Teoria geral do crime: Lição 9

20/05/2015

Por Marcelo Pertille - 20/05/2015

Lição 9

Olá, pessoal do Empório do Direito. Espero que sua semana de estudos tenha sido proveitosa. Iremos trabalhar hoje a parte final do nexo causal, tema iniciado na lição oito, quando vimos as regras das teorias da equivalência dos antecedentes causais e da causalidade adequada. Sendo assim, a partir de agora, focaremos esforços na teoria da imputação objetiva.

A teoria da imputação objetiva é fruto da tentativa de se resolver alguns problemas diagnosticados com a aplicação das regras oriundas da equivalência dos antecedentes causais e da causalidade adequada (causalidade natural). Foi adaptada ao Direito Penal ainda na primeira metade do século passado por Honig, pois foi inicialmente desenvolvida como instituto jurídico por Larenz, a partir da filosofia de Hegel. Mas foi com o alemão Claux Roxin, por volta de 1970, que foi desenvolvida como importante teoria destinada a estabelecer limites à responsabilização penal, criando uma causalidade normativa aliada à causalidade física.

COPS/PGE-RR - a teoria da imputação objetiva informa o conceito material ou normativo de tipicidade penal. CORRETO

Como visto na lição passada, a teoria da equivalência das condições permite, na busca pelas condutas que contribuíram para o resultado, um regresso ao infinito, pois, conforme narra o art. 13 do Código Penal, será responsável pelo resultado aquele que lhe der causa. Todavia a teoria finalista, ao importar para o fato típico a análise do dolo e da culpa (elementos subjetivos do tipo) os utiliza como limitadores da responsabilização penal. Melhor dizendo: determina regresso na linha do tempo para que seja possível encontrar as condutas causadoras do resultado, não admitindo continuar quando não for mais possível identificar sobre elas dolo ou culpa.

Ocorre que Roxin, incorporando bases do seu funcionalismo moderado ao estudo da relação de causalidade, tal qual a necessidade de incidência da norma penal diante de casos concretos, entendeu que o estudo do vínculo entre a conduta e o resultado deveria exigir outro limitador. Para tanto estabeleceu que a conduta causadora de determinado evento interessante ao Direito Penal também deveria ser produtora de risco não tolerado e não permitido. Ou seja, aliado ao dolo e à culpa (limitadores que surgiram com a teoria finalista), a teoria da imputação objetiva passou a demandar a criação de risco proibido por parte do agente como pressuposto do reflexo penal.

É de se dizer que Günther Jakobs também desenvolveu estudos relativos à imputação objetiva, mas por ser defensor de uma função do Direito Penal diversa daquela trabalhada por Roxin (lição 2), entendendo que o Direito Penal serve como estabilizador do ordenamento jurídico, não levou em conta para a causalidade o fim da norma, pois considerava essa possibilidade muito imprecisa.

Vale reforçar que ao contrário do que sugere o nome da teoria, a imputação penal não deve ocorrer levando em conta apenas aspectos objetivos (a partir de uma constatação física que ligue a conduta ao resultado), questão que faz alguns doutrinadores defenderem que melhor seria nominá-la como teoria da não imputação objetiva. O nome tal qual posto refere-se à inclusão do risco proibido no tipo objetivo. Assim, não havendo risco proibido o fato deixa de ser típico.

FCC/DPE-SP - Pela teoria da imputação objetiva, o resultado deve ser imputado ao agente de maneira objetiva, isto é, ainda que não tenha ele agido com dolo ou culpa. ERRADO

MPE-MG/Promotor de Justiça - Sobre a moderna teoria da imputação objetiva, elaborada sob a ótica do funcionalismo penal, é correto afirmar que a tipicidade é reformulada, com forte carga axiológica, a partir da ideia central de risco. CORRETO

Logo, é preciso definir de que forma deve apresentar-se o risco nos termos da teoria da imputação objetiva. Antes, fundamental ter em mente que o risco compreende situação que ecoa probabilidade de dano à determinado bem jurídico. Essa ambiência depende de decisões humanas ligadas à gerência de incertezas.

