A discussão sobre a possibilidade de concessão judicial de medicamentos sem registro na Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária é um tema importante para a Sociedade.
Neste ponto o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão assentando a seguinte tese[1]:
- 1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
- 2) A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
- 3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
- I – a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras;
- II – a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior;
- III – a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
- 4) As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União.
A decisão pode ser assim comentada:
1) Não é mais possível postular judicialmente tratamentos experimentais (tal tema deve ser tratado no ambiente próprio, como a Comissão Nacional de Ética em Pesquisas e não no Poder Judiciário);
2) Em regra, é impossível fornecer judicialmente medicamento não registrado na Anvisa;
3) Excepcionalmente, é possível fornecer na via judicial medicamento sem registro na Anvisa, desde que se comprove a mora desta Agência na análise do pedido de registro. Não se incluem nesta exceção: 1 - ausência de pedido de registro pela indústria; 2 – mora da indústria na apresentação dos documentos necessários. Ou seja, a mora deve ser atribuível à Anvisa e não ao laboratório.
4) Na hipótese de doenças raras e ultrarraras, também deve ser exigido o registro na Anvisa, pelas seguintes razões: 1 – não se pode deixar de ler isoladamente o inciso I da tese do STF, sem a sua conexão com o item 3, já que dele é dependente o caput sempre vincula o que vem depois!); 2 – interpretação distinta, ou seja, que admite a ausência de pedido de registro na Anvisa para medicamentos de doenças raras ou ultrarraras implicará em subversão da lógica do funcionamento da regulação sanitária brasileira e mundial, que pressupõe a análise de segurança das tecnologias em Saúde. Além disso, pode fomentar uma prática perversa e muito favorável à indústria farmacêutica: permitir a introdução e comercialização no mercado nacional de medicamento sem um preço máximo, ou seja, sem precificação, pois a definição do preço pela CMED exige a existência do registro;
5) A tese fixada pelo STF aplica-se apenas à Judicialização da Saúde pública. Em relação à Saúde Suplementar continua vigente o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça, que não admite, em nenhuma hipótese, a condenação das operadoras ao fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa (por exemplo: Recurso Especial 1663141/SP, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, 03/08/2017, DJe 08/08/2017);
6) O processo de registro na Anvisa está desburocratizado, principalmente com a aprovação da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 204 (27/12/2017), que criou o registro acelerado de medicamentos (fast track), possível em 45, 60 ou 120 dias.
Assim, a interpretação da decisão do STF deve-se ajustar à melhor aplicação regulatória do Direito à Saúde, a fim de evitar prejuízo à Sociedade.
Notas e Referências
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 657718. Relator Min. Marco Aurélio. Julgamento em: 23 Mai. 2019.
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