Recentemente, um grupo de intelectuais e pesquisadores de diversas instituições ao redor do mundo lançaram uma carta de apoio à soberania digital brasileira. Essa carta, assinada por diversos pesquisadores ligados ao tema das novas tecnologias, manifestava sua preocupação com os ataques por parte das Big Techs contra o esforço brasileiro em cumprir uma agenda de buscar a independência digital. Entre os fundamentos da manifestação estão os ataques perpetrados pelo proprietário da rede social X, Elon Musk, e vários líderes de direita e extrema direita que reclamam uma falsa liberdade de expressão após a decisão do Supremo Tribunal Federal, que baniu a plataforma do ciberespaço brasileiro após o descumprimento reiterado de decisões que suspendiam contas que eram utilizadas por extremistas.
Logo após a decisão do Supremo Tribunal Federal, o governo brasileiro teria deixado clara a necessidade de instituição de uma política que busca a independência digital, com a diminuição da dependência do país de entidades estrangeiras para o manejo de dados, infraestrutura digital e capacidades de Inteligência Artificial. Dessa forma, a plataforma X e outros atores teriam se organizado para minar as iniciativas tecnológicas. Desse modo, a Carta busca alertar para o fato de que o Brasil se tornou o centro do conflito entre corporações digitais e aqueles que buscam construir um cenário digital democrático. Reconhecendo que existem interesses financeiros em questão, o documento repudia as iniciativas das Big Techs e enaltece o compromisso brasileiro com a implementação de uma agenda digital como mecanismo para a recuperação da soberania digital e a efetivação dos direitos fundamentais dentro do compromisso de construção de um espaço democrático.[1]
À luz desses acontecimentos, esse é um momento chave para se pensar a relação entre constitucionalismo e democracia no ciberespaço e as tensões entre o Estado e as Big Techs, assim como a proteção dos direitos fundamentais, sejam eles normativamente específicos como a proteção de dados e o acesso à internet ou a leitura adequada dos direitos fundamentais como a liberdade de expressão[2]. Esses temas atravessam a preocupação dos autores e pesquisadores da Carta Pública, mas também à sociedade como um todo, especialmente aqueles países que, como o Brasil, têm enfrentado ataques das megacorporações tecnológicas como uma espécie de teste de limites da governança e da regulamentação estatal nos espaços digitais.
Na perspectiva de muitos autores que trabalham o tema daquilo que se convenciona denominar de constitucionalismo digital ou, mais especificamente, como o a limitação do exercício de poder no ambiente digital que produz uma necessária constitucionalização do ambiente digital enquanto processo de produção de normas para a proteção dos direitos fundamentais e o equilíbrio dos poderes no ambiente digital,[3] o mecanismo de regulação do ciberespaço é uma teia complexa que envolve fragmentos constitucionais.[4]Em uma sociedade fragmentada em muitos espaços sociais, os autores têm alertado para as normatizações ou constitucionalizações internas aos sistemas funcionais em que a autorregulação e a autoconstituição é a nova realidade do constitucionalismo global.[5]
É dentro da sobreposição de poderes privados das corporações digitais e da existência multifacetária de ordens jurídicas e espaciais diversas que se verifica a tensão entre a soberania estatal e o poder privado das Big Techs. A solução dessa tensão por aqueles que buscam teorizar sobre o constitucionalismo digital é feita, em geral, pela priorização de espaços de governança transnacionais como os órgãos regionais e internacionais, tal como a ONU e a União Europeia, ou instrumentos particulares, tais como mecanismos criados pelas próprias plataformas como os termos de uso, os serviços gerais ou a arbitragem realizada pela ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers).
Esses modelos de solução da tensão entre a soberania estatal e os interesses das Big Techs fazem ruir a própria ideia de constitucionalismo, além de esvaziar o próprio sentido de e da Constituição no ambiente digital. Sob esse aspecto, a crítica de André Karam Trindade e Amanda Antonelo, para quem o “constitucionalismo digital não compartilha da mesma ancoragem que o constitucionalismo analógico [...] e tampouco possui propósito semelhante, porém incorpora sua linguagem e algumas de suas categorias, convenientemente, com a finalidade espúria de legitimar o domínio que as grandes empresas de tecnologia exercem na sociedade digitalizada. Portanto, sob uma perspectiva crítica, é possível sustentar que a expressão constitucionalismo digital contém uma incoerência gramatical: é o constitucionalismo que vem empregado para “qualificar” o digital, e não o contrário”.[6] Ou seja, a ideia de constitucionalismo digital, tal como vem sendo debatida e realizada por parte da doutrina, tende a conferir proeminência ao digital em detrimento ao constitucionalismo. Isto é, uma corrente que tenta, de certa forma, propor uma espécie de constitucionalismo sem constitucionalismo ao propor um conceito de Constituição e de ordem jurídica sem força institucional dotada de supremacia ao delegar às plataformas privadas os mecanismos regulatórios no ambiente digital.
