Sobre petições e Schopenhauer

19/12/2015

Por Luccas Tartuce - 19/12/2015

Nunca pensei que a leitura me traria problemas, até conhecer as aulas de prática jurídica, nas quais os alunos aprendem a peticionar, ou seja, conversar com o magistrado e as partes envolvidas no processo através da escrita. Desde novo procuro seguir o conselho de Churchill: "das palavras, a mais simples, das mais simples, a menor". Mas no mundo jurídico optam pelo oposto, quanto mais rebuscada e incompreensível for a frase, melhor. Não escrevem para convencer, mas para impressionar.

Logo nas primeiras aulas tentei “Isto posto, solicita a defesa que”, mas logo fui corrigido pelo meu amigo, já versado nas artes da escrita jurídica: “Outrossim, com arrimo no que fora externado, a partir da testilha processual em questão, pleiteia dignamente a defesa, que o nobre magistrado”

Perguntei se ele tinha percebido que havia escrito exatamente a mesma coisa, só que usando o triplo de palavras, e apesar de concordar comigo, achando aquilo totalmente desnecessário, ele diz que tem que ser assim mesmo, que nem exagerou, “tem gente pior”. Para minha surpresa, o professor não comentou sobre e até nos deu uma excelente nota, confirmando sua justificativa. Tem que ser assim mesmo...

Mas porquê? Não percebem que esse estilo pomposo e exagerado vai contra o maior objetivo do advogado? A clareza é essencial para o convencimento. Mesmo os estudiosos que dominam a língua encontram dificuldades em frases como essas:

“O alcândor Conselho Especial de Justiça, na sua postura irrepreensível, foi correto e acendrado em seu decisório. É certo que o Ministério Público tem o seu lambel largo no exercício do poder de denunciar. Mas nenhum labéu o levaria a pouso cinéreo se houvesse acolitado o pronunciamento absolutório dos nobres alvarizes de primeira instância”.

“O vetusto vernáculo manejado no âmbito dos excelsos pretórios, inaugurado a partir da peça ab ovo, contaminando as súplicas do petitório, não repercute na cognoscência dos freqüentadores do átrio forense”.

Imagine você, advogado, que, o juiz após um dia cansativo onde analisou outros tantos processos, se depare com semelhante obra gramatical, você realmente acredita que ele vai reler várias vezes tentando entender o sentido (se é que isto tem sentido), ou ignorar seu brilhante trecho? Se a pergunta parecer pretenciosa vinda de um mero estudante, justifique-a com Schopenhauer:

"A obscuridade e a falta de clareza da expressão são sempre um péssimo sinal. Pois em noventa e nove por cento dos casos elas se baseiam na falta de clareza do pensamento, que por sua vez resulta quase sempre de um equívoco, uma inconsistência e incorreção mais originais"

Em A Arte de Escrever, Schopenhauer critica os eruditos alemães de sua época que viviam situação semelhante à atual fase dos juristas brasileiros: o uso exagerado de termos complexos e enrolações sem sentido para mascarar a falta de conteúdo.

"Enquanto isso, a resignação alemã se acostumou a ler amontoados de palavras daquele tipo, página por página, sem saber direito o que o escritor realmente quer dizer. As pessoas acreditam que as coisas devem ser assim mesmo e não chegam a descobrir que ele escreve apenas por escrever."

O filosofo nos dá o seguinte exemplo:

"A próxima publicação de nossa editora: fisiologia científica teórico-prática, patologia e terapia dos fenômenos pneumáticos denominados flatulências, que são apresentados de maneira sistemática em suas relações orgânicas e causais, de acordo com seu modo de ser, como também com todos os fatores genéticos condicionantes, externos e internos, em toda a plenitude de suas manifestações e atuações, tanto para a consciência humana em geral quanto para a consciência científica - Uma versão livre da obra francesa L'art de Péte (A Arte de Peidar)."

Apesar de cômico, o trecho não é diferente de muitas petições por aí. Criou-se o mito de que para ser respeitado, o advogado deve escrever e falar de maneira complexa, o que, no melhor dos eufemismos, não passa de uma idiotice. O advogado deve ser respeitado por sua capacidade de convencimento, que está diretamente ligada com a clareza de seus argumentos.

"Não há nada mais fácil do que escrever de tal maneira que ninguém entenda; em compensação, nada mais difícil do que expressar pensamentos significativos de modo que todos os compreendam. (…) A simplicidade sempre foi uma marca não só da verdade, mas também do gênio."

Escrever de uma forma simples e agradável aos olhos do leitor não é sinônimo de coloquialismo. Há de se respeitar as formalidades próprias do meio, mas sem a necessidade de transformar sua peça em um poema vitoriano. Basta certa habilidade e bom senso para, ao mesmo tempo, ser simples e mostrar a classe digna do meio jurídico.

"A primeira condição de quem escreve é não aborrecer" – Machado de Assis.


Luccas Tartuce

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Luccas Tartuce é Bacharelando em Direito pela PUC-GO. Futuro advogado criminalista. Apaixonado por literatura e Membro do Instituto Paramaçonico de Estudos e Pesquisa. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Ley // Foto de: Daniel Lobo // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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