Teorização e consumo da pesquisa social do direito

14/05/2021

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumio / Coordenador Marcos Catalan

Nos dias 08 e 22 de abril grupo TSD estive junto às/aos participantes do grupo TSD, tivemos a oportunidade de partilhar nestes dois encontros sobre produção, circulação e consumo das ditas Teorias Sociais do Direito. Esses dois encontros, tiveram como fundo o pensamento crítico e marxista, pondo-nos a interrogar nossas capacidades de interrogação dos problemas de pesquisa. No segundo dia, após a crítica que Norberto esboçou às teorias sociais do direito em geral e a disposição interna/externa da sociologia do direito, tentei, partindo da ideia de teorização, lograr a abertura de um lugar de valorização desenredado da ideologia cientificista no campo de conhecimento “Direito e Sociedade”.

A problemática não é nova, em 1983 a publicação de A la fortune du pot escrito por Luis Alberto Warat (2004) para o encontro anual do grupo “Direito e Sociedade” já empreendia uma crítica às ilusões dos juristas sobre as condições de possibilidade e existência da pesquisa científica na área do Direito. Naquele momento Warat impulsionava seus escritos desde uma “carnavalização” sobre o direito, com isso tentava situar a verdade fora do lugar de univocidade do saber e de unidade do real (hipótese sustentada por ele). Em outras palavras, Warat faz uma crítica às condições que dão fundamento a gramática de produção do conhecimento e a maneira com que ela deve ser autorizada por uma cientificidade que se crê neutra e objetiva para o consumo adequado. Afiançada por uma unidade autoritária, a ideologia cientificista corrobora para que não haja um lugar de outra valorização, requer por condição, o rechaço ao jogo de interrogações que a pesquisa social do direito possa pôr no campo dos processos de constituição.

Em que pese a sugestão construtiva de Warat e seus elementos: teoria jurídica, práxis social, política; a atualidade e densidade da crítica como parâmetro epistêmico próprio e autêntico para a pesquisa social do direito, começa por duvidar das formas de saber e das racionalidades dominantes desenvolvidas pela modernidade humana. A organização social e fundamentações do mundo da vida estão envolvidas por critérios científicos e filosóficos de ideário liberal e individualista que levam a uma racionalidade jurídica presa aos processos de reprodução do capital. A sustentação desta forma-social inscrita na história passa pela formação de uma heterogeneidade social e econômica própria da divisão social do trabalho que se estende globalmente, essa divisão trabalho/capital tratada por Karl Marx em especial sobre as condições que se encontrava o capitalismo nos fins do século XIX trouxe ao pensamento a capacidade de criticar a determinação primordial da produção das mercadorias. A profundidade e a fecundidade do raciocínio de Marx fizeram com que o pensamento crítico alcançasse novos patamares, postulando transformação radical da sociedade com excepcional atenção à política e aos princípios revolucionários do pensamento e da práxis.

A influência do marxismo na teoria crítica dá impulso a novas pensabilidades, novas vertentes de pôr em questão múltiplas formas da sociedade capitalista: sujeito autônomo abstrato que disciplina e se reestabiliza, em contínua destruição do espaço em que se desdobra. Façamos um pequeno apontamento dando relevância a uma problemática-chave inscrita por Marx e soma-la à constatação feita por Karl Polanyi em sua obra clássica A Grande Transformação para termos uma certa noção relacional entre circulação e produção normativa. Iniciemos com Marx (2013, p. 785):

Vimos como o dinheiro é transformado em capital, como por meio do capital é produzido mais-valor e do mais-valor se obtém mais capital. Porém, a acumulação do capital pressupõe o mais-valor, o mais-valor, a produção capitalista, e esta, por sua vez, a existência de massa relativamente grande de capital e de força de trabalho nas mãos de produtores de mercadorias. Todo esse movimento parece, portanto, girar num ciclo vicioso, do qual só podemos escapar supondo uma acumulação “primitiva” (“previous accumulation”, em Adam Smith), prévia à acumulação capitalista, uma acumulação que não é resultado do modo de produção capitalista, mas seu ponto de partida.

