Caros leitores e leitoras, sem a pretensão de lhes trazer incômodo, mas, desde já ressaltando a pertinência e atualidade da temática, nesta feita buscar-se-á abordar acerca da categoria Sociedade de Consumo, isto, com indispensável enfoque nas relações de Sustentabilidade, na Pós-Modernidade vigente.
Em consulta ao dicionário financeiro encontra-se por definição de consumo, a prática de adquirir bens e serviços. No entanto, qual a importância em se debruçar sobre o tema e entender seus diversos motivos, maneiras de fazê-lo e principalmente, seus resultados atuais e em longo prazo em seu meio? É justamente a pluralidade que o envolve, seu reflexo social e principalmente, as consequências de um consumo insano para o meio ambiente, que o torna digno de indagações e questionamentos.
Percebe-se que o ato de consumir é algo humano. A partir de 1980 (fim da era industrial e início da era da informação) passou-se a despertar interesse sociológico como um tema. Visualiza-se que diversos autores se debruçaram sobre o tema e buscaram responder as indagações que foram surgindo ao analisarem o consumo. Sociólogos, Economistas, Filósofos, pesquisaram e fizeram inúmeras constatações acerca dos efeitos dessa condição.
É interessante observar que, ao se compreender a complexidade da Sustentabilidade, o consumo – inclusive na sua dimensão energética da Natureza, como é o caso da Entropia e Neguentropia – não se dissocia ao desenvolvimento de todas as vidas. No caso dos seres humanos, contudo, o verbo consumir deixou de ser algo meramente fisiológico para se ter caráter industrial e mercantil.
Todos se tornam mercadorias; todos participam – direta ou indiretamente – deste jogo social que aniquila o sentido da dignidade, no seu sentido mais amplo. Consumir, no entanto, se torna vetor de (des) organização social. Tem-se, agora, o Consumismo. Nessa linha de pensamento, Bauman[1] esclarece:
De maneira distinta do consumo, que é basicamente uma característica e uma ocupação dos seres humanos como indivíduos, o consumismo é atributo da sociedade. Para que uma sociedade adquira esse atributo, a capacidade profundamente individual de querer, desejar, e almejar deve ser, tal como a capacidade de trabalho na sociedade de produtores, destacada (“alienada”) dos indivíduos e reciclada/reificada numa força externa que coloca a “sociedade de consumidores” em movimento e a mantém em curso como uma forma específica de convívio humano, enquanto ao mesmo tempo estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de vida que são eficazes e manipula as probabilidades de escolha e condutas individuais.
Dentro desse contexto, há duas pressuposições que buscam incentivar o consumismo. A primeira, como mencionado, se refere à ponte que o ato de consumir gera uma identificação social, aproximando ou afastando, no caso de interesses opostos, os indivíduos que imediatamente consomem desejos produzidos para aquele momento, ou seja, não conseguiram se perguntar o porquê de se querer aquele objeto ou mercadoria.
Além do ato de consumir ser uma necessidade humana, esse serve, ainda, como conexão para intermediar relações e identificar as que compartilham o mesmo direcionamento de consumo, tornando o consumo, portanto, algo essencialmente cultural. Segundo apontamentos de Barbosa[2]:
Todo e qualquer ato de consumo é essencialmente cultural. As atividades mais triviais e cotidianas como comer, beber e se vestir, entre outras, reproduzem e estabelecem mediações entre estruturas de significados e o fluxo da vida social através dos quais identidades, relações e instituições sociais são formadas.
Já a segunda hipótese é fundada na importância do consumo entendido como vetor econômico, tornando a sociedade contemporânea, uma sociedade de consumo. Essa condição significa que o ato de consumir ultrapassou sua função social de subsistência e de suprir necessidades básicas. O desenfreado consumismo, nessa segunda hipótese, gerou indagações nos cientistas sociais que incentivaram, portanto, a pesquisa sociológica de como não existe qualquer possibilidade – econômica, social, jurídica ou política – do consumismo ser o alicerce de qualquer aperfeiçoamento dos laços de socialidade como pressuposto de uma Sustentabilidade social.
A partir desse argumento, percebe-se que o desdobramento do tema se colidiu com os efeitos em seu meio, fazendo com que a questão passasse a ser a sociedade do consumo, não somente o consumo ou a própria sociedade, isoladamente. O resultado desse cenário foi a aparição de complexidades antes não analisadas, bem como uma intensa individualidade egoísta e hedonista, capaz de liquefazer os laços sociais. Conforme discorre Barbosa:[3]
Temas como materialismo, exclusão, individualismo, hedonismo, lassidão moral, falta de autenticidade, desagregação dos laços sociais e decadência foram associados ao consumo desde o início do século XVII e ainda hoje permeiam as discussões, dificultando e misturando conceituação e análise sociológica, com moralidade e crítica social.
