Riscos da sucessão tributária na aquisição de estabelecimento

18/04/2017

Por Charles M. Machado – 18/04/2017

A aquisição do estabelecimento comercial, é uma atividade corriqueira no processo de expansão do negócio. Invariavelmente as empresas realizam sua ampliação através do crescimento orgânico, quando constituem nova filial de um negócio já existente ou quando adquirem o controle de uma empresa concorrente, seja na ampliação da sua cobertura geográfica ou na diversificação de sua grade de produtos ou serviços de forma complementar, quase sempre visando a maximização de resultado pelo ganho de escala. No entanto diversos aspectos devem ser observados, aqui destacamos alguns.

O Nosso Código Tributário Nacional preceitua que uma pessoa, seja física, seja jurídica, ao adquirir de outra “fundo de comércio” e continuar a respectiva exploração econômica, ainda que sob outra razão social, responde pelos tributos devidos pela empresa sucedida. Esse é o ponto de partida, onde está revisto “art. 133, abaixo transcrito:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

Tradicionalmente a doutrina empresarial caracteriza fundo de comércio como uma universalidade jurídica composta por bens materiais (estoques, ativo imobilizado, ponto comercial) e imateriais (clientela, marca, etc), destaque para o fato de que nos negócios atuais ganham cada vez maior relevo a participação dos ativos intangíveis, não se resumindo ao simples estabelecimento empresarial. É todo o ativo e passivo que envolve a empresa, desde seus bens até sua lista de clientela, lista de fornecedores, marca, empregados e funcionários, registros comerciais e empresariais, popularidade, imagem junto à sociedade etc, enfim todo e qualquer elemento de que disponha o empresário para o desenvolvimento e realização de seus negócios.

A característica inerente ao Fundo de Comércio reside na maneira original com que o empresário organiza sua empresa para produzir e atrair uma clientela. Essa forma de "organização" constitui-se em um aspecto intelectual, evidentemente intangível.

Embora o fundo de comércio seja a integralidade dos bens patrimoniais, inclusive os de natureza pessoal e de valor imaterial, o ponto comercial resume-se a apenas um local para realização das atividades empresariais, logo uma referência geográfica, dessa maneira pode-se afirmar que o ponto comercial integra o fundo de comércio, mas não o contrário. Ou seja, o fundo não se resume ao ponto. Deve-se considerar, portanto, no fundo comercial a universalidade dos bens, os estabelecimentos, as marcas, a clientela, os equipamentos, essa seriam as primeiras premissas como ponto de partida para essa questão.

Porém o presente trabalho examina a responsabilidade tributária por sucessão, qual é a sua limitação, bem como as suas espécies, e dando destaque a responsabilidade na sucessão empresarial.

A relevância do tema está em sua vertente entre os ramos do conhecimento na aérea do Direito, onde é forçoso o estudo das normas tributárias em estreita correlação com as normas de Direito Empresarial. Impossível à compreensão adequada do instituto da responsabilidade tributária na sucessão empresarial sem prévio conhecimento das normas que o determinam.

A responsabilidade tributária na sucessão empresarial de fato é tema bastante discutido na doutrina tributária e na jurisprudência dos Tribunais do nosso pais, vez que muitas empresas adquirem de outra, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, mas continuam a exploração econômica da atividade, com a mesma ou com outra razão social, e não querem se responsabilizar pelas dívidas existentes, invariavelmente diversos são os aspectos levados em consideração para essa aquisição, porém costumeiramente todos os ativos adquiridos, sejam eles tangíveis ou intangíveis, independentemente da importância ou da valoração deles na aquisição estão sujeiros a regra do CTN.

Nessa reflexão sobre a problemática atual que permeia a responsabilidade tributária na sucessão empresarial, nesse sentindo, é razoável acender a discussão sobre o instituto da sucessão empresarial, pois, temos um explícito conflito de princípios, de um lado, a segurança jurídica e a livre iniciativa, do outro, a proteção do crédito tributário da Fazenda Pública, torna-se necessário, portanto, a criação de mecanismos mais eficientes que possa conciliar esse conflito. Já que, tem-se a necessidade de um sistema tributário favorável ao Estado no recebimento do crédito tributário.