Ou seja, o significado de constitucionalismo digital, ao menos na forma como empregada por alguns autores, é problemático. Em certa dimensão, o termo é usado para advogar a necessidade de um “outro” constitucionalismo que suplante o constitucionalismo moderno, com os perigos que isso representa para a liberdade e para a igualdade. Na verdade, o uso dessa expressão ainda não encontra um fundamento comum e, em alguns espaços, é mobilizado estrategicamente como forma de evitar a regulação estatal, político-democrática.[7]
Esse enfraquecimento da soberania estatal, sem dúvida, é um mecanismo ideológico mobilizado por certos atores do mercado digital, sobretudo as grandes corporações tecnológicas sediadas em sua grande maioria nos Estados Unidos, a fim de escamotear os reais interesses econômico-financeiros dessas corporações no controle da regulação. Em suma, há um risco de esvaziamento do sentido da própria Constituição e do constitucionalismo, assim como a perda do seu sentido histórico-normativo quando se submete o constitucionalismo à ideia de aurregulação, a serviço da lex mercatoria que rege os interesses privados do capitalismo.[8]
Embora existem outros sistemas de produção do direito, é inegável que o Estado ainda é o foco fundamental da reprodução da ordem normativa mundial.[9] De uma certa maneira, a Carta Pública dos intelectuais a favor da soberania digital brasileira é uma afirmação da existência de forte disputa entre as Big Techs e os Estados nacionais e é também um convite à reflexão sobre os interesses econômicos dessas corporações que permeiam a disputa pelo controle regulatório no ambiente digital.
Essa Carta foi publicada após o embate que opôs, de um lado, a rede social X e os interesses econômicos e políticos de seu proprietário Elon Musk, e, de outro lado, o Supremo Tribunal Federal na defesa da Constituição e da democracia brasileiras. A questão subjacente era o reiterado descumprimento de decisões do STF por parte da rede social. Vários indivíduos – inclusive foragidos da justiça - utilizavam contas criadas nessa plataforma e contas de familiares para ameaçar e coagir Delegados da Polícia Federal que atuavam em investigação que os envolvia. Para tanto, esses indivíduos divulgavam fotos até de familiares das autoridades policiais, inclusive de crianças. Repetimos, crianças. O Ministro Alexandre de Moraes determinou, então, que a empresa X procedesse ao bloqueio dessas contas, inclusive suas monetizações, sob pena de multa diária. Tal decisão foi comunicada por e-mail da plataforma, após tentativas de intimação do representante legal da empresa no Brasil.
Em clara afronta à jurisdição brasileira, o acionista majoritário Elon Musk anunciou que não cumpriria a decisão e que extinguiria a filial no Brasil. Diante disso, a decisão do Ministro Alexandre de Moraes assentou corretamente, em primeiro lugar, os princípios que regem o uso da internet e das redes sociais no Brasil estabelecidos pela Lei 12.965/2014 (Lei do Marco Civil da Internet). O art. 2º e 3º da supramencionada legislação estabelece, dentre outros, que o uso da internet tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem assim como a finalidade social da rede, além do respeito à proteção dos dados pessoais, a preservação e garantia de neutralidade da rede, a responsabilização dos agentes, nos termos da lei e, ao lado dessas disposições, o respeito aos direitos humanos e a proteção da privacidade e do consumidor, conforme o art. 7º.
Além de tal disciplina de garantia dos direitos fundamentais, o art. 19 da Lei estabelece a responsabilidade civil do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerados por terceiro, acaso não adotada a medida determinada por ordem judicial. O art. 11, por seu turno, estabelece a possibilidade de requisição de informações sobre eventuais serviços telemáticos dirigido às empresas brasileiras que sejam subsidiárias das empresas estrangeiras. Tal decorre do fato de que qualquer atividade empresarial realizada no território nacional se submete ao ordenamento jurídico.
