Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini
Na modernidade, período que surge com influência do iluminismo e na medida da consolidação da ideia de Estado, as relações sociais são baseadas na ideia de que as pessoas são autônomas e que por meio da razão (HABERMAS: 2000) é possível influir nas condições naturais e sociais (TOURAINE: 2012). O Estado, baseado na doutrina da separação de poderes, é organizado a partir de funções específicas, dentre elas regular os conflitos sociais. As relações de trabalho e de labor, exatamente nesse período da modernidade que se inicia, com o fim da tradição greco-medieval, são distinguidas por Hannah Arendt (2016)
De um lado, ainda se ancoram classicamente na modernidade as tendências relativas ao direito na sociedade no que diz respeito ao crescimento da matéria jurídica, à especialização e burocratização do aparato jurídico e à aproximação do direito como ciência e sua socialização (REHBINDER:1981). Nesse sentido, o Estado é reconhecido com seu monopólio eficiente para resolução dos conflitos sociais por meio dos instrumentos jurídicos em constante evolução ligados ao Poder Judiciário. As relações de trabalho são cada vez mais complexas, desde o início da revolução industrial, e a modernidade trata de racionalizá-las e dar-lhes previsibilidade.
A tecnologia criada para as relações de trabalho na modernidade refletem a ênfase nas máquinas, na organização das tarefas, na organização do espaço do trabalho e na racionalização dos papéis empregado-empregador. Daí como exemplo temos desde a máquina a vapor, os primeiros processadores da era da computação, a teoria fordiana e a burocracia estatal, com leis, regulamentos e decisões judiciais, que determinam direitos e deveres de empregado e empregador, com suas definições e essências jurídicas.
Todavia já nesse século XXI, vivemos um novo tempo, chamado por uns de crise de modernidade ou por outros de pós modernidade.
Em termos sociais, são descritas as características da sociedade de risco, baseada no reconhecimento do risco cotidiano, no medo, real e inafastável, da vida em sociedade (BECK, 2013). Em sentido próximo, mas caracterizando a reflexividade como elemento cognitivo das pessoas GIDDENS (1995) caracteriza a crise da sociedade hoje a partir das ideias de risco, confiança e reflexividade. HARVEY (1989, p. 45-51) analisa autores, inclusive Foucault inicialmente, para propor a caracterização da pós-modernidade com a fragmentação, o pluralismo e a autenticidade de outras vozes, bem como com o fenômeno do desconstrucionismo sobre o entrelaçamento intertextual com vida própria, levando a um relativismo nas formas de ver o mundo e solucionar conflitos. A própria ideia de solução de conflitos fica relativizada, pois os conflitos não devem existir para serem solucionados, são parte integrante da vida social e da diferenciação na comunicação.
Acerca do significado da Pós-modernidade BAUMAN (1999) traça um comparativo com o Mal-Estar da Civilização de Freud, que apresenta descrição típica da modernidade, para afirmar que a marca da pós-modernidade não é mais a segurança e a ordem, mas a busca da liberdade. Essa busca traz para a sociedade o medo das perdas, que se torna constante. Daí é que emergem ainda mais conflitos sociais, esperando-se novas formas de lidar com essa realidade.
É característica da pós-modernidade a perda da temporalidade e a busca do impacto instantâneo em que se muda a relação das pessoas com o tempo (HARVEY:1989, p. 59).
A ideia moderna das instituições em contraposição ao individualismo atual é recordada por PASQUINO (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO: 2004, p.635): “Esta predisposição e capacidade de fazer funcionar organizações complexas constituem duas características essenciais da modernidade. Note-se que, em geral, a recusa da colaboração implica uma tendência perigosa à desintegração das organizações.” Portanto, percebe-se que a crise enfrentada pelo Estado em toda sua organização fundamental está inserida num contexto de pós-modernidade ou pelo menos numa crise do significado da modernidade. Ainda sobre o individualismo, conforme MABTUM e GUERRA (2018, p. 345): “A sociedade pós moderna possui caraterísticas próprias são exemplos o individualismo e a efemeridade das relações humanas.” Nesse sentido, novamente o paradoxo da sociedade e do indivíduo.
No contexto das relações de trabalho na pós modernidade, vê-se um reflexo das novas relações sociais: o medo, o risco permanente e o relativismo são os elementos da desconstrução dos papéis racionalizados de empregado e de empregador. A liberdade buscada pela sociedade em relação às fórmulas sociais significa liberdade de novas formas de trabalho. O tempo é aquele do impacto instantâneo e as relações de trabalho refletem a ideia de tarefas simples, rápidas, que permitam às pessoas estarem continuamente no tempo presente, afastando o medo e o risco de futuro. E o individualismo social, já que não importam as organizações em si mesmas, reflete no trabalho cada vez mais fruto de uma pessoa, que pode ser substituída por outra, sem preocupação de afetar uma organização, cuja previsibilidade de existência não é segura.
A tecnologia nessas novas relações de trabalho está sendo conduzida para atender a esses anseios sociais: teletrabalho, reuniões on line, comunicações internas de empresas por aplicativo, precarização das relações de emprego.
A tecnologia não parece ser a causa das mudanças sociais, mas ao contrário, ela serve para dar voz ao que a sociedade busca e como ela se vê atualmente, bem como consolidar as novas relações sociais e de trabalho na pós modernidade.
Notas e Referências
BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
BECK, Ulrich Beck, GIDDENS, Anthony e LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 2012.
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco - Rumo a uma Outra Modernidade. 1ª reimpressão. São Paulo: Ed.34, 2013.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. 1. 11 ed. Brasília: UNB, 2004.
HARVEY, David. Condição Pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1989.
MABTUM, Matheus Massaro e GUERRA FILHO, Willis Santiago. A Importância do Tempo e Sentido para a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. Revista Direitos sociais e políticas públicas (unifafibe) . vol. 6 , n. 2 , 2 0 1 8. D i s p o n í v e l e m : www. u n i f a f i b e . c o m . b r / r e v i s t a / i n d e x . p h p / d i r e i t o s - s o c i a i s - p o l i t i c a s - p u b / i n d e x . Acessado em 01 set. 2019.
REHBINDER, Manfred. Sociologia del derecho. Tradução de Gregório Robles Morchón. Madrid: Pirâmide, 1981.
GIDDENS, Anthony. As consequências da Modernidade. São Paulo: UNESP: 2002.
TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. 10. e., Petrópolis: Vozes, 2012.
ARENDT, Hannah. A condição humana. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.
HABERMAS, Jurgen. O discurso filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
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