Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
A tecnologia está avançando de forma significativa, isso é fato. Ações que antes pareciam pertencer a uma realidade utópica, hoje realizamos simplesmente tocando em determinado lugar sobre uma tela touchscreen.
Com o avanço da internet, inúmeros estudiosos defendem que estamos diante da quarta fase da Revolução Industrial. Conforme Ártico, “a inovação surge sem pedir licença, entra com um turbilhão de possibilidades e em pouco tempo já faz parte de nossas vidas. Com isso, há uma mudança brusca em diversos segmentos da sociedade”[1] .
No ambiente digital, a sociedade está à beira de uma jornada cheia de dúvidas. Possivelmente por causa de nosso fascínio ingênuo pelas maravilhas tecnológicas, acabamos por abraçar e legitimar novas formas de realizar atos que antes eram consagrados pelos tradicionais sistemas de direitos e garantias reais.
Dentre as mais recentes tecnologias encontra-se o NFT (Non-Fungible Token). Embora tenha surgido em 2017, a valorização real do NFT ocorreu entre 2020 e 2021, quando a moeda crescia exponencialmente no mercado de investimentos. A título de demonstração, estima-se que o patrimônio combinado de todas as transações financeiras relacionadas ao NFT foi de cerca de US$ 12 milhões em dezembro de 2020, e começou a acumular US$ 440 milhões em março de 2021. Inúmeras vantagens do uso dessa ferramenta digital podem ser observadas, como transparência, segurança, facilidade de uso, oportunidades de acesso e uma ampla gama de aplicações[2].
O uso desse ativo digital está crescendo de forma exponencial, uma ferramenta que antes era usada apenas para adquirir itens digitais, como imagens virtuais ou skins em jogos, agora é usada para facilitar a compra e venda de imóveis, mediante à fragmentação de ativos reais sob a forma de frações digitais.
A diferença de adquirir um imóvel mediante a tokenização dá-se pelo fato de que, com a digitalização das propriedades, não há, apenas, a possibilidade de adquirir o token por inteiro, como pode adquirir apenas frações desse, e, sendo assim, terá a propriedade de apenas uma fração daquele imóvel.
Para facilitar a compreensão, a digitalização de um imóvel dá-se da seguinte forma: o imóvel e sua escritura passam a ser ligados a um token criptografado e não fungível (NFT) e que usa como base a tecnologia blockchain. A partir daí, esse NFT passa a ser comercializado. No momento da compra de um NFT, fica registrado que esta pessoa passa a ser proprietária desse token que, consequentemente, é “proprietário” daquele imóvel.
O mercado de digitalização de imóveis no Brasil já está dando seus primeiros passos, no Rio Grande do Sul a startup Netspaces já realizou a digitalização de 100 imóveis localizados em Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), com valor total de R$ 50 milhões, conforme o estoque de propriedades digitais da Netspaces, disponibilizados no Imovelweb e, inicia a preparação de mais 500 propriedades digitais de imóveis adquiridos em carteira, o que deve totalizar R$ 290 milhões em tokens blockchain aplicados ao setor imobiliário nos próximos meses.
Além disso, o Rio Grande do Sul, também, adiantou-se na regulamentação da tokenização junto aos cartórios de registro de imóveis. A Corregedoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul regulamentou a tokenização através do Provimento nº 38/2021[3] .
Apesar de não ser uma legislação integral a respeito da matéria, o provimento citado viabilizou a lavratura de escrituras públicas de permuta de bens imóveis com contrapartida de tokens/criptoativos, devendo atender à algumas condições cumulativas.
Diante disso, nota-se que a facilidade de tornar o sonho da casa própria em realidade, sem que seja necessário efetuar um financiamento, acaba por seduzir todos que percebem essa possibilidade, contudo, a velocidade com que a ciência jurídica acompanha as novas tecnologias é consideravelmente lenta. Importa mencionar que conquanto há casos que deram certo, a matéria precisa ser regulamentada na esfera federal.
Afinal, diante do atual ordenamento jurídico brasileiro, a escritura pública ato é essencial à validade dos negócios jurídicos que objetivem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País, de acordo com o art. 108 do Código Civil, além de exigir, para a transferência da propriedade, o registro da escritura na matrícula do imóvel, sob pena de não ser efetivada.
Notas e referências
[1] BURTET, Tiago M.; TRINDADE, Manoel G.; VECCHIO, Fabricio B. Considerações quanto à possibilidade da tokenização da propriedade imobiliária e dos negócios imobiliários no brasil: Ficção ou realidade? São Paulo: Revista de Direito Notarial, 2021.
[2] WANG, Q. et al. Non-fungible Token (NFT): overview, evaluation, opportunities, and challenges. China: Southern University Of Science And Technology, 2021.
[3] RIO GRANDE DO SUL. Provimento nº 038/2021. Regulamenta a lavratura de escrituras públicas de permuta de bens imóveis com contrapartida de tokens/criptoativos e o respectivo registro imobiliário pelos Serviços Notariais e de Registro do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, 2021.
[1] BURTET, Tiago M.; TRINDADE, Manoel G.; VECCHIO, Fabricio B. Considerações quanto à possibilidade da tokenização da propriedade imobiliária e dos negócios imobiliários no brasil: Ficção ou realidade? São Paulo: Revista de Direito Notarial, 2021.
[2] WANG, Q. et al. Non-fungible Token (NFT): overview, evaluation, opportunities, and challenges. China: Southern University Of Science And Technology, 2021.
[3] RIO GRANDE DO SUL. Provimento nº 038/2021. Regulamenta a lavratura de escrituras públicas de permuta de bens imóveis com contrapartida de tokens/criptoativos e o respectivo registro imobiliário pelos Serviços Notariais e de Registro do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, 2021.
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