Técnica de julgamento e extinção dos embargos infringentes

16/02/2018

Coordenador Gilberto Bruschi

1. Introdução

Dentre as inovações contidas no Código de Processo Civil de 2015 está a denominada técnica da ampliação da colegialidade, também denominada de julgamento continuado, prevista no art. 942 do Código. De acordo com esse dispositivo, em certos casos de divergência nos Tribunais de segunda instância, novos desembargadores serão convocados para compor a turma julgadora.

Essa técnica, embora guarde certa relação de correspondência com os embargos infringentes previstos nos arts. 530 a 534 do Código de Processo Civil de 1973, com eles não se confunde. Por isso, o objetivo desse ensaio é analisar a técnica do art. 942 unicamente à luz das normas que compõem e informam o Código de Processo Civil de 2015. É um equívoco procurar interpretar a ampliação da colegialidade a partir da disciplina que informava os antigos (e extintos) embargos infringentes, porque com isso se corre o risco de desconsiderar a intenção do legislador ao estatuir essa nova técnica.

2. Técnica de julgamento e não novo recurso

A primeira evidente distinção entre os embargos infringentes e a técnica da ampliação da colegialidade reside na natureza jurídica de cada um desses institutos. Enquanto os primeiros consistiam em uma espécie do gênero recurso sob a ótica do Código de Processo Civil de 1973 (art. 496, inc. III), a técnica contida no art. 942 do Código de Processo Civil de 2015 nada mais é que uma norma de atribuição de competência para que novos julgadores passem a compor um órgão colegiado quando este manifestar uma divergência.

Assim, se sob o regime do Código anterior novo exame da divergência judicial dependia de anterior manifestação de vontade da parte, no Código de 2015, previamente, determina-se para os casos não unânimes a necessidade de que novos julgadores passem a integrar o colegiado. Essa modificação revela acima de tudo uma nova perspectiva a respeito do modo de lidar com os desacordos entre os membros de um Tribunal.

Atribuir às partes o ônus de provocar novo exame a respeito de questão não unânime, como ocorria até então, significava indicar que só a elas interessava a realização de um novo julgamento sobre essa questão. No silêncio das partes, portanto, os desacordos judiciais permaneceriam indiscutíveis. Essa opção, no entanto, não se coaduna com a natureza argumentativa do direito e a busca pela segurança jurídica, verdadeira coluna de sustentação do Código de Processo Civil de 2015.

A existência de um dissenso entre três julgadores a respeito de uma determinada questão aponta a necessidade de um debate mais amplo. Explica-se: embora não seja necessária a busca por uma unanimidade a qualquer custo, é preciso ter em mente que toda decisão judicial deve ser justificada à luz dos melhores argumentos disponíveis, o que, por certo, tende a ocorrer com maior probabilidade quando novos julgadores passam a deliberar sobre a questão objeto de divergência.

Como se sabe, uma decisão jurídica delimita as expectativas entorno da aplicação de uma determinada norma e quando justificada com base em argumentos universalizáveis é capaz de se tornar paradigma para casos futuros. No entanto, em casos de divergência, a redução dessas expectativas ocorre apenas parcialmente ou de modo incompleto. Por isso, é também do interesse da jurisdição a continuidade do julgamento em que se manifesta a divergência com a participação de novos julgadores.

Nesse sentido, a técnica da ampliação da colegialidade não apenas permite um maior aprofundamento a respeito da questão divergente como também o faz de um modo mais célere em comparação à antiga sistemática dos embargos infringentes. Com a nova disciplina, há, portanto, um inegável ganho de qualidade do produto judiciário.

Nos termos do art. 942, §1º do Código de Processo Civil, a análise da divergência pela via da ampliação da colegialidade deve ocorrer preferencialmente na mesma sessão de julgamento em que expresso o dissenso jurisprudencial (CPC, art. 942, §1º). Evita-se, com isso, a prática de todas as formalidades próprias da interposição de um recurso (apresentação das razões recursais, distribuição do recurso, designação de novo julgamento...). Logo, não se pode afirmar que a técnica da ampliação da colegialidade será capaz de atrasar o andamento do processo.

