Na verdade, trata-se de:
1) Não aceitar que os membros do Ministério Público possam escolher quem vai processar ou não;
2) Não aceitar que um órgão, que não pertence ao Poder Legislativo, possa alterar o sistema previsto no Código de Processo Penal;
3) Não aceitar que se possa ter aplicação e cumprimento de pena, sem condenação judicial através do “devido processo legal”;
4) Não aceitar que o Ministério Público possa desempenhar a atividade da polícia, em desrespeito ao que dispõe a Constituição. Quem exerce a própria atividade de polícia judiciária não pode controlá-la;
5) Não aceitar que o Ministério Público possa selecionar ou escolher o que vai investigar, como se polícia fosse, sem qualquer critério previsto em lei:
6) Não aceitar um amplo poder discricionário em nosso sistema de justiça criminal, permitindo que se negociem restrições de direitos, de natureza penal, sem prévia cominação legal;
7) Não permitir a “flexibilização” do princípio do Promotor Natural, garantia dos indiciados e réus;
8) Não permitir o afastamento do princípio da legalidade em nosso sistema de justiça criminal.
Não tenho dúvida de que esta Resolução vai acabar desmoralizando o Ministério Público, enquanto Instituição.
Se o conhecido acordo de cooperação premiada com a JBS, em nível de Procuradoria Geral da República, já está dando todo este problema, imaginem os acordos em todas as comarcas do interior deste imenso país !!!
Qualquer cidadão estará legitimado a suspeitar destes acordos de não processar este ou aquele investigado … Será que os meus antigos colegas não estão vendo isso ????
Por tudo isso, estou espantado com a omissão da comunidade jurídica em relação à absurda e inconstitucional Resolução n.181/17 do Conselho Nacional do Ministério Público.
Vale a pena repetir e ressaltar que tal resolução permite que um membro do Ministério Público, em todo o território nacional, possa fazer acordos com criminosos para não instaurar o processo penal, mediante certos requisitos e condições.
A Resolução 181 do C.N.M.P. rompe com o princípio da legalidade e com o princípio da separação dos poderes da República, legislando sobre o Direito Processual Penal e tentando derrogar regras do Cod.Proc.Penal.
Tal resolução consagra a discricionariedade em nosso sistema de justiça criminal e afasta o Poder Judiciário de sua função jurisdicional, admitindo a violação ao princípio “nulla poena sine judicio”.
Julgo que o nefasto e equivocado espírito corporativista de nossas instituições e os egoísticos interesses profissionais estão calando os operadores do Direito.
Acho que está faltando a indispensável boa-fé. Acho que está faltando o indispensável compromisso com a ética.
Destarte, convoco os membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, da Defensoria Pública e os Advogados em geral a se manifestarem sobre esta ruptura do nosso combalido Estado de Direito Democrático.
Por outro lado, é um grande equívoco classificar um crime como grave ou não pelo eventual dano que ele possa causar à vítima.
Há crimes graves que podem não causar dano patrimonial aos ofendidos como, por exemplo: falsificação de documento, uso de documento falso, violação de sepultura, conjunção carnal ou ato libidinoso mediante fraude, tráfico internacional de pessoas, tráfico de armas, bigamia, registro de nascimento inexistente, tráfico de entorpecentes, denunciação caluniosa, corrupção ativa de testemunha, crime de epidemia, envenenamento de água potável, crime de organização criminosa etc., etc. etc.
Importante notar que pode haver crimes de perigo (sem danos materiais) e de mera conduta com penas altas, segundo dispuser o legislador.
O Direito Penal cuida também da tutela de bens jurídicos que não têm expressão patrimonial. O Direito Penal se preocupa não só com o desvalor do resultado, mas também com o desvalor da conduta.
De qualquer forma, o defeito mais grave da Resolução é tentar “legislar” sobre Direito Processual Penal, subtraindo a competência do Congresso Nacional.
Ratificando todas as críticas que fizemos acima, apresentamos algumas indagações, pois a Resolução só permite o prêmio de “não denunciar” se o dano não for superior a 20 salários mínimos:
1) se o crime não causar dano patrimonial à vítima, a Resolução permitiria a “não denúncia”???
2) se o crime causar um dano não expresso em dinheiro, temos uma perícia para estimar o prejuízo da vítima? Quem fará a perícia e qual o seu procedimento?
3) mesmo que se trate de dano expresso em dinheiro, quem decidirá o quanto é sua extensão, com juros, correções e demais questões monetárias?
4) havendo concurso material, concurso formal ou crime continuado, os danos serão somados? E se forem vítimas distintas?
5) a vítima pode entender que o seu dano foi maior e ingressar com a ação penal privada subsidiária da pública?
6) como o Poder Judiciário irá controlar todas estas questões, se o juiz só vai tomar conhecimento de tudo isto ao final do cumprimento da pena negociada com o Ministério Público, no momento do arquivamento dos autos do procedimento de investigação criminal?
Entretanto, a questão maior é mesmo a violação do princípio da separação dos poderes da nossa república, pois uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público não pode derrogar regras processuais penais, constantes dos atuais Código de Processo Penal, do Código de Processo Penal Militar e do Código Eleitoral.
Claramente, o C.N.M.P. está subtraindo a competência do Congresso Nacional.
Esta nefasta resolução é absolutamente inconstitucional, lacunosa e carente de técnica, violadora do nosso sistema processual.
O artigo 18 da referida resolução pretende derrogar a legislação em vigor, pois cria uma verdadeira “transação penal”, semelhante à prevista na lei n.9.099/95, com tratamento diferente, principalmente ao:
1) Permitir que o Ministério Público negocie o não oferecimento da sua denúncia em face de QUALQUER CRIME, desde que não haja violência ou grave ameaça e não tenha o delito causado danos superiores a vinte salários mínimos;
2) Prever o cumprimento de penas restritivas de direitos e outras negociadas, independentemente de sentença penal condenatória.
Até parece que o Ministério Público quer se tornar mesmo em um verdadeiro quarto poder da nossa República, pois afasta a atuação do Poder Judiciário e, desde logo, administrativamente, negocia com o autor do delito o cumprimento de sua sanção penal.
Causa até surpresa que o Ministério Público Federal deseje combater a corrupção, arquivando investigações de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Basta que o criminoso confesse e aceite uma sanção negociada!!! Aqui não há sequer promessa de cooperação para que se investiguem outros crimes ou partícipes do crime investigado.
Desta forma, a danosa Resolução não trata de acordo de cooperação premiada, mas sim acordo sobre penas irrisórias e sem processo (sic) !!!
Tudo isso, sem lei formal aprovada pelo Congresso Nacional, tudo isso, ao arrepio do sistema processual já legislado.
Note que a Constituição Federal só permitiu a transação penal para infrações de pequeno potencial ofensivo (art.98, inc.I), assim mesmo apenas perante o Poder Judiciário, conforme disposto na conhecida lei n.9099/95.
O que a população pensará, caso um Procurador da República ou um Promotor de Justiça opte por denunciar o Manoel e arquivar a investigação de João, cabível a instauração do processo contra ambos ???
Este quase incontrolável poder discricionário vai desmoralizar o Ministério Público e macular o nosso Estado de Direito.
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