Rótulos, Sexo e Direito: Por que precisamos rotular, para entender os cidadãos, e garantir os seus direitos?

24/04/2016

Por Rodrigo Chandohá da Cruz - 24/04/2016

Rico. Pobre. Negro. Branco. Homem. Mulher. Gay. Lésbica. Travesti. Transexual. São inúmeros os rótulos que são impostos às pessoas, como se isto fosse algo natural, conveniente, e até mesmo esperado. Não é raro ainda que estes rótulos sejam usados de forma pejorativa, de forma negativa, sobre determinadas pessoas. Se uma trabalhadora está determinada ou nervosa com alguma coisa em seu serviço, ouvimos comentários como “ela deve estar na TPM”, mas se o mesmo acontece com um homem, ele é elogiado, reverenciado. O mesmo ocorre com o racismo, quando um (a) afrodescendente exerce uma profissão de maior destaque, ouvimos comentários do tipo “ele (a) deve ter passado pelas cotas”, mas se o mesmo ocorre com uma pessoa branca, não há qualquer tipo de objeção sobre como o mesmo obteve esta posição. Estes são apenas alguns dos comentários maldosos que são proferidos pelas pessoas, infelizmente, e é de extrema importância iniciar este artigo com menção a estes dois grupos – mulheres e afrodescendentes – pois os mesmos são protegidos pela lei suprema, pela Carta Magna Brasileira, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Desde a promulgação da Constituição de 88, o racismo passou a ser considerado crime inafiançável, conforme disposição do artigo[1] 5º, inciso XLII, o que passa a oferecer maior proteção aos afrodescendentes contra o crime do racismo, que mesmo com esta proteção, diversas vezes ocorre de forma impune. No ano seguinte, 1989, é promulgada a Lei nº 7.716, que “define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor”.

Em relação às mulheres, surge com a Constituição uma igualdade legal com os homens, tendo os mesmo deveres e obrigações[2], salvo casos específicos, como referente à Previdência social, na qual as mesmas possuem maiores vantagens para se aposentar, como a redução do tempo mínimo de trabalho e contribuição, e na questão do serviço militar, em que as mesmas são desobrigadas em tempos de paz.[3]

Além disto, considerando o grande número de abuso que as mulheres vinham sofrendo no âmbito familiar, e da impunidade sobre estes abusos, em particular de seus companheiros, maridos, entre demais nomenclaturas, além de violência advinda de seus familiares, é promulgada em 2006 a Lei nº 11.340, coloquialmente chamada de Lei Maria da Penha. Esta lei oferece uma gama de proteção contra qualquer tipo de violência contra a mulher, seja ela verbal ou física[4].

Não se visa criticar os mecanismos citados anteriormente, pelo contrário, enaltece-se o legislador pela decisão de criar dispositivos que ofereçam proteção, de forma efetiva, a estes cidadãos. É de notório conhecimento que ambos os grupos possuem um histórico que os desfavorece socialmente: a escravatura terminou em 13 de Maio de 1888, com a Lei Áurea, mas o tratamento oferecido aos negros por grande parte da população continuou sendo o mesmo. A prerrogativa constitucional de ser mulher e votar surge somente em 1934, na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, no artigo 108[5] da mesma, além de todo o machismo e paternalismo enfrentado pelas mesmas.

A sociedade caminha de forma lenta, mas na direção certa, para que mulheres e afrodescendentes sejam tratados de forma igual, e felizmente, vemos que o gênero e a cor da pele deixaram de ser fatores impeditivos para que estes possam realizar seus sonhos e conquistar seus objetivos, mesmo que comentários maldosos como os indicados acima ainda existam.

Portanto, é verificado que estes dois grupos rotulados possuem proteção por parte do Estado. Mas e os outros rótulos? Os homens não sofreram preconceito por serem homens, salvo quando realizam tarefas que “deveriam” ser realizadas unicamente pelas mulheres, como ser uma pessoa dedicada exclusivamente à criação dos filhos, ou trabalhar como cabelereiro, função esta que a população acredita pertencer somente às mulheres e aos homossexuais. Os brancos nunca sofreram preconceito, pois afinal de contas, foram eles que chegaram aqui neste país e em tantas outras nações, com suas “boas intenções”, dominaram as terras, a população e as riquezas naturais. Quem desconfiaria destes cidadãos, ainda por cima ricos?

No meio de todos estes rótulos: mulher, homem, negro, branco, existem pessoas que sofrem preconceito por causa de uma palavra, que deixa todos com o rosto corado: SEXO. Ah, o sexo. O que seria de nós sem o sexo? Nada. Pois, foi do sexo que viemos e com o sexo que perpetuamos a humanidade, salvo os avanços tecnológicos na área da reprodução assistida. Mas não se preocupe, o sexo não atinge somente os seres humanos. Animais como leões, cavalos e tantos outros também fazem sexo. Então, cuidado com eles também! Pense duas vezes antes de montar um cavalo, pois existe uma grande probabilidade que este cavalo tenha feito sexo com alguma égua!

