Coluna Espaço do Estudante
Devido ao grande impacto econômico causado pela pandemia do COVID-19 às empresas ligadas ao setor de eventos, o Governo Federal, por meio da Lei nº 14.148/2021, instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, o chamado PERSE. Como o próprio nome diz, o objetivo do programa era gerar um ambiente favorável à retomada econômica das empresas desse setor, que foram muito prejudicadas durante a pandemia.
Visando beneficiar estes contribuintes, uma das medidas criadas foi a aplicação de alíquota 0 de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS por 60 meses para as empresas que se enquadrassem nos requisitos estabelecidos no art. 2º da Lei que instituiu o programa.
Em um primeiro momento, por meio da Portaria ME nº 7.163/2021, o Ministério da Economia listou os serviços/atividades, representadas pelos Códigos CNAEs, que fariam jus ao benefício do programa, totalizando 88 códigos. Desta forma, empresas que desempenhassem algum destes serviços/atividades apontados poderiam ter suas alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS zeradas.
No entanto, posteriormente, por meio da Portaria ME nº 11.266/2022, 50 desses serviços/atividades foram excluídos do programa, sob a justificativa de que a previsão inicial, por abarcar muitas empresas, poderia comprometer os cofres públicos.
Neste contexto, começaram os debates sobre a legalidade dessa exclusão.
O art. 178 do CTN[1] estabelece que isenções concedidas com prazo certo, e mediante o cumprimento de condições, não podem ser revogadas. O dispositivo não define o conceito de condições, e não há qualquer outra previsão legal que complemente essa previsão.
Assim, a definição de condição como algo que pressupõe uma onerosidade, no sentido de “esforços dispendiosos, obra cara, imobilização de capitais próprios ou tomados a juros”[2] é uma intepretação doutrinária e jurisprudencial.
A Súmula n. 544 do STF, ao estabelecer que isenções concedidas sob condições onerosas não podem ser revogadas, não traz qualquer equivalência entre os conceitos de “condições” e “onerosidade”. Ao contrário, se tais conceitos fossem equivalentes, não seria necessário adjetivar tais “condições” como “onerosas”.
Dessa forma, essa equiparação da “condição” como “condição onerosa” nada mais é do que uma escolha, que, segundo Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, pauta-se em critérios evidentemente econômicos, que definem a necessidade do beneficiário ter seu patrimônio onerado.
Como explica o autor, “(...) a partir do momento que se elege tal critério, o intérprete salta fora do seu objeto cognoscente, que deve ser apenas o fenômeno normativo, para ingressar em outras esferas irrelevantes para o exame do ordenamento jurídico.”[3]
Recentemente, algumas decisões têm ampliado o sentido do conceito de “condição onerosa”, entendendo que a onerosidade não significa necessariamente um investimento direto de recursos: condição onerosa seria aquela em que o contribuinte é conduzido a determinada conduta ou atividade que ele não empreenderia se estivesse sujeito ao tributo afastado/reduzido pelo incentivo.
É o caso do REsp 1.725.452[4], em que STJ deu provimento ao recurso, por entender que a Lei n. 13.241/2015, ao antecipar em três exercícios o fim do benefício que havia sido concedido a empresas varejistas do ramo de informática, violou a previsão do art. 178 do CTN, pois as condições estabelecidas no programa exigiam da empresa contrapartidas que reduziam sua liberdade numa economia de mercado e afetavam seu lucro; portanto, tinham claro caráter oneroso.
No voto que prevaleceu, a Min. Regina Helena Costa ainda citou outro caso decidido também pelo STJ, relativo à isenção de imposto de renda sobre alienação de ações societárias, concedido pelo Decreto-Lei n. 1.510/76. Neste caso, a condição onerosa foi a exigência do decurso do prazo de cinco anos sem alienação do bem, que configurava direito adquirido e, portanto, não poderia ser revogada, conforme art. 178 do CTN.
No caso do programa PERSE, existe a discussão quanto à Portaria nº 11.266/2022, que excluiu alguns códigos CNAEs (88) do benefício fiscal disposto no artigo 4º da Lei nº 14.148/2021 (importante destacar que, para os fins desse artigo, considera-se o benefício fiscal de alíquota 0% como expressão equivalente à isenção, uma vez que o STF assim já entendeu[5]). Estaria tal exclusão afrontando o art. 178 do CTN, uma vez que, com relação aos prestadores de serviços definidos pelos códigos excluídos, houve revogação do benefício?