Todos que tem larga experiência no foro sabem que o atraso do processo decorre do chamado "tempo de prateleira" – virtual ou físico, que consiste no interregno de tempo em que nada ocorre no processo. Em comparação a isso, o tempo exigido pela ampliação da colegialidade decorrente de divergência havida no seio do Tribunal representa praticamente um nada diante do tempo total do processo. Essa técnica, portanto, não infirma o princípio da duração razoável do processo. A esse princípio, aliás, nem ao menos se poderia recorrer para fins de ponderação no caso, ante a prevalência da regra estatuída pelo legislador em favor do julgamento continuado nos casos de divergência.

Não bastasse isso, a técnica da ampliação da colegialidade presta-se também a combater a denominada jurisprudência lotérica, ao garantir maior uniformidade às decisões proferidas pelos Tribunais. Isso porque com a continuação ampliada de um julgamento não unânime, impede-se que sejam prevalecentes entendimentos minoritários no âmbito de um órgão colegiado.

Como se sabe, entre os membros de uma determinada turma julgadora é possível que não haja consenso a respeito de certa questão. Sendo assim, a depender da distribuição dos feitos e da designação da turma julgadora para o caso, poderiam ocorrer julgamentos em que prevalecesse o entendimento minoritário daquele órgão colegiado (v.g., se considerarmos determinado órgão colegiado formado por cinco desembargadores, a composição de uma turma com três julgadores pode fazer com que posicionamentos minoritários adotados por apenas dois dos cinco desembargadores acabem por se sagrar vencedores). Assim, com a ampliação automática da colegialidade em casos de dissenso, evita-se que contradições internas a um órgão colegiado resultem em tratamentos distintos para casos semelhantes.

Isso é do interesse não só das partes, que têm assegurada a isonomia e a segurança jurídica, mas também da própria jurisdição, que assim preserva a sua legitimidade. Portanto, por mais esse motivo, mostra-se adequada a técnica prevista no art. 942 do Código de Processo Civil de 2015 que assim se coaduna, ademais, com o disposto no art. 926 do Código, que impõe aos Tribunais o dever de manter sua jurisprudência estável, íntegra e coerente.

Esse dispositivo, aliás, consiste em uma norma fundamental para a nova configuração que se pretende atribuir à administração da justiça em nosso pais, cujos pilares se assentam na promoção da segurança jurídica e da igualdade. Resultaria em repugnante tratamento discriminatório e clara fonte de imprevisibilidade a dispensa de tratamentos distintos para situações semelhantes.

Para evitar isso, a técnica da ampliação da colegialidade contribui com a formação de julgados mais sólidos e consistentes, elaborados a partir de um número maior de razões, e evita – em grande medida - que determinado caso seja decidido com base em entendimento não prevalecente no âmbito do Tribunal. A técnica da ampliação da colegialidade, como já dito, não almeja alcançar uma unanimidade entre os julgadores. Aqueles julgadores que possuírem um determinado entendimento minoritário não apenas podem como devem declarar seus votos divergentes, pois assim contribuem para eventual evolução jurisprudencial. O que não é admissível é que esse entendimento minoritário prejudique a parte que faz jus à tutela jurisdicional segundo a orientação predominante do Tribunal.

3. Hipóteses para a ampliação da colegialidade

De acordo com o art. 942, caput, do Código de Processo Civil, a primeira hipótese que dá ensejo à ampliação da colegialidade é o julgamento não unânime do recurso de apelação. Registre-se que com a extinção dos embargos infringentes, a técnica da ampliação da colegialidade é aplicável inclusive nos recursos de apelação oriundos de mandado de segurança. Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil, retirou-se o substrato normativo para aplicação do art. 25 da Lei n. 12.016/09 e como não há qualquer restrição nesse sentido a técnica da ampliação da colegialidade deve ser aplicada também nesses casos.

Em sentido contrário à sistemática aplicada aos embargos infringentes pelo Código de Processo Civil de 1973 a partir da edição da Lei n. 10.352 de 2001, segundo a qual referido recurso apenas seria cabível nos casos de reforma da sentença de mérito (CPC/73, art. 530), a ampliação da colegialidade, nos casos de julgamento não unânime do recurso de apelação, ocorrerá seja qual for o resultado.

Assim, a continuação do julgamento com novos julgadores se dará tanto nos casos de divergência a respeito de eventual error in iudicando quanto nas hipóteses em que não houver consenso sobre possível error in procedendo da sentença recorrida. Isso se justifica, pois não há diferença qualitativa entre as questões decididas por um Tribunal. A divergência sobre uma questão processual capaz de implicar a anulação de um julgamento merece ser resolvida à luz de novos argumentos, do mesmo modo que uma questão de mérito propriamente dita.

