Teoria geral do crime: Lição 11

03/06/2015

Por Marcelo Pertille - 03/06/2015

Lição 11

Olá, Empório do Direito! Iniciamos mais uma lição de Teoria do Crime e a partir desta semana teremos como objetivo o estudo da ilicitude. Lembre-se de que estamos avançando no mapa teórico do conceito analítico de crime e que, para tanto, já passamos pelo fato típico, quando foram vistos os elementos conduta, resultado, nexo causal e tipicidade.

Ilicitude

A ilicitude (também denominada por muitos como antijuridicidade) ocupa, sempre importante enfatizar, o segundo posto no mapa teórico tendente a investigar determinado evento como crime. Isso significa dizer que sua análise pressupõe que o fato típico já tenha sido pesquisado, o que observador a apurar se a conduta típica é também ilícita. Mas, caso o fato típico, por conta de alguma de suas causas de exclusão, não tenha se confirmado, sequer será necessário avançar até a ilicitude.

Há quem justifique que a ilicitude pode ter contornos formal e material. Sob o aspecto formal pode ser definida como a contrariedade do fato típico ao ordenamento jurídico. Materialmente vista exige que a conduta típica mostre-se capaz de lesionar o núcleo legal protegido. Não obstante, conforme defende majoritariamente a doutrina, prepondera o conceito formal, eis que o viés material, como já visto, é melhor trabalhado como fundamento de atipicidade.

Também faz parte do entendimento da doutrina majoritária a convicção de que a análise da ilicitude não deve levar em consideração o seu caráter subjetivo, aquele ligado às pessoas tidas por inimputáveis, eis que tal questão, conforme a teoria tripartite finalista da ação, é abordada quando do estudo da culpabilidade. Por isso, foca-se atenção na ilicitude vista de modo objetivo, quando é suficiente para a sua constatação que haja contrariedade do fato típico com as disposições legais, sem que seja necessário dedicar atenção à capacidade do agente da conduta.

Alguns doutrinadores também classificam a ilicitude em genérica e específica. Genérica como sendo aquela que se encontra fora do tipo penal trabalhado, pois a redação típica apenas prevê determinada conduta sem mencionar o caráter antinormativo que, todavia, deve ser interpretado pelo aplicador da lei. Na ilicitude específica o tipo narra o modo pelo qual a conduta afronta o ordenamento. Exemplo dessa última espécie é o uso da expressão “indevidamente”, que é empregada nos crimes de violação de correspondência, falsificação de selo ou sinal público e fraude em certame de interesse público, dentre outros. Nestes, não sendo demonstrada a situação “indevida”, haverá exclusão de tipicidade, já que a ilicitude está posta enquanto elemento objetivo dos tipos, especificamente prevista.

De toda forma, o ponto nodal para a compreensão da licitude está no fato de que a avaliação deste substrato, ao contrário do fato típico, não é feita a partir de seus elementos. É preciso ter em mente que uma das funções da tipicidade em nosso ordenamento é indicar a alta probabilidade da conduta averiguada ser também ilícita. Trabalha-se, assim, com a teoria da indiciariedade (ou a ratio cognoscendi), que permite presumir a ilicitude como sintoma da existência do fato típico.

MPE-MA/Promotor de Justiça - Algumas teorias procuram definir a relação entre a tipicidade e ilicitude. Uma delas poderia ser resumida na frase: “A tipicidade é a ratio cognoscendi da ilicitude”. CORRETO

MPE-BA/ Promotor de Justiça - No tocante à relação entre a tipicidade e a ilicitude, a teoria da indiciariedade defende que a tipicidade não guarda qualquer relação com a ilicitude, devendo, inicialmente, ser comprovado o fato típico, para, posteriormente, ser demonstrada a ilicitude (...). ERRADO

Por isso, para que o estudo da ilicitude ganhe espaço é fundamental ater-se às causas que excepcionalmente promovem a exclusão da ilicitude do fato típico. Em síntese: se o fato típico indica a ilicitude como regra (presunção relativa), deve o investigador analisar, diante do caso concreto, eventual causa extraordinária que justifique a conduta, tornando-a lícita. Por essa razão parte da doutrina refere-se a essas situações como justificantes.