Seria necessário, para a resposta, analisar se: a) o benefício foi concedido com prazo certo, e b) sob certas condições. O benefício é válido por 60 meses, conforme o art. 4º da Lei 14.148/2021, englobando os fatos geradores que ocorrem até o dia 31 de dezembro de 2026, conforme define o art. 2º, §2º, da Medida Provisória n. 1.1147/22. Já a IN n. 2.114/22 prevê algumas condições, como a apuração do IRPJ pela sistemática do lucro real, presumido ou do arbitrado e, também, a situação regular no Cadastur.
Pela ótica do alargamento do conceito de condição onerosa, se contribuintes passaram a preencher essas condições para gozar do benefício, de tal maneira que foram conduzidos a determinada conduta ou atividade que eles não empreenderiam se estivessem sujeitos ao tributo afastado/reduzido pelo incentivo, evidente que, à luz dos julgados citados, essa exclusão claramente afrontou o art. 178 do CTN.
E com relação aos contribuintes que já cumpriam essas condições, a ausência dessa onerosidade poderia tornar revogável o benefício?
O art. 111, II, do CTN[6] prevê que a legislação tributária que tratar de isenções deve ser interpretada de forma literal. Em que pese todas as críticas quanto este dispositivo, certo é que, conforme o Professor Heleno Torres, o que de fato o dispositivo busca é a “’interpretação especificadora’, para evitar que o Fisco possa fazer uso de ‘interpretação extensiva’ das restrições ou limites das isenções, para restringir seu aproveitamento; ou mesmo de ‘interpretação restritiva’, no que concerne ao acesso e alcance da isenção” [7].
Neste sentido, a interpretação do art. 178 do CTN, por se tratar de isenções, deveria ser de forma literal e, portanto, especificadora. Quando estabelecido que não se pode revogar isenção concedida por prazo certo e sob determinadas condições, a equiparação dessas condições com condições onerosas foge da previsão do art. 111, II, do CTN, pois busca justamente restringir o acesso a essas isenções.
Assim, estabelecido o prazo para o gozo do benefício do PERSE, e definidas as condições para seu proveito, o contribuinte não poderia ter tal benefício revogado, pois se trata de direito adquirido, independente de onerosidade.
Nessa perspectiva, recentes decisões do Tribunal Regional da 3ª Região concederam liminares para os contribuintes que tiveram o benefício revogado por conta da exclusão das suas atividades do Programa. É o caso da decisão interlocutória proferida nos Autos n. 5002656-14.2023.4.03.0000, em que a Magistrada suspendeu a exigibilidade do PIS, da COFINS, do IRPJ e da CSLL no que se refere à fruição do benefício fiscal de alíquota zero instituído pelo art. 4º da Lei do PERSE para as atividades de fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para empresas, aluguel de máquinas e equipamentos comerciais e industriais sem operadores, pensões (alojamentos), serviços combinados para apoio a edifícios e instalação de portas, janelas, tetos, divisórias e armários embutidos de qualquer natureza, por entender que os contribuintes cumpriam as condições estabelecidas e, sendo o benefício concedido por prazo certo, indevida a revogação.
Nessa linha, muito embora a matéria ainda não esteja pacificada, considera-se correto o posicionamento do TRF da 3ª Região, tendo em vista que se amolda perfeitamente, à luz do art. 111 do CTN, a uma interpretação literal (ou especificadora) do art. 178 do CTN, de forma a não restringir o acesso a uma isenção/benefício fiscal de alíquota zero concedida sob prazo certo e determinadas condições.
Notas e referências
[1] Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.
[2] BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3ª edição, 2ª triagem. São Paulo. Malheiros, 2007.
[3] LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções tributárias. São Paulo. Dialética, 1999.
[4] REsp n. 1.725.452/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 8/6/2021, DJe de 15/6/2021.
[5] "Na verdade, entre a isenção e a alíquota-zero, a distinção é meramente teórica. Na prática, os efeitos são semelhantes. Tributação à alíquota-zero e isenção, como não tributação, são hipóteses desonerativas. Em todas elas, o que afinal ocorre é o não recolhimento do tributo." (STF, RE 350.446, rel. min. Nelson Jobim, Tribunal Pleno, j. em 18/12/2002)
[6] Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: II - outorga de isenção.
[7] TORRES, Heleno. Interpretação literal das isenções é garantia de segurança jurídica. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-20/consultor-tributario-interpretacao-literal-isencoes-garantia-seguranca-juridica. Acesso em 11/04/2023.
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