Coordenador Fernando Cota
O objetivo do presente trabalho é analisar o uso de provas obtidas de maneira ilícita dentro Direito do Processo Civil, mas para tanto, antes é necessário passarmos por um breve estudo dessa teoria dentro do Processo Penal. Desse modo, passaremos também pela diferenciação feita por parte da doutrina entre provas ilícitas e ilegítimas. Estudaremos o conceito de provas atingindo a garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita. Por fim, e por questões de conveniência, chegaremos ao Princípio da Proporcionalidade, enaltecendo o uso ou não de provas mediante a produção de prova ilícita por derivação, que se desenvolve na Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada.
A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (em inglês, “fruits of the poisonous tree”) é vista como metáfora legal a qual faz comunicar o vício da ilicitude de provas que venham a ser obtidas por meio de violação das regras de Direito Material em relação a todas as demais provas fundadas a partir daquela. Sendo assim, tais provas são vistas como ilícitas por derivação. Nesse caso, podemos analisar o exemplo que ocorre na obtenção do local no qual se encontra o objeto do crime que foi informado por uma confissão do suspeito, mas sendo conquistada a base de tortura ou até mesmo por realização de escutas telefônicas na qual não existia a autorização judicial, ocorrendo as gravações de modo ilegais.
Dessa forma, e com intuito de verificar a aplicação, a abrangência e eficácia da mencionada teoria, sob a ótica dos casos em que estão envolvidos os casos de provas ilícitas, serão analisados os Habeas Corpus de nº 69.912 do Rio Grande do Sul e o de nº 74.116-9 do Estado de São Paulo.
1. Da Prova:
Regulamentada em nossa Constituição Federal, a prova é firmada como Direito Fundamental garantido constitucionalmente. A relevância da prova é imensa, pois é a partir dela que as partes buscam meios de utilização para estabelecer uma verdade mediante verificação ou demonstração na esfera processual, sendo assim, de maneira imprescindível para a reconstrução dos fatos, no qual acarretará a possibilidade da formação da convicção do juiz.
Para Candido Rangel Dinamarco:
Em uma primeira acepção, prova é um conjunto de atividades de verificação e demonstração realizadas com o objetivo de apurar a verdade quando as questões de fato relevantes ao julgamento. (2016, p.181)
O momento da apresentação das provas é para muitos o mais importante de todo o processo e, visando cumprir aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, se torna algo imprescindível assegurar às partes o Direito para apontar conteúdo que prove sua verdade, com o objetivo de dar procedência a uma acusação ou a uma defesa, pois será com essa base que o juiz tomará sua decisão final ao sentenciar.
Para MARINONI e ARENHART:
“Documento é toda coisa capaz de representar um fato. Pode constituir prova documental se for apta a indicar diretamente este fato ou prova documental, [...]" (2011, p. 554)
Neste sentido, se torna o objetivo da prova tudo aquilo que possa ser utilizado pelo juiz, pois é neste momento que ele passa a adquirir todo o conhecimento necessário para eliminar tal conflito. Para alguns juristas, essa atividade probatória é descrita como o momento crucial, central do processo, pois é ligada a exposição e indicação do alegado, o qual passa a visar o oferecimento da suposta verdade ao julgador da questão, gerando assim, a importância fundamental para sua convicção.
Assim nos esclarece Marcus Vinicius Rios Gonçalves:
A solução mais justa do processo, objeto de busca incessante pelo magistrado, exige que ele deixe essa posição passiva e passe a interferir diretamente na produção da prova. A busca deve ser sempre a da verdade real, mesmo que o processo verse exclusivamente sobre interesse disponível. Mesmo aí, há sempre um interesse indisponível de que o juiz não deve abrir mão: que o processo tenha a solução mais justa possível. (2020, p. 46)
Contudo, não podemos esquecer que há certos limites para o exercício desse direito de prova, mesmo que a regra seja a liberdade probatória, pois os direitos garantidos aos homens não podem ser entendidos de modo absoluto. Essa afirmação se baseia no fato de que não existe nenhum direito absoluto, nem mesmo os Direitos Fundamentais são vistos como tal, desse modo, podem pender, quando houver um combate com outro Direito Fundamental de maior peso e isso dependerá da análise do caso em questão.