Como podemos ver, o raciocínio de Marx acerca da possibilidade de o capital desenvolver-se como sujeito autônomo se dá pela necessidade de haver um status quo ante interno ao processo de reprodução e acumulação, por essa mesma via de pensabilidade Karl Polanyi sustentará que as mudanças fundamentais da sociedade estão diretamente relacionadas com as estruturas que se impõem para o desenvolvimento do livre mercado. Vejamos o trecho que consolida o argumento iniciado pela pensabilidade marxista e que encerra uma problematização do direito à altura de nossos tempos (POLANYI, 2000, p. 215-216 e 218):

A comercialização do solo foi apenas um outro nome para a liquidação do feudalismo, que se iniciou nos centros urbanos ocidentais, inclusive na Inglaterra, no século XIV e terminou cerca de quinhentos anos mais tarde, no decurso das revoluções europeias, quando foram abolidos os remanescentes da servidão feudal. Tirar o homem da terra significava reduzir o corpo econômico a seus elementos, de forma que cada elemento podesse inserir-se naquela parte do sistema onde fosse mais útil. [...] Parte desse objetivo foi atingido pela força individual e a violência, parte por revoluções do alto ou de baixo, parte pela guerra e a conquista, parte pela ação legislativa, parte por pressão administrativa, parte pela ação espontânea de pessoas provadas, em pequena escala, ao longo de muito tempo. O fato desse transtorno ser rapidamente absorvido ou causar um ferimento aberto no corpo social dependeu basicamente das medidas tomadas para regular o processo. Os próprios governos introduziram fatores poderosos de mudança e ajustamento. [...] a lei comum desempenhou um papel eminentemente positivo no advento do mercado de trabalho – a teoria do trabalho como mercadoria foi apresentada em primeiro lugar, e enfaticamente, não por economistas, mas por advogados.

            Os marxismos surgem como teorias sociais que introduzem o tensionamento dos antagonismos sociais (como a luta de classes, a ideologia de gênero ou de raça, p. ex.), nos capacita a percepção da expansão material do capitalismo que produz uma forma específica de racionalização do mundo. Um dos textos mais importante de interpretação teórica de viés crítico remonta ao ano de 1931, em que Max Horkheimer assume a tarefa de elaborar uma teoria materialista da sociedade como programa de estudos, trazendo como motor, questionamentos levantados por Marx como base de diversas disciplinas a serem desenvolvidas na Escola alemã de Frankfurt. Em 1937, Max Horkheimer apresenta o texto fundador da pensabilidade crítica nos termos de uma distinção entre teoria tradicional e teoria crítica, com o objetivo de compreender e ultrapassar as contradições sociais (Tomás, 2009).

Em Teoria tradicional e teoria crítica, Horkheimer parte do que seja uma teoria no sistema universal da ciência, que por si aparece como meta da teoria em geral, de modo que a essência da teoria se desenha através de deduções e proposições que se interligam com a aproximação de descrições dos fatos, validando-se diante de uma suposta proximidade com a realidade. A representação de essência da teoria remonta aos primórdios da filosofia moderna, desde o método de deduções cartesianas ao “sistema fechado de proposições de uma ciência” de Husserl, Horkheimer fará oposição à suposição de que todo o sistema teórico deve satisfazer-se por uma harmonia das partes, que conectadas, não sofrem nenhum tipo de contradição entre si. A formulação teórica segue a tendência de consolidar operações lógicas em que o modelo bem sucedido das ciências naturais alcança as ciências do homem e da sociedade (1975). Sua crítica está direcionada à tendência científica anglo-saxã que oferece uma imagem de ciência muito mais próxima do modo de produção industrial, pois se dedica a pesquisa dos fatos, em uma atividade de compilação de quantidades enormes de problemas e pesquisas empíricas formuladas por cuidadosas enquetes, de modo que nesta apreensão de pesquisa o efeito da teorização é rejeitada. Para Horkheimer essa separação de fórmulas de pesquisa é meramente aparente, não há diferença substancial na estrutura do pensamento nestas ciências do espírito. Tanto os empiristas quanto os teóricos passam ao manuseio de seu material pesquisado “de cima para baixo” sem o contato direto com os problemas de uma pesquisa empírica particular. As formas fundamentais dos teóricos, como solidariedade mecânica e solidariedade orgânica em Durkheim, ou cultura e civilização em Weber, são formas da socialização humana que desvendam imediatamente sua problemática, ou seja, são induções concluídas que dão ao trabalho um caminho cômodo e ocioso. Em relação à função do sistema teórico ideal, sabe-se que o cientista procederá proposições gerais em hipóteses aos novos fatos que surgirão, eis que após identificar uma lei essencial, o sociólogo se encontrará indubitavelmente entre o saber formulado e a subsunção de um fato concreto a este saber. Esta percepção ou constatação entre o fato concreto e a ordem conceitual do saber é o que se apresentará como explicação teórica (1975).