E como dito acima, é de suma importância observar o princípio constitucional da livre iniciativa, onde se faz necessário promover a segurança jurídica à proteção da atividade empresarial em face do poder estatal, e ressaltando que, em matéria tributária, a lei deve ser interpretada no sentido estrito, ou seja, obedecendo-se o princípio da legalidade absoluta. Vale dizer: não pode o intérprete ampliar o alcance da lei para além do que se estabeleceu em seu texto, assim criando novas obrigações ou restringindo direitos.

O artigo 133 do CTN, é que disciplina sobre a sucessão empresarial, e preenchido os seus requisitos, deve a nova empresa ser responsável tributária pela dívida de sua sucedida, seja integralmente, seja subsidiariamente, devendo as pessoas que pretendem adquirir fundo de comércio ou estabelecimento comerciais ficarem atentas a tais situações, exigindo da empresa alienante a relação dos débitos existentes com o Fisco, caso não esteja quitadas, a fim de ter total ciência do que de fato está se adquirindo.

Outro problema a ser abordado para a configuração de sucessão empresarial é demonstrar que houve a aquisição, por parte do sucessor, do fundo de comércio ou do estabelecimento. Qual deve ser a prova, por parte da Fazenda Pública, para demonstrar a ocorrência da aquisição do fundo de comércio ou do estabelecimento empresarial, visto que os mecanismos de cobranças das dívidas estão cada vez mais aperfeiçoados, independentemente da natureza da dívida, seja ela trabalhista, tributária ou cível. Logo, esses são os problemas em questão, e a necessidade de que a responsabilidade tributária na sucessão empresarial seja bem clara, delimitada e aplicada de forma correta.

1. O negócio e o tipo societário

Como bem destaca o Professor Requião, citando o prof. Giuseppe Ferri, diz que:

“observa que a produção de bens e serviços para o mercado não é consequência de atividade acidental ou improvisada, mas sim de atividade especializada e profissional, que explica através de organismos econômicos permanentes nela predispostos. Estes organismos econômicos, que se concretizam de organização dos fatores de produção e que se propõem a satisfação das necessidades alheias, e, mais precisamente, das exigências do mercado geral, tomam na terminologia econômica o nome de empresa”

Com isso percebe-se a importância do tema e que a atividade empresaria precisa ser organizada, como dito na citação, pois é de extrema necessidade para uma sociedade observar e cumprir seus regramentos, pois em toda parte vemos pessoas vendendo e adquirindo bens e serviços, sendo essa uma necessidade básica de uma sociedade para sua sobrevivência e desenvolvimento. Para tanto os juristas perceberam que na construção do conceito de empresa dois elementos são essenciais, como se dá sua constituição e as suas regras. Já que, a atividade empresaria esta sujeita a normas precisas, que subordinam o exercício da empresa a determinadas condições ou pressupostos.

É de se destacar que a atividade dos empresários pode ser vista como a de articular os fatores de produção, que no sistema capitalista são quatro: capital, Mao de obra, insumo e tecnologia. Reafirmando que os bens e serviços estruturados por organizações, são o que todos precisam para viver, e atendendo assim as necessidades de uma sociedade, cada vez mais intangível.

Visto que o estabelecimento comercial é um complexo de bens, materiais e imateriais que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante para a exploração de determinada atividade empresarial. E ter esse entendimento será importante para poder-se limitar a responsabilidade tributária na sucessão empresarial, dentre outros fatos limitadores.

Sendo que esse complexo de bens materiais e imateriais que estruturam um estabelecimento tem de ser idôneos para surtir efeitos legais. Quando olhamos do ponto de vista econômico, o estabelecimento é um resultado da congregação de capital, trabalho e organização, que se extrai a exploração de lucros.

Logo a sua constituição é determinada pela vontade de seu dono. E não pairando nenhuma dúvida o art. 1.142 do Código Civil/02 diz que o estabelecimento é “todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário ou por sociedade empresária”.