2. Diferença das Provas ilícita, ilegítima e ilegal:
Não se pode confundir as provas ilícitas com provas ilegais e as ilegítimas. A prova ilícita, será toda aquela que for alcançada por meio de mecanismos que vão de encontro às normas dos Direitos Fundamentais, violando uma regra material. Em contrapartida, as provas ilegítimas, por sua vez, infringem às normas de Direito Processual e tal violação ocorre no exato momento em que são introduzidas no processo.
A diferença entre essas provas será melhor explicada através das palavras do consagrado Doutrinador Alexandre de Moraes:
As provas ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito material, as provas ilegítimas são as obtidas com desrespeito ao direito processual. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas ilícitas e as ilegítimas, pois configuram-se pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico. (2013, p.115)
As denominadas provas ilícitas, ou também conhecidas por provas obtidas por meio de ilícitos, estão classificadas como provas vedadas dentro de nosso ordenamento jurídico, sendo aquelas adquiridas por meios de infração de normas ou contrárias aos princípios de Direito Material.
Ademais, entende-se que as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo, assim ocorre também com a inadmissão de provas que derivam de conquistas por meios ilícitos, pois elas estarão contaminadas pelo vício da ilicitude, sendo conhecido como a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada.
Há ainda os apontamentos de Alexandre de Moraes, os quais citam uma jurisprudência do Superior Tribunal Federal:
“À regra deve ser a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, que excepcionalmente deverão ser admitidas em juízo, em respeito às liberdades públicas e ao princípio da dignidade da pessoa humana na colheita de provas e na própria persecução penal do Estado” (2013, p. 116)
De acordo com o doutrinador acima mencionado, fica evidente que a aceitação de provas ilícitas dentro de nosso ordenamento jurídico brasileiro vai de encontro a alguns dos princípios mais importantes declarados na Constituição Federal de 1988, sendo considerado um desrespeito a nossa Lei Suprema qualquer aceitação a este ato ilegal. A inaceitabilidade das provas adquiridas através de atos ilegais, deve ser garantida, sendo declarada como preceito definido na Constituição Federal vigente.
Todavia, a mesma Lei Suprema, garante o direito à defesa e à presunção de inocência, desse modo, alguns princípios constitucionais podem ser flexibilizados a depender do caso concreto.
3. Prova ilícita no Direito Brasileiro
O artigo 5º, LVI, da Constituição da Federal de 1988, disserta sobre a inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente. Esse assunto também é disciplinado em nosso Código de Processo Penal no art. 157, que foi alterado após a redação dada, com a edição da Lei nº 11.690. Ambos preveem a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, devendo ser desentranhadas do processo as provas que possam ser entendidas como ilícitas.
LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
No Brasil, foi usada como base a doutrina e a jurisprudência americana. Nesse caso, é valido o seguinte questionamento: “Seria absoluto o entendimento que desconsidera as provas obtidas de forma ilícita assim como as que dela podem ser derivadas de provas obtidas ilicitamente?”.
Vale ressaltar que nas hipóteses de que tais provas possam contribuir com a defesa do réu, as mesmas poderão ser utilizadas conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, aplica-se o princípio do “in dúbio pro reo”, que é uma expressão latina, a qual significa em sua literalidade que no caso de dúvida, penderá a favor do réu. O princípio está ligado a outro princípio que é o da presunção da inocência. Portanto, em casos que possam ocorrer dúvidas, o réu será favorecido.
Assim, apesar do que é expresso no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal vem admitindo tais provas ilícitas no princípio do “in dúbio pro reo” (a favor do réu), sendo esse tipo de prova admitido sempre que invocar defesa indispensável ao acusado, não podendo produzir elementos incriminadores.
O Código de Processo Civil, por sua vez, estabelece como regra que as partes contam com o direito de colocar em jogo todos os meios de provas legais, assim como os moralmente legítimos, ainda que não determinado dentro do Código de Processo Civil, para que assim, possa provar a verdade de seus fatos e influenciar no convencimento do juiz.
Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
Ainda para SCARPINELLA (2017, p 369), os meios “moralmente legítimos’’ referidos também remontam ao precitado dispositivo constitucional, que veda o uso de provas ilícitas ou obtidas de modo ilícito.
Todavia, a inadmissibilidade de provas ilícitas ou ilícitas por derivação no âmbito do Processo Civil, merece um maior desdobramento, pois embora exista uma enorme controvérsia entre a doutrina a respeito do tema, há posição consolidada pelo Superior Tribunal Federal. Essa Corte, entende que as provas adquiridas por meios ilícitos e as provas que delas possam derivar, não podem ser admitidas no processo, com exceção nas razões de legítima defesa.
