Taxi, capitanias hereditárias e o uber

05/08/2015

Por Charles M. Machado -05/08/2015

As polêmicas levam sempre os atores sociais a manifestarem de diversas formas e graus, cada qual com a sua linguagem. As pessoas produzirão sua manifestação sempre versando sobre a linguagem que dominam, lembrando sempre que os domínios desse conhecimento estarão sempre limitados ao domínio da linguagem que verse sobre determinado fato, seja ela técnica ou empírica.

O embate entre Taxi e Uber levanta uma série de questões, e por vezes aquilo que dormia em silêncio é sacudido pelos ventos da reflexão.

É da reflexão e do embate, em maior ou menor grau que a sociedade evolui, afinal a construção da ciência do Direito, sempre deverá ser feita pelos Princípios que norteiam a mesma.

A positivação primeira das relações sociais é feita pela Constituição, e é ela que elege os valores que pretendem defender mantenedores do tecido de nossa sociedade.

O enfrentamento dessa categoria organizada ao novo, que pretende ver tipificado como pirata, leva o intérprete a aprofundar o seu regramento, afinal todo Taxi é legal?

A regulamentação do serviço de taxista, através da lei 12.469 de 2011, fixando as normas gerais desse serviço, cabendo ao Município exclusivamente o exercício da competência complementar, naquilo que for de interesse local.

O referido diploma apenas tratou de assegurar direitos e definições daquela profissão não pretendendo no seu objetivo criar a reserva de mercado para o transporte privado de passageiros.

A norma reconheceu em seu primeiro artigo a profissão de taxista, e no seu segundo artigo assim conceituou:"Art. 2o É atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7 (sete) passageiros”.

Esse exercício é sempre feito por meio de licença, logo com base de nesse pré-requisito, a licença é e sempre será manifestação discricionária, legal e impessoal da administração pública.

Por isso é requisito de conceito lembrar que sempre a obtenção da licença deve ser feita respeitado os princípios norteadores da administração pública, sendo sempre que possível a licitação como regra.

Logo se diversas são as pessoas que tem como objetivo uma licença de taxista para determinado ponto da cidade, a licitação deve ser a regra, sendo que o edital, que faz norma entre os participantes deve eleger as regras desse certame.

A Constituição Federal definiu como Princípios norteadores da Administração Pública Direta e Indireta: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, ...”

Vejamos cada um deles: Legalidade, é a vinculação a ele que limita o poder discricionário do administrador público, afinal se a licitação é a regra e a licença decorrência do processo, que concedeu a outorga, burlar esse processo só poderia ser feito por duas motivações legais a dispensa e a inexigibilidade, uma por conveniência outra por impossibilidade. Logo as licenças dadas para exercício funcional da profissão de taxista não estão em nenhuma das duas exceções do processo e a o respeito a ele constitui decorrência máxima do sopesamento principiológico da Magna Carta, quando elegemos a Isonomia como valor primeiro da relação social entre as pessoas.

Logo a licença para o serviço de taxista só é legal se advém de processo licitatório.

A Impessoalidade que rege a Administração Pública busca a neutralidade da ação do agente público, valor decorrente da Isonomia, como forma de se atingir o interesse coletivo, buscando assim o bem maior para todos da sociedade. A objetividade nas relações com a coisa pública este em estreita relação com o Princípio da Impessoalidade.

Moralidade, a contaminação das relações com atos desprovidos de ética não encontra espaço nas ações da administração pública, logo outorgas sem prazo determinado estariam ferindo o princípio da moralidade, transformando um benefício da lei em verdadeiro privilégio.

Publicidade, os atos da administração públicas em todo processo de concessão da outorga para taxistas devem ser públicos, logo a eles deve ser dado publicidade como ferramenta da melhor transparência no trato com a cousa pública, seja nos atos de concessão ou transferência hereditária da outorga.

Eficiência, a motivação de todo ato administrativo deve buscar justificativa no princípio da eficiência, a administração seja ela Direta ou Indireta teve pautar seus atos de forma a comprovar que aquele caminho produz melhor resultado para o atingimento do interesse coletivo e não apenas de uma determinada pessoa, categoria ou serviço. O que deve se procurar nas condições do edital de credenciamento para outorga do serviço de taxi.