A explicação teórica se torna a essência da teoria e tarefa imediata na abordagem de diferentes campos para cientistas, manejo adequado à formatação do material do saber consonante com os progressos técnicos da burguesia que toma, também na ciência, a estruturação hierárquica do conhecimento e de suas hipóteses. Não há dúvidas de que se trata de uma revolução e de um desenvolvimento da base material da sociedade que, contraditoriamente, ao mesmo tempo em que forma uma forma de apresentação torna-se independente, o conceito de teoria também se torna independente da fundamentação histórica, isto é, está implicado em fundamentação a-histórica, tornando-se categoria coisificada, essencialmente ideológica, diz Horkheimer (1975).

Vale deixar claras as consequências das proposições críticas de Horkheimer: a aplicação teórica ao material do saber não está atrelado ou em conformidade com a conivência da própria teoria ou então da inteligibilidade dos cientistas/pesquisadores. Se há no trabalho teórico o entrelaçamento irremediável com o processo de vida da sociedade, não há abstração ou forma “supra-social” que desligue ou torne o saber independente da situação e da reprodução contínua do existente. O significado da racionalização em especialidade científica pretende mistificar a posição do cientista, seja por meio do valor de sua profissão, na utilidade finalística do conhecimento produzido, ou na divisão social do trabalho. A seguinte apreensão de Horkheimer é essencial para esclarecer a questão própria da teorização (1975, p. 131):

A representação tradicional de teoria é abstraída do funcionamento da ciência, tal como este ocorre a um nível dado da divisão do trabalho. Ela corresponde à atividade científica tal como é executada ao lado de todas as demais atividades sociais, sem que a conexão entre as atividades individuais se torne imediatamente transparente. Nesta representação surge, portanto, não a função real da ciência nem o que a teoria significa para a existência humana, mas apenas o que significa na esfera isolada em que é feita sob as condições históricas. Na verdade, a vida da sociedade é um resultado da totalidade do trabalho nos diferentes ramos de profissão, e mesmo que a divisão do trabalho funcione mal sob o modo de produção capitalista, os seus ramos, e dentre eles a ciência, não podem ser vistos como autônomos e independentes. Estes constituem apenas particularizações da maneira como a sociedade se defronta com a natureza e se mantém nas formas dadas. São, portanto, momentos do processo de produção social, mesmo que, propriamente falando, sejam pouco produtivos ou até improdutivos. Nem a estrutura da produção industrial e agrária nem a separação entre funções diretoras e funções executivas, entre serviços e trabalhos, entre atividade intelectual e atividade manual, constituem relações eternas ou naturais, pelo contrário, estas relações emergem do modo de produção em formas determinadas de sociedade. A aparente autonomia nos processos de trabalho, cujo decorrer se pensa provir de uma essência interior ao seu objeto, corresponde à ilusão de liberdade dos sujeitos econômicos na sociedade burguesa. Mesmo nos cálculos mais complicados, eles são expoentes do mecanismo social invisível. embora creiam agir segundo suas decisões individuais. 

A teoria tradicional é extraída do funcionamento da sociedade, corresponde como unidade científica executada ao lado de demais funções sociais pensadas como totalidade universal. Como a divisão social do trabalho, a unidade científica se representa como esfera isolada em si mesma como função abstrata, sem que seu significado reflita a relação entre existência humana e condições históricas. A sociedade vive da reprodução social que alcança os diversos ramos de trabalho, inclusive o científico, e embora possa parecer que essa divisão detenha um caráter de autonomia e independência, a totalidade do modo de produção capitalista faz da teoria tradicional o acompanhamento de uma facticidade de aceitação e descrição do mundo. O pensamento crítico, segundo Horkheimer (1975), fratura a relação indivíduo e sociedade, quando a pesquisa adere a pensabilidade crítica passa a se tomar em conta a influência recíproca entre processos sociais materiais e teorização. Assim, o processo de teorização torna aparente não apenas processos intracientíficos (método de abordagem e método de pesquisa, por exemplo), mas também anuncia processos sociais dos quais os desdobramentos teóricos estão atrelados. Assim a teoria crítica está implicada em fazer o registro efetivo e sensível dos processos de autopreservação humana e reprodução material a que pertence a práxis social.

