Sociedade de consumo. Existem alternativas? – Por Ardala Marta Corso

05/05/2017

Coordenador: Marcos Catalan

A expressão sociedade de consumo aparece pela primeira vez em 1920 e se populariza nos anos de 1950-60, mas seu êxito permanece absoluto em nossos dias. Segundo Gilles Lipovetsky, sua evolução pode ser dividida em três grandes momentos. Na fase I, “era do consumo de massa” que começa por volta de 1880 e termina com a segunda Guerra Mundial, teve início a produção em massa. A fase I inventou o marketing de massa e o consumidor moderno. Criou uma economia baseada em uma infinidade de marcas e transformou o consumidor tradicional em um “consumidor de marcas a ser seduzido e educado especialmente pela publicidade”[1].

Por volta de 1950 se estabelece um novo ciclo das economias de consumo que se constrói ao longo de três décadas pós-guerra. A fase II, marcada por um elevado crescimento econômico, elevação da produtividade e pela extensão da regulação fordista da economia, foi chamada de “sociedade da abundância”[2]. Se na fase I teve início a democratização da compra de bens duráveis, a fase II aperfeiçoou esse processo, pondo a disposição de todos produtos como automóvel, televisão e aparelhos eletrodomésticos.

Este ciclo teve fim nos anos 1970 e é a terceira fase que se apresenta “no palco das sociedades desenvolvidas”, é a fase do hiperconsumo[3]. Quanto mais se consome mais se quer consumir, mas não são as coisas em si mesmas que despertam o desejo do consumidor, mas sim as exigências de prestígio, de reconhecimento e de integração social.

Os consumidores são ávidos por novas atrações e logo se entendiam com aquelas já obtidas. “A maioria dos bens valiosos perde seu brilho e sua atração com rapidez, e se houver atraso eles podem se tornar adequados apenas para o depósito de lixo, antes mesmo de terem sido desfrutados”.  Assim, o advento da sociedade de consumo inaugura a era de “obsolescência embutida” das mercadorias e assinala um aumento espetacular na indústria de remoção do lixo[4].

“Os cidadãos foram reduzidos a condição de consumidores”. Segundo Fátima Portilho, no lugar do cidadão formou-se o consumidor que age centrado em si mesmo, sem preocupação com os efeitos de suas escolhas, não apenas pela ameaça ao ecossistema mas também a outras pessoas. “Passa a ser considerado cidadão apenas quem participa do mercado consumidor”[5].

O trabalho assume um novo significado, de modo que sua função principal passa a ser viabilizar o consumo. Assim, “o consumo torna o homem escravo do trabalho e do dinheiro para se inserir na “sociedade de consumo” em que ele se reconhece nos produtos oferecidos e é reconhecido pelos produtos que consome”[6].

A vitória do consumo tem como consequências a exploração de seres humanos, a concentração de riqueza, a exclusão social e a degradação ambiental. Fatima Portilho aponta que a vitória do consumo levou até mesmo a um retrocesso quanto às conquistas sociais e políticas, quando educação, moradia, saúde e lazer aparecem como se fossem conquistas pessoais e não direitos sociais[7].

Diante deste cenário, surge a questão: existem alternativas? É possível sair da sociedade de consumo?

Uma das respostas à exploração das relações de consumo pode ser o aumento do consumo fora do mercado tradicional, ou ações de protestos e boicotes. Autores como Paul Singer (2010), Ana Paula Grando (2016), Fátima Portilho (2005), Euclides André Mance (2005) apontam o consumo solidário como uma forma de resistência à sociedade de consumo e uma forma de retomada da cidadania do consumidor.

No consumo solidário, segundo Euclides André Mance, as pessoas selecionam produtos e serviços a serem adquiridos, considerando os impactos do seu consumo sobre as cadeias produtivas e sobre os ecossistemas. Ao comprarem diretamente dos produtores ou em lojas e armazéns solidários, os consumidores geram vantagens tanto para si mesmos, quanto para os produtores pela prática do preço justo. O autor aponta que praticar solidariamente o consumo implica selecionar os bens e serviços que atendam nossas necessidades visando “a) realizar o nosso livre bem-viver pessoal; b) promover o bem-viver dos trabalhadores que elaboram e comercializam aquele produto ou serviço; c) manter o equilíbrio dinâmico dos ecossistemas.”[8]

O consumo solidário não é apenas a reinvenção da forma de consumo, é também a reinvenção dos sujeitos. O consumidor deve tornar-se responsável por aquilo que consome, pois ao comprarmos um produto elaborado através da exploração de seres humanos, somos corresponsáveis por aquela exploração. O fato de termos o poder de compra e decisão e de escolhermos ou priorizarmos produtos fabricados de forma solidária já é um grande passo, pois, assim, incentivamos e instigamos o apoio a este modelo alternativo de produção[9].

Benjamin Barber ressalta que resistir ao capitalismo de consumo, ou muda-lo é difícil, porque ele cria uma ilusão de liberdade privada que resulta numa coerção invisível. Entretanto, a resistência, segundo ele, é possível: “depende de uma estratégia de democratização cujo protagonista é o cidadão reenergizado que tem como objetivo enfrentar os desafios apresentados pelo declínio do capitalismo na direção do consumismo materialista.”

Nesse sentido, o autor aponta que o consumidor deve usar o seu poder de boicotar, que está disponível “para qualquer minoria forte que queira defender um argumento político usando o bolso, seja seu objetivo legitimado ou não.” “O desafio é demonstrar, que como consumidores, podemos saber o que queremos e querer apenas o que precisamos.”[10].

Mas a questão que fica:  estamos todos dispostos a abrir mão de preço, conforto, facilidade de compra para sermos agentes ativos nesse processo e não mais meros expectadores passivos?


Notas e Referências:

[1] LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal.  Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Tradução: Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 30.

[2] Ibidem, p. 32.

[3] Ibidem, p. 37.

[4] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 45.

[5] PORTILHO, Fátima. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, 2005, p. 5. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cebape/v3n3/v3n3a05. Acesso em: 01/05/2017.

[6] GRANDO, Ana Paula. “Consumo, logo existo”: os sentidos do consumo na economia solidária. Arquivos Brasileiros de Psicologia. v. 68, n. 2, 2016. Disponível em: http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/709. Acesso em 01/05/2017.

[7] PORTILHO, Fátima. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, 2005, p. 5. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cebape/v3n3/v3n3a05. Acesso em: 01/05/2017.

[8] MANCE, Euclides André. A Revolução das Redes de Colaboração Solidária, 2005. Disponível em: http://www.solidarius.com.br/mance/biblioteca/A_Revolucao_das_Redes_de_Colaboracao_Solidaria.pdf. Acesso em: 01/05/2017.

[9] GRANDO, Ana Paula. “Consumo, logo existo”: os sentidos do consumo na economia solidária. Arquivos Brasileiros de Psicologia. v. 68, n. 2, 2016. Disponível em: http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/709. Acesso em 01/05/2017.

[10] BARBER, Benjamin R. Consumido. Como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Tradução: Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009, p. 327.


 

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