Na continuidade, a decisão do Ministro Alexandre de Moraes reafirma os pressupostos para o exercício de atividade empresarial no Brasil, segundo os ditames do Código Civil. Em uma breve síntese, mesmo as empresas estrangeiras, isso é, aquelas constituídas fora do país, necessitam de autorização do governo federal para atuarem no país, com expressa determinação de nomeação de representante com poderes para aceitar as exigências da autorização. Esse representante, por seu turno, como forma de submissão da autoridade brasileira deve receber citações pela sociedade. As empresas estrangeiras, portanto, que quiserem atuar no Brasil necessitam de sede no território nacional. Os provedores de internet precisam atender às determinações judiciais. A TWITTER BRASIL REDE DE INFORMAÇÃO LTDA., atual X BRASIL, tinha endereço no Brasil e representantes que aqui atuavam. Ao encerrar suas atividades no Brasil, ainda considerando a sua atitude fraudulenta de se eximir do cumprimento das decisões judiciais, e ainda todo o histórico de afronta ao Poder Judiciário, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, torna sua conduta ilícita.
Na decisão, o Ministro de Alexandre de Moraes faz questão de destacar que o proprietário Elon Musk, em diversas manifestações de agressão à institucionalidade brasileira, confunde liberdade de expressão com liberdade de agressão e censura com proibição constitucional do discurso de ódio. Além de aplicar as multas, a decisão determinou a suspensão imediata do funcionamento do X Brasil Internet Ltda em território nacional, até que todas as ordens judiciais fossem cumpridas, as multas devidamente quitadas e fosse indicado um representante em território nacional. Um dado interessante é que a comunicação da decisão fora realizada por meio da própria plataforma, já que não havia representante e quem recebesse a intimação.[10]
Com a decisão, as operadoras de telefonia, a ANATEL, as empresas como Google e Apple cumpriram a decisão e suspenderam o acesso dos usuários à rede X. O Ministro Alexandre de Moraes submeteu a decisão monocrática à apreciação da 1ª Turma.
O voto do Ministro Flavio Dino, por exemplo, bem lembrou que a soberania nacional é o marco de definição da questão, uma vez que não é possível uma empresa atuar no território de um país e pretender impor sua visão sobre quais regras devam ser válidas ou não.[11]O Ministro Cristiano Zanin, por seu turno, também lembrou que o próprio Marco Civil da Internet prevê como punição a suspensão temporária ou à proibição do exercício de empresas que desrespeitarem as regras ali estabelecidas. Em passagem didática, aderindo o voto do relator, a Ministra Cármen Lúcia esclareceu que “Não se baniu empresa no Brasil na decisão em exame, não se excluiu quem quer que seja de algum serviço que seja legitimamente prestado e usado. Exigiu-se o cumprimento do Direito em benefício de todas as pessoas, por todas as pessoas naturais ou jurídicas, nacionais e não nacionais”.[12]O Ministro Luiz Fux também seguiu o relator com a ressalva de que eventual multa não poderia ser aplicada a terceiros que não participaram do feito. Assim, corretamente e de forma unânime, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal com coerência manteve a decisão que suspendeu o funcionamento em território nacional da empresa estrangeira que detém a plataforma e rede social X enquanto não fosse cumprida as decisões e nomeado representante.
Elon Musk, por seu turno, passou a reclamar de uma suposta censura e de violação à “liberdade de expressão” por parte do Supremo Tribunal Federal[13]. Essa decisão perpassa a discussão sobre a construção do Estado Democrático de Direito em tempos digitais. Ela é simbolicamente um marco para discussão sobre os limites das grandes corporações e sobre a forma pela qual as plataformas digitais de comunicação podem cooptar a liberdade de expressão para destruir a democracia.