Em Teoria critica del derecho desde América Latina, Antonio C. Wolkmer apresenta uma crítica à teoria crítica moderna desenvolvida pelos membros do Instituto de Pesquisa de Frankfurt. Ao iniciar constata que a herança da crítica moderna frankfurtiana está envolta da lógica discursiva que nos remete ao problema do ser humano na história, na busca por um sistema de referências ainda não formado, intuindo a unidade de fundamentação e a legitimação destes sujeitos destinados à própria teoria. Como visto anteriormente no texto de Horkheimer (1975), a finalidade de emancipação e transformação originária desta disposição teórica não requer necessariamente a confirmação empírica, senão que em seu esforço cognitivo-reflexivo tome parte junto aos múltiplos interesses que estão oprimidos pelas formas de cultura que a funcionalidade social enseja. Ponto criticado por Wolkmer (2017) no sentido de que sem a interlocução empírica não se pode dar novos rumos à teoria crítica que fortaleça e capacite com outros recursos epistemológicos a essencialidade do continente latino americano. A teorização social e crítica do direito considera insuficiente os racionalismos do mundo que derivam da estrutura de saber jurídico, divididos em dois: o racionalismo metafísico-natural (jusnaturalismo) e o racionalismo lógico-instrumental (positivismo jurídico). Essas linhas ideológico-normativas vão dando claros sinais de esgotamento, revelam uma crise progressiva tanto da prática jurídica como nas consequências concretas de assumir o idealismo de validade universal do pensamento dogmático.

Para retirar a teoria crítica moderna deste ponto de abstração da relação humano/natureza cabe lembrar a qualquer suposto sistema de saber que dê fundamento à pesquisa social, que a certidão de batismo do capitalismo na América Latina é a exploração mineral que se constitui no processo de colonização, como nos diz Carlos Walter Porto-Gonçalves no prefácio da obra Mineração, genealogia do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade de Horacio Machado Araóz. A infeliz atualidade do trabalho de Araóz diz respeito à tão presente situação de dominação global e opressão territorial que sofremos diante do contexto continental, de extensão econômica, política, material, espiritual e cultural. Ao dedicar-se a examinar este domínio opressivo da condição (neo)colonial, Araóz (2020) nos dirá que mesmo com tantas evidências e histórias acumuladas, os governos latino-americanos se empenham em acelerar o extrativismo, dando forma ao processo de modernização a partir da “eliminação da pobreza” conjugada com a manutenção de sua posição subdesenvolvida. Se contornarmos a totalidade entre humano e natureza apontada por Horkheimer, e sua reconciliação, teremos que tomar em conta a lógica da dominação desde o poder do império de impor a máquina extrativista por meio da ideia de desenvolvimentismo. A exemplo disto cita o Consenso de Beijing que em 2011 marcava o apogeu da exportação de matérias-primas, no Brasil o ex-presidente Lula perguntava em alto e bom tom, “Qual o problema com exportar matérias-primas? Se os preços estão altos, não há nenhum problema”. O presidente Rafael Correa do Equador naquele momento afirmava que era necessário intensificar o extrativismo para que se atingisse uma “sociedade do conhecimento”, ademais, cita o ex-vice-presidente da Bolívia, Álvaro Garcia Linera assinalava que era possível sair do extrativismo por via da intensificação do extrativismo. À América Latina recai a “fatalidade” localizada/situada na totalidade humano/natureza, lugar geográfico determinado por uma “maldição da abundância”, raciocínio simplista instalado pela economia política em processo, tratando a conquista violenta como ponto de partida de giro do “moinho satânico” (Karl Polanyi) que tritura a humanidade que povoa este continente. A América Latina, seus povos e trabalhadoras/trabalhadores, transformados em coisa disforme, destituída de dignidade, destruída tanto pela forma-trabalho empregada quanto pela militarização que cerca as riquezas/recursos do continente.