Desse modo, a Teoria do Fruto da Árvore Envenenada foi acolhida, ou seja, quando for verificada a ilicitude em uma prova, implicará que as provas que derivam dela também estarão contaminadas com a ilicitude da primeira prova.
Contudo, aqui também contaremos com caso de excepcionalidade, que teve início no Direito Alemão, com o uso da Teoria da Proporcionalidade, a qual autoriza o uso de provas ilícitas, mas ficou estabelecido que essa utilização ocorreria do seguinte modo: quando os bens jurídicos que se procura tutelar são mais importantes do que aqueles que se quer preservar com a vedação. Desse modo, podemos enfatizar que o uso da prova ilícita é utilizado para a legítima defesa, própria ou até mesmo de terceiros.
Nesta perspectiva, vejamos o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, neste Acórdão:
PROVA ILÍCITA. INTERCEPTAÇÃO ESCUTA E GRAVAÇÃO, TELEFÔNICAS E AMBIENTAIS. PRINCÍPIO DA PROPORCIONA LIDADE. ENCOBRIMENTO DA PRÓPRIA TORPEZA. COMPRA E VENDA COM DAÇÃO EM PAGAMENTO. VERDADE PROCESSUALIZADA. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 1 - PROVA ILÍCITA É A QUE VIOLA NORMAS DE DIREITO MATERIAL OU OS DIREITOS FUNDAMENTAIS, VERIFICÁVEL NO MOMENTO DE SUA OBTENÇÃO. PROVA ILEGÍTIMA É A QUE VIOLA AS NORMAS INSTRUMENTAIS, VERIFICÁVEL NO MOMENTO DE SUA PROCESSUALIZAÇÃO. ENQUANTO A ILEGALIDADE ADVINDA DA ILEGITIMIDADE PRODUZ A NULIDADE DO ATO E A INEFICÁCIA DA DECISÃO, A ILICITUDE COMPORTA UM IMPORTANTE DISSÍDIO
ACERCA DE SUA ADMISSIBILIDADE OU NÃO, O QUE VAI DESDE A SUA INADMISSIBILIDADE, PASSANDO DA ADMISSIBILIDADE À UTILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 5 - APELO DESPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL N.º 70004590683, TJRS, 2ª CÂMARA ESPECIAL CÍVEL, REL. DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI, DATA DO JULGAMENTO 09.12.2002, NEGADO PROVIMENTO, UNÂNIME).
Neste sentido, no julgamento da Apelação Cível nº 70004590683, do Excelentíssimo Desembargador Nereu José Giacomolli, da Colenda 2ª Câmara Especial Civil, foi empregado o Princípio da Proporcionalidade. Esse, admitiu como prova a gravação de uma conversa realizada por uma das partes, porém não houve consentimento da outra parte, mas foi levado em consideração por ser o único meio com o qual o autor poderia comprovar o descumprimento contratual e a má fé realizada pelo réu. Verifica-se, portanto, a estrita relação com a observação de alguns Direitos Fundamentais previstos no texto constitucional de extrema relevância para a segurança jurídica, assim como do domilício, sigilo das comunicações, da intimidade e até mesmo da integridade da pessoa humana.
Nota-se assim, como é imprescindível a análise do caso concreto, pois certamente não se pode encobrir um ilícito através do manto Constitucional.
Desse modo, se faz presente o Princípio Constitucional da Proporcionalidade, que se revelou no presente estudo como ferramenta indispenável aos nobres julgadores que se deparam com a problemática da admissão da prova ilícita, visto que este Princípio permite o convencimento ao operador do direito.
4. Análise dos Habeas Corpus:
4.1- Julgamento no Supremo Tribunal Federal que causou repercussão no meio jurídico, HC 69912- do Rio Grande do Sul – de 16/12/1993.
Houve duas decisões desse Habeas Corpus, no qual a primeira ementa foi em 30/06/1993.
"DEGRAVAÇÃO" DE ESCUTAS TELEFONICAS. C.F, ART. 5, XII. LEI N. 4.117, DE 1962, ART. 57, II, "E", "HABEAS CORPUS": EXAME DA PROVA.
