Senado Aprova PLC 101/2015: Quem são os verdadeiros terroristas?

05/11/2015

Por Jefferson de Carvalho Gomes - 05/11/2015

É com pesar que a comunidade jurídica recebe nesta noite a notícia[1] que o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei da Câmara 101/2015 que tipifica o crime de terrorismo. Segundo o projeto, considerar-se-á terrorismo atos que atentem contra pessoa, mediante violência ou grave ameaça, motivado por extremismo político, intolerância religiosa ou preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo, com o objetivo de criar pânico generalizado (os grifos são nossos). E, para surpresa/tristeza maior ainda, o próprio Senado fez uma alteração no texto oriundo da Câmara dos Deputados para considerar ainda terrorismo o extremismo político qualquer ato que atentar gravemente contra a estabilidade do Estado Democrático, com o fim de subverter o funcionamento de suas instituições (grifos também nossos).

Penso ser necessária uma breve análise do contexto que levou a criação desta nova lei, antes de chegarmos ao ponto central deste escrito. Desde os atentados ao World Trade Center em 2001, o mundo (leia-se Estados Unidos) vem em uma grande cruzada contra o terror. Primeiro na era Bush, invadiram o Iraque e aniquilaram Saddam Hussein, sob o pretexto que lá haviam guardadas armas que poderiam colocar a soberania norte americana em xeque. Nada foi encontrado a não ser grandes poços de petróleo que muito provavelmente geraram algum lucro para os yankees. Neste ínterim Bush também começou uma cruzada mortal contra Osama Bin Laden, varrendo o Afeganistão, matando milhares de pessoas, passando o bastão para o seu sucessor Obama, que diz ter então matado o “inimigo do mundo” em maio de 2011 no Paquistão. Vale lembrar também que neste tempo ocorreram alguns atentados na Europa sendo os mais relevantes a explosão de trens em Madrid em 2004, ataques aos transportes públicos em Londres em 2005 (ataques estes que mais tarde levariam a Scotland Yard a matar o brasileiro Jean Charles por este ter um “estereótipo” de terrorista) e fora os outros atentados  que ocorreram em países do Oriente Médio e Sudeste Asiático e por último, um que teve grande relevância no início neste ano que foi o ataque ao jornal francês Charlie Hebdo. Importante também apontar a crescente escalada do Estado Islâmico e a crise na Síria. Acho importante estes apontamentos para dizer que, via de regra, no Brasil até o presente momento não haveria em suma uma necessidade para a criação de uma lei antiterrorismo, uma vez que este tipo de crime não é comum nesta quadra do mundo. Porém, em função dos grandes eventos esportivos que nosso país tem recebido como a Copa do Mundo em 2015 e as Olimpíadas que estão por vir no próximo ano fez com que o Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro) começasse a pressionar o Brasil para uma criação de legislação específica contra o terrorismo sob pena de até sanções econômicas ao Brasil em caso de não criação de tal lei. Ou seja, nosso país se curva à uma pressão externa para a criação de novel lei penal de um crime que nem é usual em nosso território. Neste sentido é que acho importante trazer a lume os ensinamentos do grande pensador Slavoj Zizek. Em excelente obra recém publicada no Brasil, Zizek aponta brilhantemente os problemas que países emergentes como o nosso enfrentam em função de uma crise no sistema capitalista que faz com que os detentores do capital pressionem os países que precisam de algum aporte financeiro tenham que se curvar às vontades e às “bondades dos bons”. Neste sentido é que acho importante trazer a palavra de Zizek[2]: “Qualquer um que acompanhe o desastre automobilístico em câmera lenta que é a crise atual não pode deixar de estar consciente de como países e instituições estão sob avaliação constante (por agências de avaliação de crédito, por exemplo), têm que aceitar a culpa moral por erros e excessos anteriores e comprometer-se a assumir no futuro um bom comportamento …”. Zizek faz esta afirmação a partir da construção que a dívida nos dias atuais é tratada como meio de dominação e controle. E a partir desta construção é que Zizek faz outra afirmação que penso ser extensiva ao caso da pressão externa ao Brasil por organismos internacionais para a criação da lei antiterrorismo. Diz o autor[3]: “É como se os fornecedores e zeladores da dívida acusassem os países endividados de não se sentirem suficientemente culpados: são acusados de sentirem inocentes”. E termina então o seu argumento usando como exemplo a pressão que a União Europeia exerce sobre a Grécia para que a mesma aceite as suas medidas de austeridade. E é neste sentido que eu aponto e penso que hoje, o nosso parlamento cria uma nova lei penal, a lei antiterrorismo para agradar os organismos estrangeiros no afã de ter alguns de seus interesses econômicos salvos face a ineficiência da política econômica para a retomada de bons índices.