No que se refere à negatividade da dialética, Eduardo Grüner aponta uma atual percepção e interpretação da crítica para nossa América. Em Teoría crítica y contra-Modernidad, Grüner toma notas fundamentais para uma leitura periférica do pensamento próprio do século XX a que se expressa no sintagma “Teoria crítica”. Ele não só aponta a importância da Escola de Frankfurt e da pessoa de Max Horkheimer na diferenciação com a teoria tradicional, como também, estende os alcances filosóficos-culturais e políticos de tal pensamento às obras de George Lukács e Jean-Paul Sartre, sem olvidar de autores de base como Hegel, Marx, Nietzsche e Freud. Todos estes são, por assim dizer, autores próprios da teoria crítica entendida desde sua concepção europeia, como europeia é a ideia de teoria crítica. Para ampliar a teoria crítica a um significante “periférico”, Grüner nomeia alguns de seus contemporâneos (Bolívar Echeverría, Henrique Dussel, Darcy Ribeiro, Aníbal Quijano, Franz Hinkelammert...) que com variadas aspirações produzem teoria crítica sob o trabalho de consequências lógicas da colonialidade do poder/saber. Longe de etiquetar sua proposição à moda acadêmica, Eduardo Grüner avança de maneira a problematizar nossa “liberdade de eleição” de ditas teorias e filosofias “de fora”, às pensadoras e pensadores latino-americanos cabe, forçosamente, uma “seleção” que se apresenta labiríntica, conflitiva, por vezes problemática e contraditória, situada sob um dentro/fora. Para evitar esta falsa inflexão de um pensamento não situado, Grüner nos remete ao umbral, não um lugar pacífico de passagem, um campo de batalha do qual a produção crítica está dependente das relações de forças e desde aqui é possível estabelecer um “contra” que aponte o dedo para uma falha constitutiva da cultura geral moderna-capitalista. A falha, fratura ou desajuste se refere à modernidade como ideologia dominante que adquire consistência desde a negação de seus conflitos internos, em outras palavras, um continuum colonialista que acompanha a mundialização do capital. O núcleo duro da modernidade recobre uma dificuldade de admitir: (a) excessos de suas formas de dominação, (b) excessiva má distribuição de riqueza (a lógica de exploração nunca é posta em questão na produção da riqueza), (c) o racismo próprio da condição moderna e (d) a guerra implícita na expansão ou na defesa do sistema. Desde essa concepção de modernidade, a teoria quando crítica, abrange a contrariedade trágica no interior da cultura, tratando-a como eixo central de interrogação crítica e ativa, de modo que a ideia de “reconciliação” apontada por Theodor Adorno resta considerada ferramenta central da ideologia dominante, não havendo, mediante a interpretação de Grüner, qualquer maneira de reconciliação, pelo contrário, para subverter o imaginário reconciliador da teoria crítica moderna, o autor argentino nos aponta a premência de uma insistente des-conciliação.

A posição da teoria do conhecimento colonialista/moderna estabelece uma unidade gramatical controladora da estabilidade para o consumo não polêmico e nem ativo dos problemas sociais. O modo de exposição das problemáticas sociais têm sua manutenção no apelo constante à neutralização teórica das lutas travadas contra dominação, exploração e negligência das instituições modernas. A teoria crítica usa a ideia de teorização para modificar o quadro geral da pesquisa tradicional, percebendo que não há apenas auto-apresentação única possível sobre o real, a da ciência. Retomando as lições de A la fortune de pot, a pesquisa monológica se verá coerente e acabada, convida a um lugar tomado como produto. De outro modo, a pesquisa pensada como processo de poder, leva a um certo esbanjamento coibido, faz-se expressão de uma diferença não lógica, indigesta ao academicismo, uma qualificação insubordinada – nos diria um dos autores preferidos de Luis Alberto Warat.

 

Notas e Referências

ARAÓZ, Horacio Machado. Mineração, genealogía do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. Tradução de João Peres. São Paulo: Elefante, 2020.

GRÜNER, EDUARDO. Teoria crítica y CONTRA-MODERNIDAD. El color negro: de cómo una singularidad histórica deviene en dialéctica para “Nuestra América”, y algunas modestas proposiciones finales. In: GUADALUPE GANDARILLA, José. La crítica en el margen: hacia una cartografia conceptual para rediscutir la modernidad. México: Akal, 2016, pp. 19-60.

HORKHEIMER, Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In: BENJAMIN, Walter; HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W.; HABERMAS, Jürgen. Os pensadores: textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975, pp. 125-162.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Compus, 2000.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A desordem do progresso. In: ARAÓZ, Horacio Machado. Mineração, genealogía do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. Tradução de João Peres. São Paulo: Elefante, 2020.

WARAT, Luis Alberto. A la fortune du pot. In: WARAT, Luis Alberto. Epistemologia e Ensino do direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, pp. 105-114.

WOLKMER, Antonio Carlos. Teoría critica del derecho desde América Latina. México: Akal, 2017.

 

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