processo de avaliação e permissão da apresentação de dados adicionais posteriormente à concessão do registro por meio de assinatura de termo de compromisso entre a Anvisa e a empresa solicitante. Neste caso, os pacientes tratados são acompanhados prospectivamente para medir os efeitos do medicamento ao longo do tempo.
É esperado que previamente aos procedimentos regulatórios, ou durante o mesmo, sejam apresentadas, e avaliadas de modo sistemático, as evidências existentes sobre os efeitos (benefícios e riscos) do medicamento. Até o momento, os estudos existentes avaliando a eficácia e segurança incluem dois estudos pequenos (15 e 21 participantes, este último ainda em andamento), sem grupo comparador, financiados pela indústria fabricante, que mostraram benefício do Zolgensma® em alguns marcos da função motora como sentar sem ajuda, manter alimentação via oral, rolar e caminhar de modo independente. 3,4 Além desses dois estudos, foram identificados pelo menos outros seis estudos em andamento.5-10
Esta foi uma busca específica feita pelo Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde, Hospital Sírio-Libanês com o objetivo de levantar a discussão sobre os processos regulatório, de avaliação de tecnologias em saúde e de decisões judiciais relacionados à chegada no Brasil de medicamentos órfãos para doenças raras.11 Para fornecer informações mais robustas sobre as evidências dos efeitos do Zolgensma® no tratamento da AME, um parecer técnico-científico completo ainda precisa ser conduzido, utilizando uma busca mais sensível e uma avaliação sistematizada e criteriosa dos estudos disponíveis.
Além dos tópicos regulatórios apresentados acima, é importante ainda discutir os critérios de incorporação nos sistemas de saúde, as vantagens e desvantagens de abordagens de compartilhamento de risco, definição de métodos apropriados para avaliar os dados após aprovação condicional do medicamento, as limitações dos desenhos de estudos factíveis para estimar os efeitos de medicamentos para doenças raras e, por fim, as abordagens metodológicas que possam minimizar estas limitações e assim reduzir a incerteza das informações obtidas.
Terapias com perfil semelhante ao Zolgensma® devem chegar em breve no Brasil, incluindo o patisiran (Onpattro®) para o tratamento da amiloidose hereditária por transtirretina e o voretigene neparvovec (Luxturna®) para doença retiniana hereditária com mutação bialélica do gene RPE65. Uma discussão, envolvendo todos os atores interessados e envolvidos de alguma forma neste processo, se faz necessária neste momento, e não deve ser postergada.
Notas e Referências
[1] Ministério da Saúde - MS Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC N° 205, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2017. (Ministério da Saúde 2017a). http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_205_2017_.pdf/996fc46e-216b-44ab-b8c8-2778151b786e. Acessado em 2 de julho de 2019.
[2] Ministério da Saúde - MS Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA - RDC N° 204, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2017. (Ministério da Saúde 2017b).
[3] Al‐Zaidy S, Pickard AS, Kotha K, et al. Health outcomes in spinal muscular atrophy type 1 following AVXS‐101 gene replacement therapy. Pediatr Pulmonol. 2018;54(2):ppul.24203. doi:10.1002/ppul.24203
[4] NCT03306277. Gene Replacement Therapy Clinical Trial for Patients With Spinal Muscular Atrophy Type 1 (STR1VE). https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT03306277. Acessado em 19 de junho de 2019.
[5] NCT03461289. ClinicalTrials.gov. Single-Dose Gene Replacement Therapy Clinical Trial for Patients With Spinal Muscular Atrophy Type 1 (STRIVE-EU).
[6] NCT03421977. ClinicalTrials.gov. Long-Term Follow-up Study for Patients From AVXS-101-CL-101 (START). https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT03421977. Acessado em 19 de junho de 2019.
[7] NCT03505099. ClinicalTrials.gov. Pre-Symptomatic Study of Intravenous AVXS-101 in Spinal Muscular Atrophy (SMA) for Patients With Multiple Copies of SMN2 (SPR1NT).
[8] NCT03837184. ClinicalTrials.gov. Single-Dose Gene Replacement Therapy Using for Patients With Spinal Muscular Atrophy Type 1 With One or Two SMN2 Copies.
[9] NCT03955679. ClinicalTrials.gov. AveXis Managed Access Program Cohort for Access to AVXS-101.
[10] NCT03381729. ClinicalTrials.gov. Study of Intrathecal Administration of AVXS-101 for Spinal Muscular Atrophy (STRONG).
[11] Riera R, Bagattini AM, Pachito DV. Eficácia, segurança e aspectos regulatórios dos medicamentos órfãos para doenças raras: o caso Zolgensma®. Cad. Ibero-amer. Dir. Sanit., Brasília, 8(3): jul./set., 2019 49. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17566/ciads.v8i3.538. Acessado em 2 de outubro de 2019.
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