Por essas mesmas razões, aliás, mostra-se incoerente o previsto no art. 942, § 3º, inc. II, do Código de Processo Civil. Segundo esse dispositivo, a técnica da ampliação da colegialidade aplica-se aos julgamentos não unânimes proferidos em agravo de instrumento, apenas quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito da demanda.

Os requisitos para a realização desse julgamento constam do art. 356 do Código. De acordo com esse dispositivo, o julgamento parcial terá lugar quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela de um deles mostrar-se incontroverso ou estiver em condições de imediato julgamento. Essa decisão que julga em caráter antecedente parcela do mérito é uma decisão interlocutória, pois não encerra a fase cognitiva do procedimento comum. Em atenção a isso, o art. 356, § 5º, do Código, estabelece como cabível o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que julgar parcela do mérito em caráter antecedente.

Ocorre que, esse recurso, ontologicamente, em nada difere do recurso de apelação, e por isso para ambos deveria ser aplicada a disciplina desse último, a fim de permitir o julgamento continuado tanto nos casos de reforma, quanto nas hipóteses de anulação – ou mesmo confirmação, como se verá a seguir - da decisão interlocutória de mérito recorrida. A coluna estrutural da nova técnica é diminuir os efeitos deletérios de uma divergência não qualificada, típica do julgamento dissensual em que participam apenas três julgadores e isso – como é óbvio - é suscetível de ocorrer também nos julgamentos dos agravos de instrumento contra decisões de mérito que anulem ou confirmem o entendimento do juiz de primeiro grau.

Necessário destacar outra omissão do legislador que compromete a coerência da disciplina aplicada aos processos em âmbito recursal. Como se sabe, o agravo de instrumento também é cabível contra as decisões interlocutórias que versarem sobre o mérito do processo (CPC/2015, art. 1.015, inc. II).

A manifestação sobre o mérito, por excelência, ocorre na sentença, momento em que após cognição exauriente dos elementos da controvérsia está o juiz em condições de emitir um pronunciamento a respeito da pretensão do autor e assim encerrar o processo. Em determinadas hipóteses, no entanto, o mérito está em condições de ser apreciado em momento anterior ao encerramento do processo. É o que ocorre, por exemplo, com as decisões interlocutórias que rejeitam, em momento anterior à sentença, alegação de prescrição e decadência.

O acolhimento de qualquer uma dessas alegações tem o condão, por si só, de extinguir o processo com resolução do mérito. Por isso, a parte que teve uma alegação dessa natureza rejeitada tem o direito de devolver essa matéria ao Tribunal pela via do agravo de instrumento a fim de obter um imediato pronunciamento judicial a respeito dessas alegações. A possibilidade de revisão da decisão que rejeita a alegação de prescrição e decadência pela via do agravo de instrumento permite que o Tribunal se manifeste desde logo sobre essas questões de modo a evitar assim a prática de atos inúteis pela primeira instância.

Justamente por conta da natureza e dos efeitos desse julgamento é que se justificaria a ampliação da colegialidade também nesses casos. O julgamento das questões de mérito em um agravo de instrumento tem as mesmas repercussões do julgamento de apelação, o que deveria ensejar, portanto, a dispensa do mesmo tratamento em matéria de ampliação da colegialidade a ambos os recursos.

A técnica da ampliação da colegialidade, por fim, também deverá ser aplicada em caso de julgamento não unânime proferido em ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença. Nessas hipóteses, o julgamento terá prosseguimento junto ao órgão de maior composição previsto no regimento interno de cada Tribunal.

De acordo com a sistemática anterior, o art. 530 do Código de Processo Civil de 1973 previa o cabimento dos embargos infringentes nos casos em que o acórdão não unânime houvesse julgado procedente ação rescisória. Isso significava que nesses casos os embargos infringentes poderiam se ater ao juízo rescindente, ao juízo rescisório ou a ambos.

Nesse sentido, pode-se afirmar que o art. 942 do Código de Processo Civil de 2015 simplifica essa dinâmica, ao prever apenas a ampliação da colegialidade para os casos de divergência quanto à rescisão da sentença. Como a ampliação da colegialidade não encerra o julgamento até então em curso, isso significa que uma vez aplicado o art. 942 do Código de Processo Civil, os novos julgadores passarão a compor automaticamente o órgão competente para realização do juízo rescindendo e do juízo rescisório, se este tiver lugar.