Para exemplificar e ter maior compreensão do tema tratado, o estabelecimento engloba apenas elementos do ativo do empresário, ou seja, seus bens materiais e imateriais. Seus bens materiais são as coisas corpóreas imóveis e moveis quais sejam: imóveis - depósitos, edifícios, terrenos, armazéns etc.; os moveis – utensílios, veículos, mobiliário, mercadorias, maquinas etc. Já os bens imateriais são as coisas incorpóreas, a saber: nome, título do estabelecimento, as marcas industriais, patentes, o ponto e o direito à renovação judicial do contrato de locação e a clientela e sua proteção contra a concorrência desleal.

2. O adquirente do negócio

A lei define empresário como o profissional exercente de “atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços” (CC, art. 966). Na doutrina majoritária considera que tem de haver a habitualidade, não se considerando o profissional que realiza as tarefas de modo esporádico.

Para distinguir do conceito de empresa, que por vezes são confundidos, o empresário é o exercente profissional de uma atividade econômica e organizada; então empresa é a produção ou circulação de bens ou serviços, lembrando para isso das lições de Ulhoa que explica da seguinte forma: “é importante destacar a questão. Na linguagem cotidiana, mesmo nos meios jurídicos, usa-se a expressão “empresa” com diferentes e impróprios significados. Se alguém diz “a empresa faliu” ou “a empresa importou essas mercadorias”, o termo é usado de forma errada, não técnica. A empresa enquanto atividade, não se confunde com o sujeito de direito que a explora, o empresário. É ele que fale ou importa mercadorias. Similarmente, se uma pessoa exclama “a empresa esta pegando fogo!” ou constata “a empresa foi reformada, ficou mais bonita”, esta empregando o conceito equivocadamente. Não se pode confundir a empresa com o local em que a atividade é desenvolvida. O conceito correto nessas frases é o de estabelecimento comercial; este sim pode incendiar-se ou ser embelezado, nunca a atividade. Por fim, também é equivocado o uso da expressão como sinônimo de sociedade. Não se diz “separam-se os bens da sociedade os bens da empresa e os dos sócios em patrimônios distintos”, mas “separam-se os bens sociais e os dos sócios”; não se deve dizer “fulano e beltrano abriram uma empresa” mas, “eles contratam uma sociedade”.

Portanto, somente se emprega de modo técnico o conceito de empresa quando for sinônimo de empreendimento, visto que a sociedade empresaria é uma atividade que envolve a fruição de direitos e a assunção de obrigações, por conta disso o empresário deverá cumprir determinadas obrigações legais, para o desenvolvimento regular da atividade empresarial.

Para tanto a Lei nº 8.934/94 dispõe sobre a obrigação de todos os empresários de inscreverem seus atos constitutivos no registro de empresa, no Brasil os serviços do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, são realizados pelos seguintes órgãos:

  • Departamento Nacional de Registro e Comercio (DNRC), órgão central com função técnica de supervisão, orientação, coordenação e normação, além de assistência supletiva no plano administrativo; e
  • Juntas Comerciais, como órgãos estaduais, com funções de execução e administração dos serviços de registro, subordinadas administrativamente ao governo do Estado-membro e, tecnicamente, ao DNRC.

Deve-se salientar que, estes órgãos estão adstritos a examinar a compatibilidade dos documentos que arquiva no tocante ás formalidades legal, bem como verificar se neles contem clausulas que sejam incompatíveis à ordem pública e aos bons costumes. Portanto funcionando como um tribunal administrativo, examinando previamente todos os documentos levados a registro, sendo que essa função não é jurisdicional. Pois, esses órgãos não poderão examinar óbices inerentes e próprios ao direito pessoal dos que participam de tais atos, se assim o fizer, estar-se-ia invadindo a competência do Poder Judiciário, o que na prática em muitos lugares ocorre.

Essa atos constitutivos acima mencionados que consistem em, um contrato social, onde constarão o tipo jurídico da empresa, o objeto social, e as demais normas que regerão o funcionamento, a administração e as relações entre os sócios da empresa, com fulcro nos art. 968, 997 e 998 do CC.