- - O SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFONICAS PODERA SER QUEBRADO, POR ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA QUE A LEI ESTABELECER PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL OU INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL (C.F, ART. 5., XII). INEXISTÊNCIA DA LEI QUE TORNARA VIAVEL A QUEBRA DO SIGILO, DADO QUE O INCISO XII DO ART. 5. NÃO RECEPCIONOU O ART. 57, II, "E", DA LEI 4.117, DE 1962, A DIZER QUE NÃO CONSTITUI VIOLAÇÃO DE
TELECOMUNICAÇÃO O CONHECIMENTO DADO AO JUIZ COMPETENTE, MEDIANTE REQUISIÇÃO OU INTIMAÇÃO DESTE. E QUE A CONSTITUIÇÃO, NO INCISO XII DO ART. 5., SUBORDINA A RESSALVA A UMA ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA ESTABELECIDA EM LEI. II. - NO CASO, A SENTENÇA OU O ACÓRDÃO IMPUGNADO NÃO SE BASEIA APENAS NA "DEGRAVAÇÃO" DAS ESCUTAS TELEFONICAS, NÃO SENDO POSSIVEL, EM SEDE DE "HABEAS CORPUS", DESCER AO EXAME DA PROVA. III. - H.C. INDEFERIDO. (HC 69912, Relator (a): Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator (a) p/ Acórdão: Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/1993, DJ 26-11-1993 PP-25532 EMENT VOL-01727-02 PP- 00321)
O mencionado julgamento, precisou ser adiado a pedido de vista dos autos, requerido pelo Ministro Ilmar Galvão, após os votos dos Ministros Relator e Francisco Rezek, deferindo o pedido de Habeas Corpus para anular o processo a partir da prisão em flagrante.
Estavam ausentes, mas de maneira justificada, os Ministros Moreira Alves e Paula Brossard, Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Na decisão por maioria de votos, o Tribunal deferiu o pedido de Habeas Corpus, para que assim fosse anulado o processo a partir da prisão em flagrante, e assim se deu a primeira decisão.
A segunda ementa foi na data de 16/12/1993:
Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, ‘nas hipóteses e na forma’ por ela estabelecida, possa o juiz, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS 21.750, 24.11.93, Velloso); consequente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente. (HC nº 69912-0/RS, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D. J. 25.03.94, deferido, por maioria)
A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, provocou divergência entre os Ministros, tendo prevalencido, assim, por maioria, a incidência da referida doutrina.
O Ministro Sepúlveda Pertence foi o relator do Habeas Corpus nº 69.912- 0/RS, e votou de modo favorável ao deferimento do HC: o caso demanda a aplicação da doutrina que a melhor jurisprudência americana constituiu sob a denominação de princípios dos fruits of the poisonous tree; é que às provas diversas do próprio conteúdo das conversações telefônicas, interceptadas, só se pode chegar, segundo a própria lógica da sentença, em razão do conhecimento delas, isto é, em consequência da interceptação ilícita de telefonemas (...) ele diz que ficou convencido de que essa doutrina da invalidade probatória do fruit of the poisonous tree é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita (...) De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria ‘degravação’ das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela contidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas.
Dessa forma, tais provas diversas do próprio conteúdo das conversas telefônicas interceptadas só foram de conhecimento de todos, justamente pelos efeitos da interceptação realizada de modo ilícito. Aduz ainda em seu fundamento partindo da Doutrina da Invalidade Probatória do ''fruit of the poisonous tree'' que é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidde da prova ilícita.
Assim, essa definição foi tomada pelo Plenário do Superior Tribunal Federal, que inverteu a antiga maioria de votos que constava ser de 6x5 e reconheceu, em relação as provas que sejam derivadas de provas ilícitas, a Teoria do Fruto da Árvore Envenenada, pela comunicabilidade da ilicitude das provas ilícitas a todas que dela possam ser derivadas.
Ao permitir que as informações contidas na gravação sejam aproveitadas pela autoridade, que agiu de modo ilícito para angariar as demais provas, possibilitou chegar às demais informaçãoes, o que não seria possível sem essa admissão. Isso, sem dúvida, possibilitou dar incentivo e não impedir essa atividade ilícita de escuta e gravação não autorizada mediante uma ordem judicial, assim como manda a lei, em relação às conversas privadas.
O Supremo Tribunal Federal, em sede de Habeas Corpus, aduz que o entendimento deve ocorrer em uma compatibilização entre a ampla liberdade que o Juiz possui para apreciar a prova e a limitação ensejada pela Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada.