Além desses casos, é preciso ter em mente outras hipóteses que igualmente justificam a ampliação da colegialidade. Embora não conste do art. 942 do Código de Processo Civil, uma interpretação lógica do sistema recursal justifica a aplicação da colegialidade ampliada também no julgamento dos recursos decorrentes daquelas hipóteses previstas nesse artigo.

Assim, por exemplo, caso haja divergência no julgamento de agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou provimento ao recurso de apelação, nesse caso, deveria ocorrer também a ampliação da colegialidade, pois ao se julgar o agravo interno julga-se também a própria apelação.

Do mesmo modo, se no julgamento de embargos de declaração opostos contra acórdão unânime houver divergência a respeito da atribuição de efeitos infringentes a esse recurso, necessária a ampliação da colegialidade no caso, pois o julgamento desses embargos modifica diretamente o resultado do julgamento do recurso de apelação. Ainda no que diz respeito aos embargos de declaração, não é demais destacar que, se eles forem opostos contra acórdão proferido após a ampliação da colegialidade, todos os julgadores que participaram desse julgamento ampliado serão competentes para apreciar esse recurso.

Em contrapartida a essas hipóteses de cabimento detalhadas até aqui, a ampliação da colegialidade não terá lugar no julgamento do incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, no julgamento da remessa necessária e nas decisões não unânimes proferidas pelo plenário ou pela corte especial do Tribunal, nos termos do art. 942, §4º do Código de Processo Civil. Nesses casos, em particular, não se justifica a continuidade do julgamento com a participação de novos julgadores, pois essas decisões já são proferidas por quórum qualificado.

Com relação aos incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, isso se torna ainda mais evidente, dada a natureza desses institutos, voltada à fixação de uma tese paradigma a ser aplicada a casos semelhantes. Como essa tese deve expressar a orientação do Tribunal, não faria sentido delimitar a turma julgadora e apenas permitir sua ampliação em casos de divergência. A fixação de uma tese paradigma para fins de julgamento de demandas repetitivas sempre deve se dar a partir dos melhores argumentos disponíveis, pois só assim se alcançará a necessária estabilidade e previsibilidade jurídica almejada por esse microssistema previsto para tratar o fenômeno da litigiosidade de massa.

Isso não quer dizer, contudo, que no julgamento de um recurso de apelação, oriundo, por exemplo, de uma demanda individual afetada pelo incidente de resolução de demandas repetitivas, não se aplique o art. 942 do Código de Processo Civil. Veda-se a ampliação da colegialidade apenas nos casos em que fixada a tese paradigma, não nos casos individuais em que ela é aplicada.

Se não observadas essas hipóteses previstas no art. 942 do Código de Processo Civil, estará configurada uma nulidade de natureza absoluta a ensejar a invalidação do processo. Como se sabe, além dos atos inexistentes que, pela ausência de algum requisito intrínseco, não ingressaram no mundo jurídico, costuma-se classificar os atos viciados em absolutamente nulos, relativamente nulos e anuláveis. A nulidade absoluta decorre do desrespeito a uma forma instituída em defesa do interesse público. Geralmente, encontra-se cominada na lei e o juiz pode decretá-la de ofício, independentemente de requerimento da parte. A nulidade relativa, por outro lado, advém da inobservância de regra cogente que vise à proteção do interesse da parte. A anulabilidade, por fim, está prevista em norma dispositiva e tutela interesses exclusivamente privados.

No caso, a não aplicação da ampliação da colegialidade gera um prejuízo ao interesse público que não é capaz de ser sanado, motivo pelo qual nessas hipóteses não se aplica o princípio da instrumentalidade das formas. O raciocínio que informa essa conclusão é o mesmo que inspira as normas de fixação da competência absoluta. Em caso de descumprimento a essas normas a única solução que se impõe é a declaração de nulidade do processo.

4. Efeitos da continuidade do julgamento

Fixadas essas premissas sobre a natureza e as hipóteses de cabimento que dão ensejo à ampliação da colegialidade, necessário analisar os efeitos decorrentes da aplicação dessa técnica. Nesse sentido, a primeira questão que deve ser enfrentada diz respeito à convocação dos novos julgadores.