Em primeiro lugar, deve-se refletir os impactos que a emergência da internet e das redes sociais realizaram na democracia constitucional. Partindo da concepção habermasiana de que não há Estado de Direito sem democracia radical[14], assim como que as liberdades subjetivas e o exercício intersubjetivo da soberania popular estão coimplicados, a construção do Estado Democrático de Direito perpassa pela autodeterminação de indivíduos livres e iguais que dão a si mesmos a liberdade através da igual distribuição dos direitos subjetivos por meio de participação política[15]. Assim, apenas uma teoria discursiva que gira em torno de política deliberativa pode fazer jus a esta ideia normativa de construção do Estado Democrático de Direito. As exigências democráticas incluem, portanto, a inclusão e participação deliberativa de todos os possíveis afetados pela decisão. Uma livre deliberação exige a discussão durante o procedimento da formação da vontade pública e o fato de que as soluções dos problemas devem ser cognitivamente corretas, cujos fundamentos devem ser assumidos como racionalmente aceitáveis pelos participantes. A formação de uma deliberação livre é um aspecto central da esfera pública.[16]
A esfera pública foi substancialmente transformada pelo advento da internet e de novos instrumentos comunicacionais como as redes sociais. O caráter deliberativo da formação da opinião e da vontade pública é orientado na esfera pela qualidade discursiva da participação e das discussões, e não pelo objetivo de obtenção de consenso. As novas mídias digitais, por exemplo, alteram substancialmente os novos padrões de comunicação. Agora, todos os usuários são potenciais autores de suas comunicações e não precisam passar pela mediação de um trabalho jornalístico, fazendo com que suas comunicações tenham a possibilidade de encontrar milhares de ouvintes. Essas novas mídias, em princípio, pareciam cumprir a promessa da igualdade universal na esfera pública burguesa, na medida em que todos os cidadãos tinham vozes iguais e até mesmo recursos e instrumentos iguais que pudessem mobilizar. No entanto, essa promessa que estava no espírito dos fundadores californianos, se transformou na faceta libertária pela qual as grandes corporações do Vale do Silício pretendem dominar o mundo.[17]
A partir da lógica subjacente de funcionamento dos algoritmos em que as próprias empresas decidem qual, como e onde conteúdo os usuários terão acesso, já não se pode mais dizer que há condições livres para a formação discursiva da esfera pública. Desse modo, as Big Techs podem atuar para provocar distorções no acesso à informação dos usuários.[18] Se, em grande medida, desinformações, boatos e mentiras são comuns à história humana, no ambiente digital atingem uma dimensão qualitativamente na medida em que as próprias empresas podem controlar sua circulação e sua amplificação pelos algoritmos, de acordo com os interesses que os movem.
A dinâmica econômica que move essas empresas é um importante aspecto do seu potencial de destruição democrático. Em primeiro lugar, as redes sociais como Facebook, YouTube, Instagram e X se movem por algoritmos, o que já prejudica a pseudo-neutralidade dessas plataformas. Elas formam, por assim dizer, uma espécie de caixas de ressonância na qual só mostram ao usuário aquilo que é seu mundo da vida, apagando a diversidade. Esse funcionamento responde a uma lógica do capital. É que as suas exponenciais taxas de lucros advêm da exploração dos dados dos próprios usuários.[19] Transformam, assim, o usuário em mercadoria, ao captarem sua atenção e realizarem práticas comerciais dissimuladas de extração e venda de comportamento.[20]Elas utilizam de ferramentas de design comportamental para manipular os indivíduos e manter suas taxas de lucro, oferecendo risco à autonomia privada dos usuários.[21]
O controle sobre os dados dos usuários, aliás, se transforma em instrumento de um colonialismo de dados. Os dados pessoais dos usuários são transferidos para uma outra ordem soberana ou uma outra esfera de jurisdição, onde estão situadas as Big Techs. Essa parte exploradora está submetida, assim, a uma outra ordem de poder e de controle daquele espaço original, o que implica um desafio para a soberania estatal de países que não sediam as empresas de tecnologia.[22]
Como, então, essa lógica capitalista dessas redes sociais pode atuar de forma a corroer a democracia? As caixas de ressonância criadas pelo uso dos algoritmos ou as chamadas “bolhas” atuam para confirmar o mundo da vida do cidadão. Isto é, elas atuam para confirmar e validar o seu próprio pensamento e suas convicções. Se, como diz Habermas, antes a mídia tradicional atuava de forma a intermediar a diversidade de perspectivas de vida, incrementando a intersubjetividade dos cidadãos da esfera pública, agora as novas formas de comunicação pelas mídias digitais transformam o espaço público em esfera privatizada na qual os locais de debate público são transformados e os pensamentos divergentes são dissolvidos na mesmidade.[23]
Com a imperiosidade do mundo digital, e o caráter propriamente contraditório da tecnologia que pode ser um instrumento tanto de maior participação, como um poderoso instrumento autoritário, devemos inverter a relação proposta pelo “constitucionalismo digital” que pensa em como o Estado e o direito e a democracia devem ser adaptar ao novo fenômeno para pensar e indagar como essa esfera digital se adequa ao Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, é o sentido da democracia que deve orientar o tecnológico e não a tecnologia orientar a democracia, sob pena de seu esvaziamento.[24]
No contexto do X, sob a aparência de uma suposta defesa da liberdade de expressão, a organização pretendia impor seus interesses econômicos e ideológicos sobre toda nossa comunidade e sobre nosso Estado Democrático de Direito. Há imensos desafios para as comunidades políticas na regulação dessas empresas, de acordo com o seu próprio contexto. A decisão do Supremo Tribunal Federal pode ser considerada como um ponto de inflexão a partir do qual a mensagem enviada é a de que as Big Techs precisam se adequar à realidade normativa de cada ordenamento jurídico-constitucional. No Brasil, ao contrário do contexto norte-americano, a Constituição brasileira de 1988 estabelece que a comunicação social é um serviço público, sujeito a um regime jurídico específico, na forma dos artigos 220 a 224 e os princípios subjacentes.
