Sobre mulheres, rock e algo mais

19/08/2018

Coluna Direito e Rock / Coordenador Germano Schwartz

Quando pensamos em bandas e cantores de rock, quantos deles não são homens? Perguntado de outra forma: quantas bandas de rock são formadas ou possuem integrantes mulheres? E quantas cantoras de rock conhecemos e admiramos? Poucas, em relação aos homens.

O site Audio Video Revolution, que faz avaliação e venda de equipamentos de áudio e vídeo de alta-definição, elaborou uma lista com as 100 maiores bandas da história do rock[1], baseada em fatores como número de álbuns vendidos, habilidade com os instrumentos, inovação, performance ao vivo e consistência durante a carreira. O resultado: uma massiva composição masculina. Poucas bandas com alguma integrante feminina, a exemplo de Janis Joplin and Big Brother and the Holding Company, da banda The Velvet Underground com a integrante Christa Päffgen, mais conhecida pelo pseudônimo Nico e Black Eyed Peas, da qual faz parte a cantora Fergie.

Mas essa discrepância de gênero não é identificada apenas no rock, ela também é constatada em outras artes como na literatura, no cinema, nas artes plásticas, etc. Uma pesquisa realizada pela Revista Bula revelou quais os 50 melhores livros da história da literatura e, adivinhem? Nenhum foi escrito por uma mulher[2]. No cinema, podemos lembrar as discrepâncias entre os salários pagos para atores e atrizes que protagonizam os mesmos filmes em Hollywood, a exemplo do ator Mark Wahlberg, que recebeu 1.500 vezes mais do que sua colega Michelle Williams para filmarem cenas do filme “Todo o dinheiro do mundo”[3] ou da atriz Natalie Portman, vencedora em 2011 do Oscar de melhor atriz pela interpretação em “Cisne negro”, mas que no filme “Sexo Sem Compromisso”, lançado no mesmo ano de 2011, recebeu três vezes menos que seu companheiro de cena, Ashton Kutcher[4].

Quando tratamos de situações que não envolvem gênero ou, pelo menos, não deveriam envolver, como é o caso das bandas de rock e das artes em geral, porque relacionadas com capacidades humanas da qual são dotados indistintamente homens e mulheres, verificamos um número infinitamente maior de homens de sucesso: eles dominam a lista de melhores bandas de rock, são os autores dos livros elencados como os melhores da literatura e ganham os maiores salários no cinema em comparação com as atrizes.

Migrando das artes para a política, a lógica da predominância masculina se mantém. Nas eleições de 2014, dos 513 cargos de deputado federal, 51 foram ocupados por mulheres e apenas 5 dos 27 parlamentares do senado federal são mulheres. A representatividade masculina é ainda mais acentuada em cargos de poder: atualmente, todos os integrantes da mesa do congresso nacional são homens[5].

Tamanha discrepância leva ao paradoxo de, mesmo em assuntos eminentemente femininos, como no caso da gestação, mais uma vez, termos maioria masculina em cena.

No dia 8 de novembro de 2017 a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou, por 18 votos a 1, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 181, que proíbe todas as formas de aborto no Brasil, como consequência da modificação do conceito de inviolabilidade da vida previsto na Constituição Federal, que passaria a vigorar desde a concepção e não a partir do nascimento, como é hoje. Os 17 votos favoráveis à PEC foram de homens, o único voto contrário foi da única mulher, a deputada Eika Kokay (PT-DF).

Na última semana o tema aborto voltou à mídia e às redes sociais porque nos dias 3 e 6 de agosto foi realizada audiência pública pelo Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de subsidiar o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade e que questiona os artigos 124[6] e 126[7] do Código Penal. O debate está relacionado à descriminalização da interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação.

Na audiência pública, mais uma vez, encontramos um número significativo de homens. A lista de expositores e expositoras divulgada pelo STF[8] é formada por 42 mulheres e 20 homens, significa dizer que cerca de 67% das manifestações foram feitas por mulheres e, aproximadamente, 32% por homens.

Ao mesmo tempo que verificamos muitos homens opinando e decidindo sobre o corpo das mulheres, sobre a possibilidade ou não de ela – e somente ela – levar adiante uma gestação indesejada, sendo o principal argumento a preservação e o respeito à vida do feto, o Brasil registra um dado assustador: 5,5 milhões de crianças não possuem o nome do pai em seus registros, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011[9]. Essa multidão de crianças sequer possui o nome dos seus genitores na certidão de nascimento, sendo difícil imaginar que esses pais façam parte da vida dessas crianças e que tenham assumido a responsabilidade da paternidade, a responsabilidade por gerar uma vida e o dever de tomar conta dela.

Trazidos os dados, qual seria a explicação para a pouca inserção feminina nas artes e na política? Seriam séculos de opressão, que impediram as mulheres de assumirem seus talentos e posições de destaque na sociedade? Ou será que artes e política são temas desinteressantes para as mulheres? É coerente manter o domínio masculino em temas eminentemente femininos?

Reflitamos. E sugerimos para tanto a música “You Don't Own Me” de Joan Jett conhecida como a Rainha do Rock e nomeada em 2003 pela revista Rolling Stone a 67ª melhor guitarrista de todos os tempos[10] porque, sim, é possível, conjugar rock, mulheres e muito mais.

You don't own me

I'm not just one of your many toys

You don't own me

Don't say I can't go with other boys

 

Don't tell me what to do

Don't tell me what to say

An' please, when I go out with you

Don't put me on display

 

You don't own me

Don't try to change me in anyway

You don't own me

Don't tie me down 'cause I'll never stay

 

I don't tell you what to say

I don't tell you what to do

So just let me be myself

That's all I ask of you

 

I'm young and I love to be young

I'm free and I love to be free

To live my life the way I want

To say and do whatever I please

 

Notas e Referências

[1] Disponível em:<http://wp.clicrbs.com.br/atlantidapassofundo/2011/07/07/especialistas-escolhem-as-100-maiores-bandas-da-historia/?topo=52,1,1,,224,e224>. Acesso em 11 ago. 2018.

[2] Disponível em:<https://www.revistabula.com/7802-os-melhores-livros-da-historia-da-literatura/>. Acesso em 11 ago. 2018.

[3] Disponível em:<https://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/diferenca-salarial-entre-ator-e-atriz-gera-alvoroco-em-hollywood/>.  Acesso em 11 ago. 2018.

[4] Disponível em:<http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-126959/>. Acesso em 11 ago. 2018.

[5] Disponível em:<https://www.congressonacional.leg.br/parlamentares/em-exercicio>. Acesso em 11 ago. 2018.

[6] Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

        Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

        Pena - detenção, de um a três anos.

[7]   Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

        Pena - reclusão, de um a quatro anos.

[8] Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADPF%24%2ESCLA%2E+E+442%2ENUME%2E%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/gkw45bn>. Acesso em 11 ago. 2018.

[9] Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques//arquivo/2015/04/b550153d316d6948b61dfbf7c07f13ea.pdf>. Acesso em 11 ago. 2018.

[10] Disponível em: <https://www.rollingstone.com/music/music-lists/100-greatest-guitarists-david-frickes-picks-146383/>. Acesso em 11 ago. 2018.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Melody // Foto de: Marina del Castell // Sem alterações

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