Brincadeiras à parte, o sexo continua sendo um assunto tabu em nossa sociedade. Antes, somente uma forma de garantir a perpetuação dos seres-humanos, o sexo passou a ser visto, estudado, também como forma de prazer. Mas este prazer, inicialmente, era exclusivo aos homens. As mulheres demoraram a chegar no prazer (tanto de forma metafórica, quanto de forma literal).

Depois de muitos anos, seriados como “Sex and the City” e a peça teatral “The Vagina Monologues” fizeram com que ficasse claro que as mulheres, assim como os homens, gostam de sexo, e querem sentir prazer com ele, não sendo meros objetos de prazer. Mas a pergunta que não quer calar é: E os gays, as lésbicas, os bissexuais, os transexuais e o travestis? Quando o tema é direito e sexo, estes têm o mesmo respeito, os mesmos direitos e obrigações, que todos os outros? Não se esqueça que estas pessoas são homens e mulheres! Não são aberrações da natureza nem vindos de outro mundo.

A verdade é que, antes de iniciar a falar de direitos e prerrogativas destes indivíduos, é necessário rotulá-los, não para separá-los, mas para que a sociedade possa entender quem eles são. Pois então, vamos lá:

O homossexual é o indivíduo que sente atração por pessoas do mesmo gênero que o seu, ou seja, o homem que prefere se relacionar tanto afetivamente quanto sexualmente com homens, e a mulher que prefere se relacionar tanto afetivamente quanto sexualmente com mulheres. São também chamados de gays e lésbicas, respectivamente. Cumpre ressaltar, que existem denominações negativas e pejorativas, que não cabem ser mencionadas.

O bissexual é o indivíduo que se relaciona tanto com pessoas do mesmo gênero que o seu, quanto do gênero oposto. Ou seja, o homem que se relaciona com homens e mulheres e a mulher que se relaciona com homens e mulheres, tanto afetivamente, quanto sexualmente.

Destaca-se que a palavra afetivamente é usada no sentido de uma relação entre parceiros, como o namoro, a união estável e o casamento.

Os travestis são pessoas que gostam de usar roupas e vestimentas do gênero oposto ao seu. Os travestis mais popularmente conhecidos são as “Drag Queens”, que fazem do travestismo uma arte. De acordo com pesquisa realizada, tem-se que a palavra “Drag” vem da época em que Shakespeare realizava peças teatrais, e pedia aos homens que atuassem como mulheres, “dressed as a girl”, ou vestidos como uma mulher, em português.

Por fim, mas não menos importantes, encontram-se os transexuais, que são indivíduos que possuem o que se chama de identidade de gênero vinculada ao gênero oposto, ao sexo morfológico oposto com o qual nasceu. Por exemplo, seria o caso de um homem, que tem uma identidade de gênero feminina, ou seja, se identifica como uma mulher, e quer que seu corpo corresponda a esta realidade, estando disposto a realizar diversos procedimentos cirúrgicos, além de se submeter a terapia hormonal, para adquirir a aparência deste gênero.

Atualmente, existem diversos transexuais que tomaram conta da mídia, como a atleta “Caitlyn Jenner”. Caitlyn nasceu “Bruce Jenner”, e ficou famosa ao conquistar a medalha de Ouro nas Olimpíadas de Montreal, no ano de 1976, no esporte Decatlo. Após ficar famosa por se tornar uma medalhista olímpica, a mesma voltou à fama, ainda como Bruce, ao participar do reality-show “Keeping Up With The Kardashians”, pois era casado com a mãe da socialite “Kim Kardashian”.

Durante a gravação do programa, Caitlyn revelou em entrevistas recentes que sempre teve o desejo de realizar a sua transição, e tornar-se uma mulher de “alma e corpo”, revelando ainda que chegou a tomar hormônios feminilizantes por um período, interrompendo o uso posteriormente.

Esta revelação gerou um choque na população norte-americana, pois o esporte no qual Caitlyn se tornou medalhista é um dos mais desgastantes que existem, pois consiste em realizar dez provas diferentes. No período após as Olimpíadas, Caitlyn se tornou um símbolo de masculinidade nos Estados Unidos da América, um ídolo, uma referência para diversos homens, e décadas depois, surge com esta revelação, que acabou por assustar muitos, mas ao mesmo tempo, gerou grande simpatia por pessoas que entendiam a situação na qual a mesma se encontrava.

