As Sociedades de Grande Porte, independentemente do tipo societário, submetem-se a um sistema mais rigoroso de gestão e de governança, repercutindo em maior transparência e segurança para o investidor, na medida em que se privilegiaram diretrizes contábeis internacionalmente aceitas, até mesmo como meio de facilitação dos negócios.
As exigências legais estão relacionadas com a escrituração financeira/contábil, com a publicação de atos (?) e com a auditoria independente. Esta, por sua vez, realizada por auditor credenciado (registrado) na CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Nessa escala de aprimoramento da legislação societária, cabe lembrar que a CVM foi criada em 2001, pela Lei 10.303/2001.
Já tivemos oportunidade de tratar de tema aderente a este em uma edição anterior, e manifestamos que, no contexto do mercado de capitais e de uma economia global, o Brasil passou a valorizar a pauta da unicidade comunicativa entre o investidor estrangeiro e o empresariado brasileiro.
Os critérios para a elaboração das demonstrações financeiras evoluíram, tornando mais factível e transparente o conhecimento dos resultados e da posição patrimonial da empresa. A utilização de uma metodologia contábil internacionalmente aceita ajudou a diminuir a assimetria informacional de práticas e critérios desses diferentes players no momento de (re)conhecer e mensurar cada transação.
Deste modo, o Brasil buscou harmonizar suas regras às normas internacionais de contabilidade, adotando as International Financial Reporting Standards (IFRS).
O início desta aproximação com órgãos internacionais deu-se por meio da Instrução da Comissão de Valores Mobiliários nº 457, de 13 de julho de 2007, a qual previa a adoção de padrão contábil internacional por parte das companhias abertas, para a apresentação de suas demonstrações financeiras, sob a égide dos pronunciamentos emitidos pelo International Accounting Standards Board – IASB.
Posteriormente, o tema foi consolidado na Instrução da CVM nº 485 de 2010, referendando-se a adoção das normas internacionais, todavia submetendo-se ao CPC — Comitê de Pronunciamentos Contábeis — com o objetivo de equalizar a convergência com as normas editadas pelo International Accounting Standards Board — IASB, Conselho sediado em Londres desde 1973.
Foi um grande avanço perpetrado pela CVM ao definir a aproximação retroestabelecida, pois, com tal postura, foi possível aderir-se a um modelo único de normas contábeis, internacionalmente aceitas, que privilegiam a transparência e a comparabilidade das demonstrações contábeis, muito úteis, inclusive, para pautar questões societárias[i].
Neste contexto, como podemos caracterizar a Sociedade de Grande Porte? A resposta a esta indagação está no parágrafo único do artigo 3º da Lei 11.638/2007, confira-se: “Considera-se de grande porte, para os fins exclusivos desta Lei, a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais)”.
Observe-se que o legislador se utiliza de dois critérios, autônomos e independentes, estabelecendo para a Sociedade de Grande Porte ativos superiores a 240 milhões de reais ou receita bruta anual superior a 300 milhões de reais. Tais critérios também se aplicam na soma dos ativos ou da receita, em se tratando de Grupo de Sociedades, em relação as participantes do Grupo, inclusive no caso das Subsidiárias Integrais, até porque consolidam seus balanços na controladora.
Identificados os critérios para Sociedade Única e para o Grupo de Sociedades, sempre balizados pela receita, ativos e pela soma, respectivamente. Cabe indagar sobre o tipo Societário atingido pela norma? A Lei 11.638/2007 declara que as normas relativas às Sociedades de Grande Porte, não são exclusivas das Sociedades de Capital, ao expressar no caput do artigo 3º o seguinte: “aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários”.
Usualmente, a Sociedade Anônima de Capital Aberto, a Sociedade Anônima de Capital Fechado e a Sociedade Limitada é que possuem condições melhores de responder aos critérios que definem uma Sociedade de Grande Porte, em termos de ativos ou receita bruta anual, em que pese a Lei não excluir os demais tipos, mas é que eles, invariavelmente, não alçam voos maiores a ponto de atingir os patamares delineados pela norma jurídica já mencionada, com exceções óbvias, a exemplo das grandes cooperativas.
De qualquer forma, Mamede ressalva que o conceito legal abrange as Sociedades Simples ou Empresárias, incluindo-se as Cooperativas, as Comanditas Simples, as Limitadas, as Em Nome Coletivo, as Anônimas de Capital Fechado e as em Comandita por Ações com Capital Fechado[ii].