Conforme dispõe o art. 942, caput do Código de Processo Civil, nos casos de divergência, que ensejam a ampliação da colegialidade, serão convocados novos julgadores, nos termos do regimento interno de cada Tribunal, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial (v.g., se um julgamento com a participação de três julgadores termina em dois a um, haverá prosseguimento do julgamento com outros dois julgadores).

Tendo em vista que serão convocados desembargadores para reverter o resultado inicial, a divergência capaz de autorizar a ampliação da colegialidade, portanto, é apenas aquela em que há discordância a respeito de qual das partes deve ser merecedora da tutela jurisdicional. Não se desconhece que pode haver divergência também nos casos em que todos os votos são favoráveis a uma das partes, mas há discordância a respeito do modo de ser concedida a tutela a essa parte vencedora (v.g., imagine-se o caso em que três juízes divergem a respeito da quantia indenizável a título de dano moral). Nesses casos, ao invés da ampliação da colegialidade, faz-se uso de técnicas para apuração do voto médio. Voto intermediário e voto médio consistem em técnicas de julgamento destinadas a solucionar a dispersão de votos, fenômeno passível de ocorrer em qualquer julgamento colegiado.

Esses julgadores necessários para a formação de nova maioria devem ser convocados segundo as disposições preestabelecidas no regimento interno de cada Tribunal. Com isso, afasta-se qualquer alegação de que a ampliação da colegialidade poderia resultar em uma violação ao princípio do juiz natural.

O que esse princípio veda, como se sabe, é a designação de juízo ex post facto. Não é isso o que ocorre, contudo, nos casos de ampliação da colegialidade. Aqui, previamente, atribui-se competência aos Tribunais para designar os julgadores para os casos em que se manifestar a divergência. A convocação de novos julgadores, portanto, não se dá ao acaso (v.g., no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cada Câmara é composta por cinco desembargadores (RITJSP, art. 34). Os feitos dessas Câmaras são julgados por turmas de três desembargadores. Havendo divergência entre eles, os outros dois membros da Câmara passam a compor o colegiado para fins de aplicação do art. 942 do Código de Processo Civil (RITJSP, art. 41).

Fixadas essas questões, na sequência devem ser analisados aspectos relativos à continuidade do julgamento. Em primeiro lugar, como visto no item 2, a técnica da ampliação da colegialidade não consiste em um novo recurso, mas sim em uma norma que atribui competência para que novos desembargadores integrem uma turma julgadora em casos de divergência.

Isso significa, portanto, que não há um encerramento do julgamento, mas apenas sua postergação. Por isso, enquanto não terminado o julgamento, tudo aquilo que foi deliberado previamente à ampliação da colegialidade pode ser objeto de modificação. Assim dispõe, a propósito, o art. 942, §2º, do Código de Processo Civil: “os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento”.

Os votos que poderão ser objeto de revisão não são apenas aqueles que deram azo à ampliação da colegialidade. Um capítulo até então unânime da decisão também pode ser objeto de modificação. Como não há encerramento do julgamento, não há qualquer imutabilidade a respeito do que fora até então decidido. É claro que eventual retratação de capítulo do voto inicialmente unânime, pode ensejar uma nova divergência (o que só não ocorreria caso todos os julgadores que compunham o colegiado originalmente se retratem concomitantemente do capítulo unânime, invertendo o sentido dos votos em nova unanimidade), contudo a existência de nova divergência não traria qualquer prejuízo ao julgamento do recurso, uma vez que, devido à falta de unanimidade originalmente constatada, o julgamento já apresentaria seu colegiado ampliado, com quórum qualificado para superar todas as eventuais divergências, sejam elas recentes ou pretéritas. Daí a relevância de os novos julgadores analisarem todos os elementos do recurso.

No caso dos embargos infringentes, de acordo com o art. 530 do Código de Processo Civil de 1973, ocorria a devolução aos novos julgadores apenas do capítulo não unânime do acórdão embargado. Com isso, tornava-se indiscutível aquilo que não fora objeto do recurso e limitava-se a atuação dos novos julgadores apenas a esse capítulo não unânime. Não é isso, contudo, o que ocorre com a ampliação da colegialidade. Como dito desde o início, essa técnica ainda que guarde relação de semelhança com os embargos infringentes, com esse extinto recurso não se confunde.