Superado o aspecto que penso terem levado à criação da lei antiterrorismo, vamos ao que realmente importa. Quem são os terroristas? Uma vez que nosso país não tem histórico de atentados terroristas, penso que fica difícil definir o conceito de terrorismo bem como o que pode ser considerado terrorismo. Penso que temos que nos questionar: O que vem primeiro o crime ou a lei penal? Penso sinceramente que uma lei penal só pode surgir a partir do momento que uma determinada conduta afeta a sociedade ao ponto de se criar uma lei penal que incrimine esta conduta. Será que o tipo penal do homicídio veio antes de alguém ser morto? Ou será que foi necessário alguém ser morto primeiro para que depois então a conduta de matar alguém pudesse ser criminalizada? Eis o cerne da questão, mais uma vez eu digo, temos uma lei antiterrorismo sem mesmo termos atentados terroristas! Foi por este motivo que no primeiro parágrafo fiz questão de grifar os verbetes que definem o que é o terrorismo. O primeiro verbete grifado diz sobre extremismo político. Mas o que é isto, o extremismo político? Pedir o impeachment de uma Presidente da República democraticamente eleita pelo voto popular não pode ser considerado um extremismo político? Afinal o impeachment não desestabiliza o Estado Democrático de Direito? Podemos então chamar de terroristas Hélio Bicudo, Reale Jr. e toda a oposição que clama todo dia pelo impeachment da Presidente Dilma Roussef? Faço esta construção partindo do pressuposto que afastar um(a) Presidente da República democraticamente eleito(a) por divergências políticas um baita de um extremismo. Nunca é demais relembrar que nossa democracia ainda é uma jovem de 27 anos recém completados e que ainda engatinha na tentativa de dar eficácia a todos os seus direitos e garantias fundamentais. Este extremismo que acabo de falar, desestabiliza tanto a ordem democrática que recentemente foi veiculada a notícia[4] de que o Comandante do Exército Brasileiro via risco de crise social no país, talvez 27 anos após a promulgação da Constituição o nosso parlamento e outros organismos ainda flertem com os anos de chumbo. Sinceramente, e com todo o respeito a quem discorde do meu pensamento, extremismo político é o que é feito todos os dias na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, afinal temos um parlamento em grande parte sub júdice, um Presidente da Câmara dos Deputados que toma a coisa pública para si e faz chicana legislativa para ver os seus interesses atendidos, temos “manobras regimentais” (ou golpe mesmo) para que a votação de uma PEC já vencida (Maioridade Penal) seja posta novamente em pauta e votada novamente até que a vontade dos “cidadãos de bem” prevaleça. Cumpre observar que estes mesmos “cidadãos de bem” é quem ilustram dia após dia os noticiários com novas notícias de corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e etc. E digo isso para me antecipar e ir aos verbetes que grifei no final do primeiro parágrafo: Quem atenta gravemente contra a estabilidade do Estado Democrático de Direito e subverte o funcionamento das instituições? Os políticos que lá estão hoje ou quem vai às ruas se manifestar? Faço esta pergunta porque penso que é esse o objetivo da lei antiterrorismo, tirar de circulação quem vai às ruas exercer o seu direito e garantia fundamental de se expressar livremente, ou alguém acredita que o nosso pai judiciário (parafraseando nosso querido Mestre Lenio Streck) irá um dia considerar algum político terrorista? Como sempre, a nova lei penal surge para criminalizar a camada de baixo, a que veste jeans, empunha faixas e vai às ruas protestar, pois quem usa terno de corte italiano, viaja de jato particular e tem conta na Suíça não pode ser considerado terrorista, afinal, não possui o estereótipo. Mas se formos levar o verbete ao pé da letra, vivemos em uma República (ou republiqueta?) de terroristas de terno e com o nome de políticos. Se o Oriente Médio tem os talibãs e o estado islâmico, nós certamente temos os políticos como os nossos maiores terroristas.