Desse modo, a decisão do Supremo Tribunal Federal impôs limites à pretensão autoritária de uma empresa que buscava impor sua vontade à nossa comunidade política. É preciso atentar para o fato de que a “tecnologia”, por si só, não incrementa a democracia, sendo necessária a construção de sua relação com o Estado de acordo com os parâmetros da democracia constitucional, na medida em que pode servir de meio para a circulação massiva de informação e de desinformação do processo deliberativo, minando as bases do nosso compromisso democrático.
Em suma, as reivindicações do X parecem liberdade, mas é só repressão. Parecem democracia, mas é só autoritarismo. Parecem defesa do interesse público, mas é defesa do interesse privado. Parecem defesa de valores morais, mas são só os interesses econômicos.
Durante a redação desse artigo, a plataforma X chegou a burlar a ordem de bloqueio e passou a funcionar por algumas horas. Foi mais uma vez multada pelo Supremo Tribunal Federal. Após, a empresa anunciou uma representante no Brasil e disse que iria cumprir as decisões.
Isso só prova que o discurso da proteção às liberdades é novamente manejado como forma de escamotear os verdadeiros interesses econômicos em jogo[25]. Esse, aliás, é um antigo truque da classe dominante para fazer crer que seus interesses particulares de classe são na verdade fruto da vontade coletiva. Esse velho truque foi desmistificado por Marx como ideologia.
Notas e referências:
[1] A Carta Pública está disponível em: https://capitaldigital.com.br/wp-content/uploads/2024/09/Brazil-Letter-fv_240914_PT.pdf.
[2] Sobre a proteção de dados pessoais e o Direito Econômico, ver BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento, 2 ed. São Paulo: Almedina, 2022, p. 449-466.
[3] Veja-se, assim, CELESTE, Edoardo. Constitucionalismo digital: mapeando a resposta constitucional aos desafios da tecnologia digital. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 15, n. 45, p. 63–91, 2021 e SUZOR, Nicolas. Digital Constitutionalism: Using the Rule of Law to Evaluate the Legitimacy of Governance by Platforms. GigaNet: Global Internet Governance Academic Network, Annual Symposium 2016. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2909889.
[4]TEUBNER, Gunther. Fragmentos constitucionais: constitucionalismo social na globalização. São Paulo: Saraiva, 2016.
[5] TEUBNER, Gunther. Fragmentos constitucionais: constitucionalismo social na globalização. São Paulo: Saraiva, 2016.
[6] TRINDADE, André Karam, ANTONELO, Amanda. Constitucionalismo digital: um convidado (in)esperado. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, vol. 18, n. 1, e4816, janeiro-abril, 2022. p. 16. Disponível em: https://seer.atitus.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/4816.
[7] Alertando para o fato de que não há consenso sobre o significado da expressão, nem sobre as suas principais características: CELESTE, Edoardo. Digital constitutionalism: a new systematic theorisation. International Review of Law, Computers & Technology (2019) 33:1, 76-99. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13600869.2019.1562604.
[8] TRINDADE, André Karam, ANTONELO, Amanda. Constitucionalismo digital: um convidado (in)esperado. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, vol. 18, n. 1, e4816, janeiro-abril, 2022. p. 16. Disponível em: https://seer.atitus.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/4816
[9] NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 34.
[10] A íntegra da decisão disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/08/PET-12404-Assinada.pdf, acesso em 19 de setembro de 2024.
