A discussão em torno da Proteção de Dados tornou-se um tema bastante impactado pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), legislação brasileira que completou 6 anos e que versa especificamente sobre o tratamento de dados pessoais (adotando um sentido amplo de dado pessoal), assim acompanhando a tendência mundial de regras e mecanismos de controle legal sobre esses dados, e com a estruturação da ANPD, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
Ocorre que o direito à proteção dos dados pessoais em sentido amplo, com destaque para o meio digital (cada vez mais central na formação social), adquiriu status de Garantia Fundamental conforme Emenda Constitucional (EC), que inseriu o inciso LXXIX no importante artigo 5º da Constituição Federal[i].
Essa Garantia Fundamental não pode ser suprimida, de modo que eventual inércia da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) sobre violações à destacada Garantia Fundamental, implica, por óbvio, em supressão e violação de texto constitucional. Ou dito de outro modo, para além da LGPD e da ANPD, respeitar a aludida proteção já é um dever constitucional expresso. O contrário, ferir o inciso, caracteriza violação à CF. Inclusive, a própria ANPD pode em tese violar o dispositivo da Constituição Federal, de modo que os setores públicos e privados devem respeitar essa garantia dos cidadãos[ii]. O dispositivo citado, que traz a proteção de dados pessoais na CF, está envolto no exercício da cidadania e garantia da dignidade humana, fortalecendo as defesas constitucionais da sociedade contra más práticas com dados pessoais.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) é o órgão responsável por zelar pela proteção desses dados e assegurar o cumprimento da LGPD. Contudo, a omissão ou erro (de qualquer forma) da ANPD em sua função regulatória pode configurar violação direta à garantia constitucional da proteção de dados. Dito de modo bem simples, a LGPD não está acima da Constituição Federal. E sua respectiva Autoridade específica estruturada, tampouco pode interpretar contra a Constituição Federal e a dignidade dos cidadãos.
Exemplificativamente, uma omissão ou erro pode ocorrer de diversas formas, como falta de fiscalização, inércia diante de violações evidentes dos direitos dos cidadãos titulares de dados, ausência de normatização constitucional para situações concretas graves, fuga de temas polêmicos etc., configurando potenciais vícios na contramão da Constituição Federal. Ainda, eventual inatividade e omissão, ou mesmo interpretação inconstitucional por parte da ANPD, pode ensejar a violação de outros direitos e garantias fundamentais expressamente garantidos pela Constituição, para muito além do direito à privacidade e da intimidade geralmente relacionados à LGPD. Inclusive, é dever da ANPD, de modo a cumprir a CF, contar com especialistas de diversas áreas do campo jurídico e outras, para reavaliar suas interpretações questionadas sobre o tratamento de dados pessoais.
Hipoteticamente, se a ANPD falha em cumprir o seu papel, deixa os sujeitos mais vulneráveis a sofrerem com abusos e práticas ilegais, inclusive ilícitos penais, com dados atualizados das vítimas e familiares expostos. Existem inúmeras formas de discriminação com dados. E não há espaço para isso dentro do mínimo civilizatório do dever-ser constitucional.
Ademais, a Constituição Federal, ao trazer a Proteção de Dados em seu texto (Garantia Fundamental), impõe ao Estado o dever não apenas de implementar políticas públicas eficazes e suficientes para garantir isso, mas fazer com que toda a sua estrutura de Estado opere em sentido contrário às violações com dados. No limite, interferindo mesmo na contramão de eventual omissão ou erro da ANPD, o que pode ser interpretado como descumprimento de dever constitucional, falha ou desvio de sua função[iii].
Como efeito de fim, a Proteção de Dados está na Constituição Federal, e se mostra cada vez mais necessária no contexto de uma sociedade mais digital, independente de sua designação.
Notas e referências:
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En busca de las penas perdidas: Deslegitimación y Dogmática Jurídico-Penal. Buenos Aires: Ediar, 2013.
[i] Vejamos então como ficou o artigo 5º da CF, inciso LXXIX: “é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 115, de 2022)”. Trata-se de matéria constitucional relacionada à dignidade dos titulares de dados. Não mais um dever isolado de legislação específica, como erroneamente se sugeria para diminuir o alcance. Pois bem, a LGPD contribuiu para um resultado potencialmente maior que si própria, onde todos podem exigir essa garantia constitucional. Conforme §1º, aplicação jurídica imediata.
[ii] Pois bem, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), enquanto autarquia de natureza especial atrelada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, não nos remete à única autoridade responsável por zelar e trabalhar pela Proteção de Dados pessoais no país (apesar de suas importantíssimas especificidades na regulamentação e fiscalização do respeito à LGPD, aplicação e cumprimento legal).
[iii] Nesse contexto, eventual omissão ou erro de qualquer natureza da ANPD pode ser questionada judicialmente, tanto em âmbito administrativo quanto judicial, e pode levar à responsabilização do Estado por eventuais danos aos titulares de dados. Conforme Zaffaroni (2013), cabe às Agências Judiciais o controle e a contenção constitucional do poder real exercido na sociedade, fazendo prevalecer os filtros e travas contra violações de direitos. Hoje, isso inclui dados pessoais, mais do que nunca. A atuação proativa e tecnicamente acertada da ANPD se faz essencial, não apenas para o cumprimento da LGPD enquanto legislação brasileira específica sobre dados pessoais, mas para o próprio cumprimento do que preconiza a Constituição Federal.
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