Compreendido a extensão e complexidade acerca do tema, precisa-se debater como se amplia esse incentivo à continuidade dessa prática e ainda, os impactos gerais causados em seu meio social e ambiental. Não restam dúvidas de que capitalismo, na sua vertente mercantil, incrementa o consumismo como forma de status, jogo social[4] e “verdade universal[5]” na Pós-Modernidade[6]. Um complementa o outro, sendo essa, a combinação ideal para desconstruções, indo de relações sociais ao meio ambiente.
Émile Durkheim[7], sociólogo francês, denomina “fato patológico” como sendo aquele que prejudica a harmonia social e contrapõe-se da “consciência coletiva”. Nesse caso, e analogamente ao tema, o consumismo pode ser considerado como paradoxo da massificação de uma individualidade egoísta e no “fetichismo da mercadoria”, visão marxista[8], atinge os valores individualistas, provocando a desestruturação social. Isso ocorre de forma automática.
Consumir, ou seja, dar continuidade ao que já foi imposto ao ser humano antes mesmo de ele ter discernimento e poder de escolha, é muito mais conveniente, do que se abster do sistema e afastar-se dele. Sobre essa situação, percebe-se o poder que a Pós-Modernidade tem sobre as relações sociais, tornando-as líquidas, de uma fluidez incomparável e assustadora, enfraquecendo das mais variadas maneiras, os laços sociais construídos.
Os seres que compõem o mundo da vida – dentro da dimensão relacional – não podem ser eliminados por um critério do “ter-mais”, mas como se torna oportuno desenvolver as teias de socialidade junto ao Mundo. Nessa visão, surge como fundamental, as considerações do sociólogo e filósofo polonês Bauman[9]:
Essa forma de "derreter os sólidos" deixava toda a complexa rede de relações sociais no ar - nua, desprotegida, desarmada e exposta, impotente para resistir às regras de ação e aos critérios de racionalidade inspirados pelos negócios, quanto mais para competir efetivamente com eles.
Percebe-se que há questionamentos como, por exemplo: “como ocorre tais fenômenos na pós-modernidade?”, “quais são os mecanismos que se utiliza e de onde vem tamanha influência?” Para respondê-las, utilizam-se primeiramente os estudos de Foucault, especialmente quando discorre sobre o feixe de relações ao poder que não está monopolizado em um local, ou em determinada figura, mas sim, entre todas as relações. Esse poder, mesmo não sendo visível aos olhos, mostra-se deveras influente e com o objetivo de se perpetuar no tempo, ignorando nossa humanidade compartilhada como vetor de esclarecimento sobre o valor fundamental das vidas[10].
Deste modo, atualmente o consumo é um investimento para haver um enquadramento social, distanciando-se, portanto, da punição que o próprio sistema impõe aos que ousam não mostrarem interesse em contribuir. É dessa maneira que a Pós-Modernidade mostra-se fortemente engajada com o sistema capitalista, incentivando o consumo insano, independente da necessidade de sua compra e (infelizmente), sendo esse o maior alvo de discussão no presente trabalho, os danos ambientais e o comprometimento com as presentes e futuras gerações, oriundas da Sociedade de Consumo.
Por concluinte, observa-se que a Sociedade de Consumo possui acentuado impacto na perda de significado da matriz ecológica da Sustentabilidade ao querer tornar a cadeia vital líquida pelo seu valor utilitário e mercantil, como se pode identificar pela obsolescência planejada[11].
Nota-se que o princípio do consumo sustentável remonta inclusive a ideia de participação popular, formando uma Cidadania Ecológica[12], pois a atuação política do indivíduo em prol de hábitos saudáveis de consumo desencadeia um processo de democracia participativa de fato, não há mais lugar para disseminação de padrões insustentáveis atualmente, embora eles estejam cada vez mais frequentes e inevitáveis[13].
Tragicamente o que ocorre talvez despercebido pelo indivíduo, é o fato que nascemos e crescemos com o intuito de progresso fundamentado no consumo e na aquisição de bens, como se a vida somente orbitasse dentro da lógica econômica de acumulação de bens e crescimento – ou progresso - infinito. Nessa linha de pensamento, Lovelock[14] pontua que:
Somos mais de 6 bilhões de indivíduos famintos e vorazes, todos aspirando a um estilo de vida de primeiro mundo, nosso modo de vida urbano avança sobre o domínio da terra viva. Consumimos tanto que ela já não consegue sustentar o mundo familiar e confortável a que nos habituamos.
Pode-se constatar que, a consciência do indivíduo acerca da sua inserção no contexto da natureza, figura-se como indispensável, pois veja, uma vez que este percebe seu locus na sociedade, sendo parte de um todo, presume-se que este não agirá meramente de acordo com sua individualidade egoísta, mas em benefício de toda a coletividade, principalmente no resguardo de nossa “Casa Comum[15]”, a Terra[16].
[1] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 41.