Mais uma vez nos socorremos das lições de Rubens Requião:

“O registro público tornou-se peça importante da vida social, tanto no setor civil como no comercial. Assim como se exige que o indivíduo seja registrado ao nascer, e inscreva no Registro Civil os atos marcantes de sua vida até a morte, pelo mesmo motivo de disciplina jurídica se facultam ao comerciante certos registros. Entretanto, tais são os efeitos negativos e perniciosos para o empresário decorrentes da falta de registro – por exemplo, a impossibilidade de manter a contabilidade legal, tratamento tributário mais rigoroso – que se vai tornando exceção a abstenção do registro.”

Por isso que do arquivamento da constituição da sociedade nasce à pessoa jurídica, daí mostra-se que o arquivamento é o ato mais importante da sociedade empresaria, é através desse ato que se dá vida a Empresa.

Sendo que uma das funções precípuas do arquivamento na junta comercial é a de se dá publicidade, pois, o princípio da publicidade do registro público das empresas mercantis esta consignado no artigo 29 da Lei 8.934/94, vez que é por meio dessa norma que se insere em nosso ordenamento jurídico tal princípio. Art. 29 da Lei 8.934/94 “Qualquer pessoa, sem necessidade de provar interesse, poderá consultar os assentamentos existentes nas juntas comerciais e obter certidões, mediante pagamento do preço devido.” Após uma breve análise da norma, vez que estamos tratando do princípio da publicidade do registro, e a norma informa que as informações lá contidas são de caráter público.

Quando uma sociedade empresaria não faz o devido arquivamento do ato constitutivo na Junta Comercial, ela é uma sociedade em comum (de fato e irregular), logo são aquelas que existem na vida cotidiana atuando sem registro e, portanto, sem o reconhecimento de sua existência pelo Direito; apresentam-se como se fosse sociedades sem, entretanto, possuírem as formalidades dessas, funcionam sem qualquer documento; não possuem personalidade jurídica, o que não altera para os efeitos da lei tributária, visto que a pratica do comércio, para fins tributários equipara as pessoas físicas em jurídicas, produzindo assim seus efeitos.

Daí reside a importância desses detalhes fundamentais na aquisição, afinal com o fito de levar ao público as informações relevantes a respeito do empresário e de sua atividade, criou-se o sistema de registro público do empresário, com a finalidade de, dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, o que vai repercutir na sucessão empresarial.

Por isso para se dar a devida eficácia do Registro, ao arquivar um contrato social na Junta Comercial, a sociedade empresária deverá passar por três fases quais são: assinatura do documento, protocolo do documento na Junta Comercial, e o despacho da junta sobre o arquivamento. Nesse sentido é que se sabe quando aquele documento gerará efeitos. Assim se faz obrigatória uma atenta leitura do art. 36 da lei 8.934/94 que se segue: “Os documentos referidos no inciso II do art. 32 deverão ser apresentados a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá eficácia a partir do despacho que o conceder.”

De forma resumida tem-se que, o contrato social ou estatuto for levado à Junta Comercial para arquivamento dentro do período de 30 dias após a sua assinatura, sua eficácia retroagirá a data da assinatura. Se o contrato social ou estatuto for levado à Junta Comercial para arquivamento após o prazo de 30 dias da assinatura o registro só terá efeito a partir do despacho da junta que conceder o arquivamento.

Logo uma das obrigações do empresário, isto é, do exercente de atividade econômica é a de inscrever-se no Registro das Empresas, antes de dar início à exploração de seu negócio conforme art. 967 do CC foi depreendido que, o Registro público das Empresas é um sistema composto por dois níveis diferente do governo, no âmbito federal o DNRC, e no estadual a Junta Comercial, e que, do arquivamento nasce a pessoa jurídica, dar-se a personificação, e que dela trará direitos e obrigações a sociedade empresaria.

Esse é o ponto de partida do presente estudo visto que são os requisitos iniciais da definição da responsabilidade tributária do sucessor, suas responsabilidades e consequências.


Notas e Referências:

Coelho, Fábio Ulhoa, Manual de Comercial: direito de empresa – 25. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2013

Fazzio Junior, Waldo. Manual de direito comercial – 14 ed. – São Paulo, Atlas, 2013

Requião, Rubens, Curso de Direito Comercial, 1º vol. 26. Ed. Atual. São Paulo, saraiva, 2005


Charles M. MachadoCharles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@charlesmachado.adv.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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