Como não ocorre o encerramento do julgamento com a ampliação da colegialidade, os novos julgadores passam a proferir seus votos em relação a todo o objeto do recurso que deu origem a ampliação da colegialidade por uma divergência específica. Nesse sentido, o legislador não estipulou quaisquer limites à atuação dos novos julgadores, que dispõem dos mesmos poderes daqueles atribuídos aos desembargadores que até então compunham o órgão colegiado (v.g., o novo desembargador, no exercício de seus poderes instrutórios, pode decidir pela produção de uma prova determinante tanto para o resultado do julgamento do capítulo não unânime quanto para aquele no qual não houve divergência). Nesse sentido, com a participação dos novos julgadores, passa-se a uma análise de todos os elementos que informam o objeto do recurso (v.g., um dos novos desembargadores pode suscitar, inclusive, pela primeira vez uma questão preliminar cognoscível de ofício que se acolhida impedirá o julgamento do mérito do recurso).

Com a análise por todos os julgadores de todos os elementos do recurso, evita-se a ocorrência de diversas ampliações e retrações sucessivas do órgão colegiado em um mesmo julgamento. Imagine-se, por exemplo, que a primeira divergência a ensejar a ampliação da colegialidade diga respeito a uma preliminar ao julgamento de mérito do recurso. Se não adotado o entendimento aqui exposto, nova ampliação ocorreria a cada novo julgamento divergente. Assim, em uma decisão com diversos capítulos se teria um número diverso de votos para cada um deles a depender da ocorrência de divergência ou não. Por isso, mostra-se uma medida mais coerente e mais econômica em termos de eficiência do processo a solução aqui defendida no sentido de que uma vez, inseridos no órgão colegiado os novos desembargadores, tornam-se eles igualmente competentes para o julgamento de todo o recurso.

Restringir a atuação dos desembargadores após a ampliação da colegialidade apenas à parcela não unânime dos votos proferidos ilustra verdadeira – e indevida, porque distante da mens legis - contaminação do procedimento aplicado aos antigos embargos infringentes à nova técnica de ampliação do colegiado.

Por fim, no que concerne às partes em decorrência da ampliação da colegialidade, deve ser assegurado a elas e a eventuais terceiros interessados, nos termos do art. 942, caput do Código de Processo Civil, o direito de sustentar oralmente perante os novos julgadores suas razões quanto a todas as matérias apresentadas no recurso em questão se eles não estavam presentes à primeira sessão de julgamento em que realizou a primeira sustentação. Conforme exposto, não há cisão do efeito devolutivo em relação apenas aos aspectos que ensejaram a divergência, sendo direito da parte, então, sustentar suas razões inclusive em relação a eventuais capítulos unânimes dos votos originalmente proferidos, se ela assim entender conveniente a sua defesa.

5. Encerramento

Considerando que hoje em dia é bastante comum os julgadores de segundo grau de jurisdição circularem, via eletrônica, seus votos entre os colegas que compõem a turma julgadora antes da sessão de julgamento, a divergência tornou-se situação excepcional. Portanto, tudo leva a crer que a técnica da ampliação da colegialidade somente ocorrerá em situações excepcionais. A divergência, quando vem à tona por ocasião da sessão colegiada, é aquela em que foi impossível o consenso. E, por isso, a ampliação da turma julgadora com outros integrantes é medida importante para o aperfeiçoamento da jurisprudência, conforme exposto no item 2.

O art. 942 do Código de Processo Civil de 2015 contribuirá sobremaneira para o aperfeiçoamento da qualidade das decisões que são proferidas em nossos Tribunais. Conforme indicado, a ampliação da colegialidade não mais advém de recurso no interesse das partes, sendo um prolongamento imposto de ofício aos julgamentos nos quais se constata divergência. No item 3, procurou-se destacar as hipóteses que dão ensejo à ampliação da colegialidade e no item 4 foram analisadas as principais consequências decorrentes da aplicação dessa técnica.

Em síntese, vale retomar o argumento de que como a ampliação da colegialidade posterga o encerramento do julgamento, os julgadores que já proferiram seus votos podem rever todo o posicionamento que até então externaram. O art. 942, §2° do Código de Processo Civil não prevê qualquer restrição nesse sentido. Sendo assim, em função da continuidade do julgamento, os novos julgadores devem analisar igualmente eventuais capítulos unânimes dos votos anteriormente proferidos.

 

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