O Direito como previsão hipotética, vive em estado de dormência até que seja provocado, logo dado o fato Y aplica-se a norma Y, dado o fato X aplica-se a norma X, e inúmeras serão os fatos ocorridos cuja as normas não atingem, logo esses fatos ficam no campo da não incidência.

Por isso um dos equívocos maiores cometidos pelos intérpretes é imaginar que fatos não previstos em lei estariam por decorrência no campo da ilegalidade.

A ilegalidade é e será sempre, por força do texto Constitucional, uma previsão legal, jamais uma não previsão, as lacunas do Direito só existem no campo da liberdade das relações sociais. Do contrário estaríamos diante de um mundo que só existe se e somente se uma norma assim o prevê, claro não faltaram os que em socorro diriam que o que o Direito não prevê será sempre obra da lei Divina.

As normas enquanto previsões hipotéticas de conduta, nascem da competência atribuída e distribuída pela Magna Carta que é nossa Norma Fundante, é sobre os Princípios nela previsto que se ergue o universo normativo.

No Art. 1º da Constituição em seu primeiro Enunciado elege os valores sociais de onde se extrai que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ...IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa".

Eleger o trabalho e a livre iniciativa é imaginar que o desenvolvimento de uma nação ocorre através do trabalho e na iniciativa de através dele produzir o novo, acompanhando todos os avanços que por meio do trabalho e da sociedade coletiva se apresentam para o evoluir social.

A Competência dos Municípios está prevista na CF. Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; veja que o Direito de ir e vir é de todos os habitantes de um mundo livre, e no caso brasileiro criar vedações ou limitações com o pretexto de tratar do interesse local estaria vedado pela Constituição, o interesse local não serve de pretexto para essas medidas restritivas de Direito do Trabalho, serve apenas para regulamentar esse exercício funcional, qualquer proibição em favor de outro serviço análogo já nasce com o DNA da inconstitucionalidade.

A competência Legislativa do Município é também de “ art30, II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”. Logo suplementar é antes de mais nada preencher lacunas onde couber, sem com isso pretender inovar nas restrições da livre iniciativa.

A profissão de taxista já regulamentada por Lei Federal prevê como deveres dos taxistas; “Art 5o  São deveres dos profissionais taxistas: I - atender ao cliente com presteza e polidez; II - trajar-se adequadamente para a função; III - manter o veículo em boas condições de funcionamento e higiene; IV - manter em dia a documentação do veículo exigida pelas autoridades competentes;” sendo esses os principais deveres funcionais, sobre o qual a municipalidade deve sempre fiscalizar.

O mesmo artigo conceitua assim o serviço do UBER “art.4°, X - transporte motorizado privado: meio motorizado de transporte de passageiros utilizado para a realização de viagens individualizadas por intermédio de veículos particulares; “

Logo o serviço previsto pelo UBER, já possui previsão legal na Lei Nacional de Mobilidade Urbana, por isso pretender tipifica-lo com ilegal não encontra guarida no nosso sistema positivado.

Os serviços de Taxi, estão também previstos e definidos no Art. 12. Da Referida Lei de Mobilidade Urbana. Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas.

O serviço de taxi, é por definição uma outorga, o que só pode ocorrer pelas seguintes formas concessão, permissão o autorização, logo deve ter uma valor e o processo licitatório pode muito bem ofertar essas atribuições por meio de licitação de melhor preço.

As cidades quando abrem mão dessa receita, ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal, afinal nos termos da Constituição a Administração Pública, seja ele Direta ou Indireta, é e sempre será regida pelo princípio da eficiência.

A obtenção dessas outorgas deve ser paga, e jamais gratuita, como vem ocorrendo na maioria absoluta das cidades, afinal é publico o aferimento de inúmeras vantagens financeiras na revenda dessas outorgas.