As causas excludentes da ilicitude (nomenclatura mais utilizada) podem ser encontradas na parte geral do Código Penal (causas gerais), assim como na Parte Especial (causas especiais) e até mesmo na legislação extraordinária (também tidas como especiais ou específicas). Há também as chamadas causas supralegais, não previstas de maneira expressa, mas deduzidas a partir do caso concreto.

São gerais o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito, todas elencadas no art. 23 do Código Penal. As especiais são encontradas no art. 128, que trata do aborto; no art. 142, referente à injúria e difamação; no crime de constrangimento ilegal (art. 146, §3º, I, do CP); na violação de domicílio (art. 150, §3º, I e II, do CP) e no furto de coisa comum (art. 156, §2º, do CP). As causas excludentes fora do Código Penal estão na Lei 6.538/78 (art. 10), no art. 1.210, §1º, do Código Civil, e na Lei 9.605 (art. 37, I).

FGV/TCM-RJ - São consideradas causas legais de exclusão da ilicitude: estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal. CORRETO

O reconhecimento das causas supralegais é fruto da certeza que a ciência jurídica alcançou no sentido de que a positivação de determinadas situações não pode esgotar o alcance da norma frente as inúmeras situações fáticas possíveis. É certo que o Direito Penal é pautado pelo princípio da tipicidade (reserva legal mais anterioridade), mas tendo em vista que o reconhecimento de causa excludente de ilicitude supralegal apenas apresenta-se como mais um limitador do poder punitivo (marco interpretativo do Direito Penal moderno), não se pode falar em qualquer ofensa que iniba sua aceitação.

FCC/TCE-SP – O princípio constitucional da legalidade em matéria penal impede que se afaste o caráter criminoso do fato em razão de causa supralegal de exclusão da ilicitude. ERRADO

Para aqueles que relativizam o caráter formal da ilicitude e concordam com a existência de causas supralegais, o consentimento do ofendido é tido como a situação mais expressiva. É baseado na anuência do titular do bem jurídico quanto à agressão perpetrada, o que excluiria a necessidade de reprovação penal. Todavia, muitos doutrinadores defendem essa possibilidade apenas quanto aos chamados bens jurídicos disponíveis, aqueles cujo interesse não é coletivo.

Tida como fruto da teoria da ponderação dos valores, que determina que o reflexo penal deve ser proporcional ao ataque e ao prejuízo mensurado pelo detentor do bem agredido, o consentimento do ofendido pode ser reconhecido nas lesões decorrentes de  práticas esportivas e até mesmo previsto em lei. Quanto a essa ultima hipótese serve de exemplo a Lei que regulamenta os transplantes, que prevê a possibilidade da doação de órgãos em vida, em clara exclusão da ilicitude da lesão perpetrada, embora típica a conduta.

É importante asseverar que o próprio tipo não pode prever o não consentimento como elemento objetivo. Caso isso ocorra, a anuência passa a provocar a exclusão da tipicidade. Outro requisito é a capacidade que deve ter o ofendido para consentir a agressão, assim como esse consentimento deve ser expresso, anterior ao fato ou exarado durante a execução da conduta, mas revogável a qualquer tempo.

MPE-BA/ Promotor de Justiça - O consentimento do ofendido só é admitido em caso de bem jurídico disponível e capacidade do ofendido para consentir. CORRETO 

MPE-GO/Promotor de Justiça - Sobre o consentimento do ofendido, é correto dizer que na doutrina nacional prospera o entendimento de que o consentimento do ofendido pode excluir a tipicidade do fato ou a ilicitude. CORRETO

MPE-MG/Promotor de Justiça - Considerando as funções que o consentimento do ofendido desempenha na área penal: Elemento essencial do tipo, Causa de exclusão da tipicidade, Causa de exclusão da ilicitude. CORRETO 

Feita a introdução do tema ilicitude, na semana que vem começaremos a trabalhar as causas gerais de exclusão.

Grande abraço e bons estudos!


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Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     


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