Diante disso, a doutrina coloca como condição da imputação objetiva que o agente, sobre quem já se identificou a causalidade natural, crie ou maximize uma situação de risco, expondo de maneira real o bem jurídico protegido a chance de ser afetado. Importante ressaltar que aquele que age minimizando expectativa de dano não pode ser responsabilizado pelo resultado, pois não fosse sua conduta a lesão seria ainda maior.

MPE-GO/Promotor de Justiça - Em relação à imputação objetiva é correto afirmar que o comportamento e o resultado normativo só podem ser atribuídos ao sujeito quando a conduta criou ao bem (jurídico) um risco juridicamente desaprovado e relevante. CORRETO

 MPM/Promotor de Justiça Militar - Para a teoria da imputação objetiva, a causação de um resultado típico só realizará o tipo objetivo se o agente criar um perigo juridicamente desaprovado, que se consubstancia naquele, ou se aumenta o risco permitido com violação do dever de cuidado relevante. CORRETO

Também como condição está a necessidade de o risco não ser tolerado ou admitido pelo Direito. Deve, então, o risco criado pelo agente ser proibido, pois no universo das situações de risco constata-se que muitos são deliberante aceitos pela sociedade em nome do exercício das vontades inerentes aos estilos de vida. São diversas as situações nas quais estamos diretamente sob riscos, devendo a lei definir quais comportamentos oferecedores de risco devem receber norma proibitiva e quais fazem parte dos conceitos da vida contemporânea.

A doutrina trabalha que dentro da criação do risco tolerado ou permitido deve ser visto o princípio da confiança, o qual estabelece que o agente deve poder confiar que a pessoa que com relaciona-se em determinada situação de risco agirá conforme o direito. Ou seja, mesmo que a conduta seja geradora de risco, este não pode ser tido como proibido quando gerou resultado que apenas se deu em decorrência de outra pessoa não ter agido conforme o direito. O Superior Tribunal de Justiça utilizou essa fundamentação no famoso caso do estudante de medicina, em São Paulo, que morreu afogado em uma piscina durante uma festa no campus da Universidade de São Paulo:

Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando a atipicidade da conduta. (STJ, HC 46.525-MT, Quinta Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 20.03.06)

CESPE/Juiz-TO - Geraldo, na festa de comemoração de recém-ingressos na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Tocantins, foi jogado, por membros da Comissão de Formatura, na piscina do clube em que ocorria a festa, junto com vários outros calouros. No entanto, como havia ingerido substâncias psicotrópicas, Geraldo se afogou e faleceu. De acordo com a teoria da imputação objetiva, vigora o princípio da confiança, o que não ocorreu no caso em apreço, pois a vítima se afogou em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se, assim, de forma contrária aos padrões esperados e, desse modo, afastando a responsabilidade dos membros da comissão de formatura. CORRETO

Além do risco proibido ser criado pelo agente, há necessidade de que seja implementado no resultado. É indispensável que o risco proibido possa ser ligado ao dano da forma como este se operou, permitindo reconhecer vínculo causal entre a conduta produtora do risco e a maneira como o resultado foi obtido. A análise penal deve poder perceber que o resultado como consequência direta do risco.

PUC-PR/TJ-PR - No que se refere à imputação objetiva, para fugir dos dogmas causais, pode-se dizer que Claus Roxin, fundamentando-se no chamado princípio do risco, cria uma teoria geral da imputação, para os crimes de resultado, com quatro vertentes que impedirão sua imputação objetiva, quais sejam, a diminuição do risco; a criação de um risco juridicamente relevante; aumento do risco permitido; esfera de imputação da norma como critério de imputação. CORRETO

Importante repisar que para a teoria da imputação objetiva as lesões aos bens jurídicos decorrentes de condutas desempenhadas em situações de risco tolerado ou regulado afastam o fato típico, enquanto em alguns casos, para a teoria finalista, haverá discussão no âmbito das causas excludentes de ilicitude. Exemplo são as lesões decorrentes de práticas esportivas, que alguns defendem caber no âmbito do exercício regular de um direito, sustentando ser típico o fato, mas não antijurídico.

E terminamos por hoje. Na semana que vem trabalharemos tipicidade, último elemento do fato típico.

Grande abraço e bons estudos.


Sem título-9

Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     


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