Posteriormente, a análise da polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal, cabe acompanhar outros julgados da mesma Corte, tendo utilizado o HC nº 69.912- 0/RS como precedente:
PROVA ILÍCITA – ESCUTA TELEFÔNICA –PRECEITO CONSTITUCIONAL
– REGULAMENTAÇÃO. Não é autoaplicável o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. E surge ilícita a prova produzida em período anterior à regulamentação do dispositivo constitucional.
PROVA ILÍCITA – CONTAMINAÇÃO. Decorrendo as demais provas do que é levantado via prova ilícita, tem-se a contaminação daquelas, motivo pelo qual não subsistem. Precedente: habeas-corpus nº 69.912/RS, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence perante o Pleno, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 25 de março de 1994. (HC nº 73.510-0/SP, STF, 2ª T, Rel. Min. Marco Aurélio, D. J. 12.12.97, deferido, por maioria).
HABEAS CORPUS. ACUSAÇÃO VAZADA EM FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE OPERAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA. ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FRUITS OF THE POISONOUS TREE.
Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica, à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la, contamina os demais elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. (HC nº 73.351-4/SP, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, D. J. 19.03.99, deferido, por maioria).
Portanto, o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, fundamentado nas decisões apresentadas anteriormente, esclarece que as chamadas provas ilícitas por derivação não podem ser aceitas, em avença com a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. Sendo também para efeito de prevenção do que está estabelecido em nossa Constituição Federal no artigo 5º, LVI, no qual afirma que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, sendo independente de qual ramo do Direito esteja sendo tratado.
4.2-Julgamento no Supremo Tribunal Federal, HC, 74116-9 de São Paulo, de 05/11/1996.
O Ministro Néri da Silveira, que foi o relator desse Habeas Corpus, votou por seu indeferimento, o que, em casos parecidos, essa mesma ideia já estava sendo aplicada. Contudo, neste caso em particular, entendeu-se que a base das provas fundamentais foi conquistada por meio diverso da escuta telefônica. À vista disso, considerou ser melhor que não houvesse a anulação do processo, pois em seu entendimento, não foi pela escuta telefônica que se deu o resultado final. Sua decisão foi acompanhada pelo Ministro Carlos Veloso, o qual esclareceu a importância de vivermos em um Estado Democrático de Direito, sendo assim, não podendo fugir de uma ideia lógica dentro do Direito e da razoabilidade.
Por outro lado, os Ministros Maurício Corrêa e Marco Aurélio votaram no mesmo entendimento ao decidirem pela adoção da Teoria do Fruto da Árvore Envenenada, e em consequência pela anulação do processo ao justificarem que até mesmo o relatório policial somente se deu pelo motivo da escuta telefônica ter sido considerada.
Desta feita, por ter ocorrido empate dos votos ao Habeas Corpus, decidiu-se pelo deferimento passando a serem votos vencidos do relator e o Ministro Carlos Velloso, sendo assim, anula-se o processo desde seu início até mesmo a denúncia.
Ressalta-se que no ano de 1996, o legislador infraconstitucional publicou a lei nº 9.296, a chamada lei das interceptações telefônicas, para regulamentar a parte final do referido inciso XXI da Constituição Federal. Tal lei não só dispõe sobre a quebra de sigilo e interceptação telefônica, mas também esclarece de sua admissão, bem como sua maneira de ser realizada, além disso, traz em seu bojo dispositivos de punição para aqueles que os violarem.
Porém, alguns juristas defendem a inviolabilidade absoluta, no tocante ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, sendo assim, somente é admitida essa quebra ao se tratar de comunicações telefônicas, a partir da entrada em vigor da referida lei.
Dessa maneira, conclui-se que a posição do Supremo Tribunal Federal, com base nas decisões acima trazidas, esclarece que as provas ilícitas por derivação não devem ser aceitas, em consonância com a Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada e pelo efeito preventivo do disposto no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal Brasileira.
5. Conclusão:
Com o processo sendo instituto legal, o que nos permite o acesso à justiça, quando se há litígio ou não entre as partes, busca-se o objetivo de solucionar as lides, mas quase sempre para a solução dessas lides, são obtidas provas, o que em nosso ordenamento jurídico está conceituada como o meio pelo qual os litigantes buscam tornarem verdadeiras suas alegações.