[11] Íntegra do voto: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/09/voto-Dino-bloqueio-X.pdf, acesso em 19 de setembro de 2024.
[12]Íntegra do voto disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/09/6264615.pdf, acesso em 20 de setembro de 2024.
[13] Contrariamente a pretensões abusivas, para o sentido constitucionalmente adequado da liberdade de expressão, ver CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; REPOLÊS, Maria Fernanda Salcedo; e PRATES, Francisco de Castilho. Liberdades Comunicativas, 2 ed. Belo Horizonte: Conhecimento, 2022. E STRECK, Lenio Luiz e CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Liberdade de expressão: levando a história do direito a sério. Conjur, 24 de junho de 2020. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-jun-24/streck-cattoni-levando-historia-direito-serio/
[14] HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democracia. Trad. Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. São Paulo: Unesp, 2020, p. 29.
[15] HABERMAS, Jürgen. Facticidade e validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democracia. Trad. Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. São Paulo: Unesp, 2020, p. 27-28. Ver também CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Teoria da Constituição, 4 ed. Belo Horizonte: Conhecimento, 2023, p. 65-108.
[16] HABERMAS, Jürgen. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, Volume 39, Issue 4, July 2022, p. 145-171. Ver também a tradução brasileira, HABERMAS, Jürgen. Uma nova mudança estrutural da esfera pública e a política deliberativa. Trad. Denilson Luís Werle. São Paulo: UNESP, 2023, p. 27-81.
[17] HABERMAS, Jürgen. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, Volume 39, Issue 4, July 2022, p. 145-171.
[18] GALINDO, Antonella. Constitucionalismo digital, democracia difusa e esfera pública. Conjur, 22 de setembro de 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-set-18/constitucionalismo-digital-democracia-difusa-e-esfera-publica/.
[19] HABERMAS, Jürgen. Reflections and Hypotheses on a Further Structural Transformation of the Political Public Sphere. Theory, Culture & Society, Volume 39, Issue 4, July 2022, p. 145-171.
[20] ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Trad. George Schlesinger. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.
[21] NUNES, Dierle José Coelho MORATO, Otávio. O uso do design comportamental nas plataformas
tecnológicas e as iniciativas de sua regulamentação: Um estudo do modelo gancho. Justiça do Direito, v. 37, n. 2, p. 207-235, Mai./Ago. 2023. Disponível em: https://www.academia.edu/109677952/O_uso_do_design_comportamental_nas_plataformas_tecnol%C3%B3gicas_e_as_iniciativas_de_sua_regulamenta%C3%A7%C3%A3o_Um_estudo_do_modelo_gancho, acesso em 22 de setembro de 2024.
[22] POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. Estado, soberania digital e tecnologias emergentes: interações entre direito internacional, segurança cibernética e inteligência artificial. Revista de Ciências do Estado, Belo Horizonte, v. 9, n. 1, p. 1–30, 2024. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/revice/article/view/e53066. Acesso em: 22 set. 2024.
[23] PRATES, Francisco. Castilho, CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Desafios ao Estado Democrático de Direito: Populismo Autoritário em tempos digitais. In: Onofre Alves Batista Júnior; Misabel Abreu Machado Derzi; Heleno Taveira Torres; Fernando Facury Scaff. (Org.). Populismo: e o Estado de Direito. 1ed.Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023, v. 1, p. 258-289.
[24] PRATES, Francisco. Castilho, CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Desafios ao Estado Democrático de Direito: Populismo Autoritário em tempos digitais. In: Onofre Alves Batista Júnior; Misabel Abreu Machado Derzi; Heleno Taveira Torres; Fernando Facury Scaff. (Org.). Populismo: e o Estado de Direito. 1ed.Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023, v. 1, p. 258-289.
[25] Cf. BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascenção da política antidemocrática no ocidente. Trad. Mario A. Marino e outros. São Paulo: Editora Filosófica Politheia, 2019. Também, ALVES, Adamo Dias; BACHA E SILVA, Diogo; e CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O poder judiciário e a jurisprudência neoliberal: por uma crítica constitucional à liberdade contra igualdade na ascensão antidemocrática no Brasil. In: Patrícia Perrone Campos Mello e Thomas da Rosa de Bustamante Orgs.). Democracia e resiliência no Brasil: a disputa em torno da Constituição de 1988. Barcelona: Bosch, 2022, p. 263-294.
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