Súmula vinculante n. 56 - “nós se vê por aí"

21/09/2016

Por Angelo Moreno Cintra Fragelli – 21/09/2016

É sabido, até mesmo por aqueles que ignoram os conhecimentos técnicos que envolvem o sistema penitenciário brasileiro, que os regimes prisionais adotados no Brasil - fechado, semi-aberto e aberto - nem de longe funcionam como deveriam e, por esta mesma razão, não cumprem seu mister constitucional no que pertine à ressocialização do indivíduo.

No ponto, recordemos que o regime fechado é cumprido em estabelecimento de segurança máxima (penitenciária), permanecendo o condenado ali recluso. Já o condenado em regime semi-aberto deve permanecer recluso em colônia agrícola, industrial ou em estabelecimento similar. Já no aberto, o condenado fica sujeito ao trabalho, fora do sistema prisional, devendo retornar à casa de albergado durante a noite e nos dias de folga.[1]

Aqui, surgem as seguintes indagações: O regime semi-aberto não é aquele em que o condenado trabalha durante o dia e volta para dormir no presídio à noite?

O condenado ao regime aberto fica livre?

Não!

O que ocorre aqui é o famoso "jeitinho brasileiro", necessitando os nossos Juízes, diante da falta de investimento dos governantes junto ao sistema prisional, criarem estratégias para que o condenado cumpra, de alguma forma, sua pena.

Em regra, não há em funcionamento adequado estabelecimentos prisionais a fim de que os condenados cumpram suas penas nos diversos regimes prisionais já citados, colocando os magistrados em verdadeira "saia justa" diante dos pedidos de progressão de pena que aportam em seus gabinetes.

É dizer, diante da possibilidade de o condenado alçar a um regime menos rigoroso para cumprir sua pena (semi-aberto e aberto) e diante da escassez de estabelecimentos dessa natureza (colônia agrícola e casa de albergado), o julgador brasileiro tem dois caminhos a seguir, quais sejam: a) nega o pedido de progressão de pena diante da falta de vagas no sistema semi-aberto ou aberto; b) cria ("inventa") um regime prisional não previsto em lei (trabalhar durante o dia e dorme no presídio a noite).

Nossa conversa cinge-se à primeira hipótese, consubstanciando-se naquela em que o magistrado acaba por negar a progressão do regime prisional ao condenado pela inexistência de vagas.

Mas será que além de todas as mazelas advindas de uma condenação criminal em um sistema prisional completamente falido, o condenado ainda precisa suportar o ônus quanto a inexistência de vaga em sistema prisional que a própria lei lhe determina/garante o cumprimento?

Nesta quadra, o Supremo Tribunal Federal (STF), aprovou, no final do mês de agosto, Súmula Vinculante (56) que trata da ausência de vagas no sistema prisional em sede de pedidos de progressão de pena. O texto final ficou assim aprovado:

 “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nesta hipótese, os parâmetros fixados no Recurso Extraordinário (RE) 641320”.[2]

Nesta senda, a Suprema Corte, reconhecendo que não cabe ao condenado arcar com o ônus de um sistema prisional que não funciona regularmente, diante do reconhecimento de que a legislação sobre o tema necessita se adequar à realidade, "malandramente" (criando subterfúgios diante da inoperância do executivo) fixou diretrizes aos magistrados a fim de que decidam, em sede de execução penal, sobre a progressão de pena dos condenados que se achem nessas situações.

O (RE) 641320 mencionado, que aqui passou a figurar como parâmetro de atuação do magistrado nos casos em que o fato acima delineado ocorre, disciplinou que deve ocorrer:

a) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;

b) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas;

c) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto.

O mesmo julgado ainda esclarece que até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. [3]

Diante desse caótico quadro, que praticamente forçou o Judiciário brasileiro a legislar sobre o tema (matéria a ser debatida pelos constitucionalistas), questiona-se: porque o sistema carcerário não funciona corretamente no Brasil?

Afora uma série de argumentos que poderiam ser utilizados para justificar essa ineficiência, é ver que (sobretudo) não há no Brasil motivação politica suficiente a fim de se dar cabo à problemática, infelizmente guiada pelo senso comum cultural de que para o “bandido”, quanto pior melhor.

Todavia, essa ideia, na prática, se mostra diametralmente oposta àquilo que boa parte da sociedade espera. Explico.

O condenado ao regime fechado, p. ex, que, após parte do cumprimento de sua pena ganha o direito a alçar o regime semi-aberto, deve permanecer RECLUSO em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, permanecendo, assim, fora das ruas, que é a vontade do famoso “cidadão de bem”.

Ocorre que exatamente pela falta da tal colônia agrícola/estabelecimento similar, o criminoso retorna precipitadamente às ruas, frustrando em todos os sentidos a finalidade da execução da pena.

Em tempo, verificamos com certa clarividência, que restou ao Judiciário (STF) a missão de criar subterfúgios diante da inoperância do executivo e ao criminoso “malandramente, meter o pé pra casa” e dizer: ”nós se vê por aí”, tal como o funk do momento. (malandramente, MC Nandinho e Nego Bom).[4]


Notas e Referências:

[1] CP, art. 34 e ss.

[2] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=3352

[3] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+641320%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+641320%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/boajs6p

[4] https://www.youtube.com/watch?v=5GzYOit0G4E


angelo-moreno-cintra-fragelliAngelo Moreno Cintra Fragelli é Delegado Regional de Polícia Civil/SC; Especialista em Ciências penais pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Professor da Academia da Policia Civil de Santa Catarina (ACADEPOL); Professor da Academia dos Peritos Criminais de Santa Catarina (ACAPE); professor Universitário - Univali; Professor em diversos cursos preparatórios para concursos públicos.


Imagem Ilustrativa do Post: Kilmainham Gaol // Foto de: Ralf Peter Reimann // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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