É a caracterização da Sociedade Limitada de Grande Porte que traz maiores repercussões de ordem prática, pois os custos de transação devem ser colocados na balança. Há controvérsias na interpretação da norma, e um dos principais pontos é o seguinte: Aplicam-se às disposições da Lei 6.404/76 para a Sociedade Limitada de Grande Porte de modo irrestrito? Ou a adoção do regime jurídico das sociedades anônimas estaria limitada à escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários?
Adotar a metodologia de escrituração e elaboração das demonstrações financeiras, atrairia a obrigação de publicação nos moldes estabelecidos pela LSA, mais detidamente segundo a regra do artigo 289, que obriga a publicação das demonstrações financeiras em órgão oficial e em jornal de grande circulação?
É óbvio que a publicação dirigida acarreta maiores custos, e a discussão a respeito ficou ainda mais candente com a edição da Medida Provisória n. 892, de 06 de agosto de 2019, que desobrigava a publicação das demonstrações financeiras e demais publicações ordenadas pela LSA de serem publicadas em órgão oficial e jornal de grande circulação, substituindo-se pela publicação nos sítios eletrônicos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da entidade administradora do mercado em que os valores mobiliários da companhia estivessem admitidas à negociação. A referida MP perdeu sua vigência por não ter sido tempestivamente votada pela Câmara e Senado.
Uma sucessão de atos normativos emanados das Juntas Comerciais de alguns Estados e do próprio DREI (a partir daquele momento histórico – entrada em vigor da Lei 11.638/2007), foram colocados em xeque, e as interpretações foram díspares quanto à obrigatoriedade ou não das respectivas publicações ordenadas pela LSA também para as Sociedades Limitadas de Grande Porte, intervindo o Poder Judiciário em muitos casos concretos a ele submetidos, por via do Mandado de Segurança.
Entende-se que as Sociedades de Grande Porte, independentemente do seu tipo societário, trazem repercussões importantes para a economia nacional, impactando o PIB. Exigir que as demonstrações financeiras estejam alinhadas com as metodologias internacionalmente aceitas, adotando-se as International Financial Reporting Standards (IFRS), bem como a submissão das contas à auditoria independente é bem razoável, e ao contrário de aumentar os custos de transação, no médio e longo prazo, repercute em maior eficiência, diante da elevação dos níveis de governabilidade.
Há, porém, controvérsias, quanto a exigência das publicações obrigatórias para as Companhias, derivadas da LSA, também para as Sociedades Limitadas de Grande Porte. A principal justificativa para esse ponto de vista decorre da leitura da Lei 11.638/2007, pois parte da doutrina entende que a Lei foi omissa quanto a este ponto, segundo uma interpretação mais literal.
Por outro lado, considerando-se que a Sociedade Limitada de Grande Porte adotará o regime jurídico das sociedades anônimas quanto a forma de apresentação das demonstrações financeiras e quanto a obrigatoriedade de auditoria independente, por auditor registrado na CVM, parte da doutrina entende estar abrangida a obrigatoriedade da publicação das demonstrações financeiras. Este é o posicionamento de Mamede, ao se referir que eventual supressão da Lei 11.638/07 não permite se concluir pela dispensa, isto porque a norma manda seguir as disposições sobre a escrituração e, portanto, abrange todas as regras adicionais a respeito, dentre elas, a publicação dos relatórios contábeis.
Sob o ponto de vista das Sociedades de Pessoas, destacando-se aqui as Limitadas, que não dispõe de valores mobiliários negociáveis no balcão, poder-se-ia admitir um grau de exposição menor de seus números, exceto se a própria Sociedade entenda, por uma questão de estratégia de mercado, ou personalíssima, deva disponibilizar os seus resultados e suas demonstrações à publicação nos moldes da LSA.
Como a Lei que define a Sociedade de Grande Porte remete a LSA (Lei 6.404/76) quanto as demonstrações financeiras, aplica-se o artigo 176, segundo o qual ao fim de cada exercício social, e com base na escrituração mercantil da companhia, as demonstrações financeiras deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio e as mutações ocorridas no exercício. As demonstrações financeiras a serem elaboradas são as seguintes: I - balanço patrimonial; II - demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados; III - demonstração do resultado do exercício; e IV – demonstração dos fluxos de caixa; e V – se companhia aberta, demonstração do valor adicionado.
As demonstrações serão complementadas por notas explicativas e outros quadros analíticos para esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados do exercício, sendo que as notas explicativas devem apresentar as informações listadas no parágrafo 5º do referido artigo 176 da LSA.