O valor da outorga é reconhecido também pelo legislador infraconstitucional na medida que atribui a mesma possibilidade de revenda, conforme esta previsto no diploma normativo na Lei 12.865 de 2013 onde se lê; “Art. 12-A.  O direito à exploração de serviços de táxi poderá ser outorgado a qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local.” Logo outorga é e sempre será onerosa.

Dessa maneira o que antes era irregular passou a ser legalizado como conduta, ou seja a revenda de outorga, desde que atendido os requisitos da lei é legal, claro que quando comparado ao UBER, não se pode falar de outorga.

O citado diploma assim prevê:"§ 1o  É permitida a transferência da outorga a terceiros que atendam aos requisitos exigidos em legislação municipal.” Deve-se se destacar que a lei federal é omissa para os casos onde a lei municipal não fizer previsão a referida transferência, logo a transferência de outorgas anteriores a publicação da lei Federal não prevista a possibilidade de transferência na licitação não pode ser entendida como autoaplicável.

Com isso o diploma normativo estabeleceu categorias distintas de outorga: 1)Quando o processo licitatório fez previsão ao direito de transferência estabelecendo os critérios e requisitos da transferência e do transferido; 2)Quando a licitação mesmo sendo nova não faz previsão à transferência; 3)Quando outorga é anterior ao diploma normativo que regulamenta a profissão.

Deve-se salientar que a receita advinda da revenda de outorga, quando a sua aquisição não foi onerosa, está sujeita ao Importo de Renda das Pessoas Físicas, pois existiu ali um ganho de capital, afinal revender algo adquirido a custo zero, sujeita o valor a incidência plena do IRPF.

O direito à herança de outorga é mais uma forma de atribuir valor a esse benefício, e logo também está sujeito ao IRPF, pois a mesma deve estar presente na declaração do de cujus.

A previsão ao Direito de herança de outorga da licença de taxi está assim previstas “§ 2o  Em caso de falecimento do outorgado, o direito à exploração do serviço será transferido a seus sucessores legítimos, nos termos dos arts. 1.829 e seguintes do Título II do Livro V da Parte Especial da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).  (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013).”

Tais transferência sempre ocorrerão obedecendo o prazo de outorga, ou seja as licenças para o Taxi devem sempre ter prazo limitado, e a transferência da mesma não implica em renovação do prazo, seja por transferência hereditária ou aquisição.

O transferido deve sempre preencher os requisitos do edital, o que se conclui do dispositivo legal “ § 3o  As transferências de que tratam os §§ 1o e 2o dar-se-ão pelo prazo da outorga e são condicionadas à prévia anuência do poder público municipal e ao atendimento dos requisitos fixados para a outorga. (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013)”.

A anuência é e sempre será manifestação de conformidade legal, no momento da transferência, com a comprovação dos requisitos previstos em lei, sempre em lei.

O fato é que dispositivo que regra hoje a profissão de taxista, foi muito além do que deveria, criando verdadeiras capitanias hereditárias estabelecendo privilégios impensáveis para os tempos atuais.

Regrou direito de herança de permissão, algo inimaginável nos tempos atuais, tais privilégios em nada fomentam a competitividade do serviço ou a melhoria das condições de mobilidade urbana.

O legislador municipal pode corrigir na regulamentação inúmeras distorções, basta ter vontade política.

O UBER nasce assim como outros modais como enfrentamento criado pela livre inciativa, prevista e protegida na Constituição, ofertando comparativo ao arcaico serviço de taxi.

A Municipalidade nesse momento precisa sim rever todas as outorgas de TAXI, para ver se passam na lupa da legalidade, e se nesse momento atendem ao interesse da coletividade.

Nesse embate entre Taxi x UBER deve vir para os holofotes uma melhor regulamentação de ambos os serviços e principalmente se os mesmos gozam do rigor da legalidade à bem do interesse coletivo.

Sem esse apurado exame de legalidade teremos s novas capitanias hereditárias, ou os antigos cartórios, que representam o arcaico que não se justifica nos dias atuais.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.


Imagem Ilustrativa do Post: London anti-Uber taxi protest June 11 2014 036 // Foto de: DAVID HOLT // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/zongo/14396565721 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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