Passando então ao verbete seguinte temos a intolerância religiosa. Penso que neste verbete nem será necessário que eu estenda muito pois um parlamento em que se tem Marco Feliciano, Eduardo Cunha com o seu grande projeto que dificulta o aborto para vítimas de estupro e uma bancada evangélica que tenta a todo momento cercear o direito das pessoas saberem que existem outras religiões, e que marginaliza veementemente os cultos afros por si só já podem serem consideradas terroristas. E que fique bem claro que nada tenho contra evangélicos ou qualquer outra crença, só uso o termo aqui pelo fato de assim ser conhecida a bancada política de cunho religioso em nosso parlamento. E mais uma vez eu esbarro na mesma pergunta. Quem são os terroristas neste caso? Acho que a resposta converge mais uma vez no mesmo sentido: os políticos! Passo então aos quatro verbetes finais que penso que também podem se encaixar perfeitamente na temática deste parágrafo que são os verbetes: preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo. Bom, penso que ninguém pratica mais o preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo que o próprio Estado e seus parlamentares. Os jovens negros são massacrados dia após dia no Brasil pela Polícia. Se formos aos presídios brasileiros veremos que grande parte dos detentos são negros. No Rio de Janeiro a Polícia pára os ônibus que vêm do subúrbio e só apreende jovens negros. Quem já teve o desprazer de ser abordado por algum policial no Rio de Janeiro sabe que o tratamento dado às pessoas negras é diferente. Será que só os negros praticam crimes ou são potenciais criminosos? Seria esquizofrênico demais admitir algo tão absurdo assim. O Estado hoje é o maior fomentador do preconceito racial criando leis penais para punir os pobres e em grande maioria (infelizmente) os negros. Podemos então invocar a tão falada teoria do domínio do fato (resquícios da AP470) e considerar então os chefes de Executivo terroristas por atentar contra pessoa, mediante violência ou grave ameaça motivado por preconceito racial? Afinal é o chefe do Executivo o responsável por tudo. Vamos então denunciar o Pezão e o Beltrame por terrorismo? Confesso que não acho a ideia de todo ruim. Quanto ao preconceito étnico e de gênero, que tal tipificarmos o Deputado Jair Bolsonaro e sua corja de seguidores? Ou alguém discorda que Jair Bolsonaro é representação do preconceito de gênero? É só verificar os seus discursos e atitudes segregadores. Quanto à violência oriunda da xenofobia é só olharmos a questão dos Haitianos no Brasil, que quando entram pelo Acre, logo são enviados para São Paulo com ajuda do próprio governo do Acre sob a desculpa que o Acre não tem estrutura para receber o grande fluxo migratório proveniente do Haiti. Que tal então o Governador do Acre ser incurso no tipo penal de terrorismo? Afinal querer se livrar dos Haitianos que aqui chegam no afã de tentar uma vida melhor pode sim ser considerada uma xenofobia. Temos também como exemplo de xenofobia o que ocorre no norte do Estado de Santa Catarina onde um Haitiano foi morto[5] por pessoas que gritavam: “Volte para o seu país!”.