A parametrização conforme os padrões internacionais significou um avanço para a contabilidade brasileira, conferindo características qualitativas, destacando-se: a relevância das informações financeiras, assim consideradas por subsidiarem a tomada de decisões econômicas; a materialidade no sentido da indispensabilidade, pois, uma vez omitida ou distorcida determinada informação, há influência no processo decisório; a representação fidedigna e a compreensibilidade, como características fundamentais, revelam que as demonstrações serão compreensíveis a ponto de viabilizar o pronto entendimento, portanto, serão confiáveis; a comparabilidade também é uma característica fundamental, qualitativa de melhoria, permitindo uma avaliação por períodos; a verificabilidade possibilita aos usuários a obtenção da representação econômica fidedigna dos dados de interesse; a tempestividade relaciona-se à disponibilidade das informações no tempo oportuno para a tomada de decisões[iii].
Em um determinado caso concreto, por meio do Parecer 118/2019-JUCERJA-PRJ-JCTMS (Junta Comercial do Rio de Janeiro), foi dado prosseguimento ao pedido de arquivamento de uma ata de reunião aprovando o balanço de um determinado ano/exercício (Sociedade Limitada de Grande Porte), adotando-se, naquela oportunidade, o entendimento dos Procuradores e Secretários-Gerais emanado do 35º Encontro Nacional das Juntas Comerciais, no sentido de que não compete às Juntas Comerciais aferir se a sociedade se enquadra ou não como de “grande porte”, cujo posicionamento foi sintentizado no 2º Enunciado[iv].
Conclui-se com a seguinte síntese: É ponto pacifico que o artigo 3º da Lei 11.638/07 deve ser atendido pelas Sociedades de Grande Porte, independentemente do tipo societário, isto no que se refere à escrituração e elaboração das demonstrações financeiras, de acordo com a Lei 6.404/76 (art. 176), e a submissão à auditoria independente nos moldes acima. Por outro lado, a publicação das respectivas demonstrações não é ponto pacífico, e as Juntas Comerciais não atraem competência fiscalizatória dessa rotina. Adicione-se a isso, que em se tratando de Sociedade de Grande Porte, os níveis de governança devem ser mais acurados, e nesse contexto é fundamental a adoção de instrumentos jurídicos bem estruturados, qualitativamente, especialmente quanto à redação do contrato ou estatuto social; os acordos parassociais; o plano organizacional, de governança, compliance e LGPD. São cuidados mínimos, adicionados às exigências legais aqui tratadas, para que o almejado sucesso empresarial seja atingido, em sua força máxima.
Notas e Referências
[i] CARLI, Matheus Vignatti de e ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. A Publicização das Demonstrações Financeiras das Empresas de Grande Porte: Uma Tendência.
Disponível em < https://emporiododireito.com.br/leitura/a-publicizacao-das-demonstracoes-financeiras-
das-empresas-de-grande-porte-uma-tendencia>Acesso em: 14 abril 2021. No texto aqui indicado, juntamente com Matheus Vignatti Carli, expressamos: “as normas que são publicadas e atualizadas pela IASB são chamadas de pronunciamentos da International Financial Reporting Standards (IFRS), as quais tratam do formato, conteúdo e da apresentação das demonstrações contábeis. Ainda, existem interpretações técnicas de tais normas, sendo de responsabilidade do International Financial Reporting Interpretations Commitee (IFRIC).Nesta senda de harmonização, no âmbito nacional, em 2005, foi criado o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), que teve o intuito inicial de redução dos riscos internacionais creditícios, de participações societárias e outros riscos associados ao entendimento das demonstrações contábeis, como também de melhorar a interação informacional para servir de plataforma ao processo decisório. O CPC emite seus pronunciamentos com base nas Normas IFRS, respeitando as práticas nacionais orientadas a partir de conteúdos da Associação Brasileira de Companhias Abertas (ABRASCA), da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI), da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC), do Instituto de Auditores Independentes do Brasil (IBRACON), da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) e do Conselho Federal de Contabilidade (CFC)”.
[ii] MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 95.
[iii] FERNANDES, Edison Carlos e RIDOLFO NETO, Arthur. Contabilidade Aplicada ao Direito. Saraiva, 2017, p. 55-61.
[iv] 2º Enunciado: Para efeito do disposto no artigo 3º da Lei nº 11.638/2007, não compete às Juntas Comerciais aferir se a sociedade se enquadra como de “grande porte”, diante da exigência legal. (Não exigir comprovação das publicações das demonstrações financeiras, com base no artigo 37, parágrafo único da Lei 8.934/1994).
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