Consequentemente, ao decorrer do processo para provar a licitude dos fatos citados, o que é também um processo titulado como um Direito Fundamental, decorrentes do princípio do contraditório e da ampla defesa, assim sendo, é necessário que sejam dispostos meios para que se possa alegar a conduta como lícita e verdadeira, mas em certos casos tais provas são obtidas por meios ilícitos.
Ao longo da elaboração deste trabalho, foi analisada a Teoria do Fruto da Árvore Enevenenada, com um maior foco na discussão sobre a possibilidade, ou não, de se admitir as provas ilícitas no ramo do Direito Processo Civil, entendendo que, tal realização se dá por meio de uma analogia entre as provas obtidas com o vício da ilicitude e a violação do direito material, e assim corrompendo todas as demais provas que decorreram dela desse modo, o que advém da prova ilícita também será ilícito e tende a ser removido do processo.
Existem garantias constitucionais que estabelecem a proibição das chamadas provas ilícitas, porém o Princípio da Proporcionalidade estabelece sua permissão em casos isolados para garantir a valoração da relevância do bem jurídico que esteja sendo tutelado.
Porém, a sua utilização se dá por intermédio do Princípio da Ponderação, o qual busca equacionar as colisões entre princípios, busacando dar a menor restriçã
possível aos direitos envolvidos, na busca da medida mais correta, desse jeito somente será aceito a prova que for obtida ou formada ilicitamente, quando não exista de forma estabelecida ou apresentada outra prova a ser levada a juízo.
Para tanto, foram analisados também dois Habeas Corpus, verificando-se que a melhor opção, hodiernamente, é a liberdade probatória, cujo limite está estabelecido em outros valores igualmente protegidos pelo texto constitucional, assim, considerando a necessidade de se harmonizar e até mesmo compatibilizar direitos aparentemente colidentes. Portanto, torna-se imprescindível a utilização do Princípio da Proporcionalidade, como mecanismo de ponderação dos valores, a fim de se pacificar tal discussão. Por conseguinte, foi possível verificar, que o uso de maneira incondicionado de qualquer teoria extremada pode redundar em absoluta e inadmissível injustiça.
Dessa maneira, o Código de Processo Civil, demonstra que buscou silenciar- se no que diz respeito à excepcionalidade de admissão das provas ilícitas dentro do Processo Civil, uma vez que, deverá ser observado o Princípio da Proporcionalidade, bem como o entendimento jurisprudêncial e doutrinário sobre a questão. Assim, podemos concluir que apesar desse silêncio no campo processual civil, prevalece o entendimento do Superior Tribunal Federal de que a prova obtida por meios ilícitos e as que dela possam derivadar não podem ser admitidas no processo, salvo nas hipóteses de legítima defesa. Constata-se, portanto, que a corte máxima de nosso país adota a Teoria do Fruto da Árvore Envenenada.
Notas e Referências
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DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Novo Código de Processo Civil, 2016. Página 181
GONCALVES, Marcos Vinicius Rios, Curso de Direito Processual Civil, 2020, Ed.17, Saraiva. Página 46
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2º Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Página 554
MORAES, Alexandre, Direito Constitucional, 2013 Ed. 29, Atlas. Página 115 MORAES, Alexandre, Direito Constitucional, 2013 Ed. 29, Atlas. Página 116
SCARPINELLA, Cassio Bueno. Manual de Direito Processual civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva 2017. Página 369.
https://jus.com.br/artigos/29149/a-aplicacao-da-teoria-dos-frutos-da-arvore- envenenada-no- processocivil#:~:text=A%20Teoria%20da%20Contamina%C3%A7%C3%A3o%20da, uma%20ponte%20com%20%C3%A0quela%2C%20sendo, acessado em 03/07/2020
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015\2018/2015/lei/l13105.htm#:~:text=Todo s%20os%20julgamentos%20dos%20%C3%B3rg%C3%A3os,Art. acessado em 03/07/2020
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https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5634/Os-principios-da-razoabilidade-e- da-proporcionalidade acessado em 06/07/2020
http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38573/a-relatividade-dos-direito- fundamentais-e-os-limites-a-sua-relativizao acessado em 06/07/2020
http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33957/aspectos-juridicos-do- principio-da-inviolabilidade-do-sigilo-das-comunicacoes-alcand acessado em 06/07/2020
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