[2] BARBOSA, Livia. Sociedade de Consumo. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 13.
[3] BARBOSA, Livia. Sociedade de Consumo. p. 12.
[4] “O que é preciso compreender desta maneira as relações sociais, em qualquer escala que as consideremos, não é somente uma teoria da comunicação, mas uma teoria dos jogos, que inclua a agonística em seus pressupostos. E já se adivinha que, neste contexto, a novidade requerida não é a simples ‘inovação’. Encontrar-se-á junto a muitos sociólogos matéria com que possa se apoiar este enfoque, sem falar de lingüistas ou filósofos da linguagem”. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 29-31
[5] “[...] o que vale o seu argumento, o que vale a sua prova?”. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. p. 100.
[6] “A notícia da morte da modernidade, [...], foi amplamente exagerada. Pareceu-me que a ‘perspectiva da pós-modernidade’ – que permitiu esquadrilhar as falhas da modernidade e desmascarar muitas de suas proezas como becos sem saída -, longe de se opor à modernidade ou grassar sobre seu túmulo, teve desde o início seu indispensável alter ego: aquela voz inquieta, perpetuamente discordante, que permitiu à modernidade ter sucesso em seu engajamento crítico com a realidade descoberta e com as muitas realidades sedimentadas por esse engajamento”. BAUMAN, Zygmunt. Bauman sobre Bauman: diálogos com Keith Tester. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 87.
[7] DURKHEIM, Emile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo. 2007. Disponível em: <https://ayanrafael.files.wordpress.com/2011/08/durkheim-c3a9-as-regras-do-mc3a9todo-sociolc3b3gico.pdf>. p. 51-75. Acesso em: 18 out. 2017
[8] “[...] os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, como figuras independentes que travam relação umas com as outras e com os homens. Assim se apresentam, no mundo das mercadorias, os produtos da mão humana. A isso eu chamo de fetichismo, que se cola aos produtos do trabalho tão logo eles são produzidos como mercadorias e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias”. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política – livro I. Tradução de Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 148.
[9] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. p. 10.
[10] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis, RJ. 1999. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/121335/mod_resource/content/1/Foucault_Vigiar%20e%20punir%20I%20e%20II.pdf> . Acesso em: 18 out. 2017.
[11] Tal categoria remete-se a ideia de, em nome do capitalismo desenfreado, elabora-se produtos praticamente com data de validade estipulada, ou muito próximo disto. Isto obviamente gera lucros imediatos, mas consequências desastrosas a médio-longo prazo em detrimento de todo o ecossistema. Indaga-se, por conseguinte: ‘’ para onde irão os resíduos sólidos provenientes destes descartes contínuos?’’ A resposta para este problema, é preocupante.
[12] “Se puede avanzar en esa dirección desde diferentes posturas éticas, tanto desde algunas formas de antropocentrismo débil, bajo el pragmatismo, pero en especial desde una perspectiva biocéntrica. Esta última reconoce que la Naturaleza posee valores propios, intrínsecos, que no dependen de las valoraciones o utilidad según el ser humano. Esto implica que la comunidad política, propia de la idea clásica de ciudadanía, se superpone ampliamente con la idea de una comunidad moral. Ideas como la de florestanía permiten incorporar una perspectiva biocéntrica, aunque el caso actual más destacado es la ya mencionada nueva constitución ecuatoriana, donde se reconocen derechos propios en la Naturaleza, la que incluso aparece bajo la concepción alterna de Pachamama [...]. En el caso ecuatoriano coexistirían una ciudadanía ambiental junto a elementos para una nueva meta-ciudadanía ecológica. La postura biocéntrica también sirve como fuente de obligaciones y responsabilidades, tanto frente al resto de la sociedad, como también ante la Naturaleza, y desde allí abordar nuevas estrategias de justicia ambiental”. GUDYNAS, Eduardo. Cidadania ambiental e metacidadanias ecológicas: revisão e alternativas na América Latina. Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, [S.l.], v. 19, dez. 2009. ISSN 2176-9109. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/made/article/view/13954>. Acesso em: 03 out. 2017.
[13] FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.131
[14] LOVELOCK, James. A vingança de Gaia. Tradução de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006, p. 20.
[15] “A autêntica epistemologia do cuidado da “Casa Comum”, morada de todos, implica, conforme destaca Francisco, uma correta compreensão do Homem no exercício de sua autonomia e dotado de talentos, bem como de limitações, que demandam uma persistente atitude habitual de reconhecimento acerca da complexidade desta rede de vida interespécies”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de; ZAMBAM, Neuro José. A “Casa Comum”: por uma epistemologia do cuidado e da justiça para a américa latina. Veredas do Direito: Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, Belo Horizonte, v. 14, n. 29, p.110/111, out. 2017. ISSN 21798699. Disponível em: <http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/999/615>. Acesso em: 25 Out. 2017.
[16] BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é o que não é. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 69.
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