Por fim, concluindo esta minha curta inquietação é que afirmo que mais uma vez que hoje o Senado aprova e muito em breve teremos em vigor uma lei antiterrorismo que prenderá os terroristas errados. Os terroristas que o parlamentares querem prender são as pessoas que vão às ruas exercer seus direitos e garantias fundamentais, garantidos na Constituição ou alguém tem dúvida que será considerado terrorista que colocar um cartaz na porta do condomínio do Cunha ou quem simplesmente for às galerias do Congresso Nacional gritar palavras de ordem? Como sempre em nosso país, surge mais uma lei que prenderá tão somente quem está a incomodar os donos do jogo (políticos) quando os verdadeiros terroristas continuarão por aí soltos em belos ternos, belos carros, grandes jatos e grandes quantias de dinheiro na Suíça. Se algo desestabiliza um Estado Democrático de Direito é um parlamento fraco e refém do poder econômico das grandes empresas e isso sim, tem de ser terrorismo, mas infelizmente não será, porque mais uma vez, caberá ao judiciário decidir quem é ou não terrorista e como se sabe, salvo as devidas e poucas exceções o Judiciário no Brasil só corrobora o discurso estigmatizante perpetrado pelo Parlamento. Em recente publicação[6] o querido Mestre e amigo Alexandre Morais da Rosa retrata bem o quadro da dor: “Uma decisão judicial não salvará o sujeito de seu desamparo, embora o magistrado possa imaginariamente sentir-se um salvador do povo, muitas vezes esquecendo-se de que as políticas públicas não são a função primordial do Poder Judiciário, sem prejuízo de intervenções tópicas.”. Ou seja, mais uma vez estaremos nós sujeitos à “bondade dos bons” do Judiciário que se julgam muitas das vezes os “salvadores” da pátria e por conseguinte colocam nas masmorras do cárcere somente a camada mais desfavorecida da população ou aqueles que o senso comum rotula como ameaça ou inimigos. Neste sentido é que voltamos à Morais da Rosa[7] que afirma que tem juiz que: “Aceita o jogo do mercado, fabricando e vendendo decisões conforme a moda da estação e atendendo todo-e-qualquer pleito”. Indo mais além, nosso mestre nos mostra qual deveria ser o verdadeiro sentido de um Poder Judiciário em um Estado Democrático de Direito: “Trata-se de restaurar o lugar do Poder Judiciário, um lugar que deveria ser de referência, um lugar cuja função é a de dizer, muitas vezes não. Entretanto para que se possa dizer não é preciso autorizar responsável, embora o discurso do senso comum o desresponsabilize, coisa que a grande maioria dos juízes não se sente, por estar eclipsado no direito do conforto. Este lugar do julgador precisa ser ocupado com responsabilidade pelo que se passa na sociedade. Não para se tornar o salvador, o novo Messias, e sim para recolocar o Direito no lugar da referência, de limite, como até o gênio faz! Neste contexto, parece complicado em falar em “não” desde dentro do Poder Judiciário. A questão é saber se se pode pedir dos magistrados brasileiros isto? Aí o Poder Judiciário, na sua maioria, efetivamente, diz “não”[8].

Em suma, estamos agora sujeitos à bondade dos juízes e, em tempos onde juízes se vangloriam que em uma determinada operação policial tem vindo “muito peixe”, em tempos onde juízes usam prisão preventiva afim de obter delações, onde juízes se acham super-heróis e alguns são até chamados de Batman, infelizmente só me resta torcer para que os verdadeiros terroristas brasileiros tenham um último suspiro de lucidez e percebam o grave erro que estão cometendo. Difícil mas só me resta acreditar nisso ou então ir às ruas enquanto ainda não posso ser preso por exercer o meu direito constitucional de me manifestar livremente em prol de dias melhores para a nossa tão sofrida nação. E neste devaneio em uma madruga primaveril só me resta a utopia de que tudo ainda vai melhorar. Sim, pode melhorar, só depende de nós.


Notas e Referências:

[1] Senado aprova lei antiterrorismo; proposta voltará à Câmara. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/10/1699904-senado-aprova-lei-antiterrorismo-proposta-voltara-a-camara.shtml

[2] Zizek, Slavoj; in: Problema no Paraíso: Do fim da História ao fim do Capitalismo. Zahar, 2015.

[3] Zizek, Slavoj; Op Cit.

[4] Comandante do Exército vê risco de crise social no país. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/10/1693642-comandante-do-exercito-ve-risco-de-crise-social-no-pais.shtml

[5] Haitiano morre após ser esfaqueado em Navegantes: Disponível em: http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2015/10/haitiano-morre-apos-ser-esfaqueado-em-navegantes-litoral-de-sc.html

[6] Rosa, Alexandre Morais da; In: Precisamos falar sobre direito, literatura e psicanálise / Alexandre Morais da Rosa e André Karam Trindade; Ed. Empório do Direito; 2015; P. 43-45.

[7] Rosa, Alexandre Morais da; Op. Cit.

[8] Rosa, Alexandre Morais da; Op. Cit.


Jefferson Gomes

. Jefferson de Carvalho Gomes é Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá(RJ); Pós Graduado em Criminologia, Direito e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes (RJ); Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM); Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura (RDL); Advogado.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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