Definidos os rótulos destas pessoas, onde está o direito? Em qual lei? Sim, a Constituição garante direitos fundamentais a todos estes cidadãos, mas de forma genérica, ou superficial. Utilizam-se estes termos, pois a história e fatos ocorridos nos últimos anos indicam que pouco foi realizado para que de forma efetiva estes cidadãos pudessem exercer seus direitos.

Os homossexuais somente a pouco tempo podem realizar o casamento civil, pois no ano de 2013 foi emitida a Resolução nº 175[6] do Conselho Nacional de Justiça, que garante este direito, concedido a casamentos entre heterossexuais. Os transexuais também somente a pouco tempo obtiveram, por meio de Enunciados emitidos em 2014 pelo CNJ, em específico os enunciados nº 42 e 43[7], a permissão para realizar a retificação do seu registro civil, para adequar nome e gênero ao sexo com o qual de fato se identificam, mas ainda vinculados ao ingresso de uma ação judicial. Antes disto, a retificação ocorria, com o ingresso de ação judicial que realizasse este requerimento, mas sem fundamento legal específico. Portanto, apesar da necessidade do pedido judicial, há agora parâmetros para que o julgador possa se basear ao proferir sua decisão, sendo que os enunciados indicados passam a integrar a fundamentação de decisões proferidas pelos julgadores.

Depois de todo o indicado, percebe-se que os rótulos são necessários para que se possa entender os cidadãos e garantir os direitos que os mesmos almejam. Ao pensar que há pouco tempo atrás existiam terapias para “curar a homossexualidade”, nota-se que a sociedade ainda está desprotegida. O que o homossexual deseja, não é o mesmo que o transexual deseja, e a recíproca é verdadeira. Mas o que todos desejam é o respeito, e que situações como a que ocorreu durante um debate às eleições presidenciais de 2014, em que o então candidato Levy Fidélix, ao ser questionado pela candidata Luciana Genro sobre não reconhecer como família “um casal do mesmo sexo”, declarou, em rede nacional, que “aparelho excretor não reproduz”, fazendo clara menção ao sexo entre dois homens, de forma extremamente pejorativa, sem qualquer senso de elegância e ainda comprovando sua ignorância sobre relações sexuais. O pior é que, apesar desta declaração, o mesmo saiu impune, sem qualquer tipo de punição sobre este comentário maldoso. Nas redes sociais, surgiram diversos comentários sobre o assunto, mas o que mais se relaciona com o presente texto é este: “Se homofobia fosse crime no Brasil, Levy Fidélix teria sido preso em flagrante”.

Ainda temos muitos o que caminhar e muito o que aprender como cidadãos, mas acredito que com a participação do povo, e principalmente com a sua inclusão, estaremos caminhando na direção certa, para um país mais justo e menos desigual. Afinal de contas, se os rótulos foram benéficos para que os afrodescendentes e as mulheres obtivessem maior reconhecimento perante a sociedade, por que não podem fazer o mesmo pelos homossexuais, transexuais, travestis, e demais grupos negligenciados pela legislação? Se a rotulação foi um dos pressupostos para a concessão de direitos, por que os extinguir? Ainda não vivemos em uma utopia, em que o preconceito não exista de fato. E por fim, haverá quem defenderá que estes rótulos indicados são ultrapassados. Pode-se argumentar que estes estão ultrapassados, mas para o presente momento, ainda se fazem necessários.


Notas e Referências:

[1]Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

[2]Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 5º [...]I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

[3]Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.

[...]

§ 2º - As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir. (Regulamento)

[4] Art. 1o  Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

[5] Constituição de 1934. Art 108 - São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei.

[6]Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 175 de 14/05/2013. Dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo.

[7]Conselho Nacional de Justiça. ENUNCIADOS APROVADOS NA I JORNADA DE DIREITO DA SAÚDE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA EM 15 DE MAIO DE 2014 – SÃO PAULO-SP. ENUNCIADOS BIODIREITO.

ENUNCIADO N.º 42 Quando comprovado o desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto, resultando numa incongruência entre a identidade determinada pela anatomia de nascimento e a identidade sentida, a cirurgia de transgenitalização é dispensável para a retificação de nome no registro civil.

ENUNCIADO N.º 43 É possível a retificação do sexo jurídico sem a realização da cirurgia de transgenitalização.


Rodrigo Chandohá da CruzRodrigo Chandohá da Cruz é Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, Advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB/SC, Especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus, Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI e autor da obra "A Concessão de Aposentadoria ao Transexual Equivalente ao Sexo Adequado", publicada em 2014 pela Editora CRV. Além disto, é defensor dos homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais, e luta por maior igualdade entre os cidadãos, independentemente de sua preferência sexual.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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