Resolução nº 03/2016 do STJ e o instituto da reclamação

30/11/2016

Por Eduardo Borges – 30/11/2016

Há três microssistemas que, em conjunto, formam o sistema dos Juizados Especiais: os Juizados Especiais Cíveis e Criminais estaduais, Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal e, por fim, Juizados Especiais da Fazenda Pública. Cada microssistemas possui competência para julgar determinados tipos de causas, possuindo regras específicas de procedimento.

Aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais estaduais, instituídos e regulamentados pela lei nº 9.099/95, compete processar e julgar causas cíveis de menor complexidade, excetuadas as causas de interesse da Fazenda Pública, que sejam de competência da Justiça Estadual. Sua competência criminal restringe-se a processar e julgar infrações penais de menor potencial ofensivo que sejam de competência da Justiça Estadual.

No âmbito da Justiça Federal, instituídos pela lei nº 10.259/2001, possuem competência para processar e julgar causas com o valor de até 60 salários mínimos, bem como executar as suas sentenças. Lado outro, vislumbra-se que a competência criminal se alicerça nos crimes de menor potencial ofensivo que sejam de competência da Justiça Federal.

Por fim, aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, compete processar e julgar as causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas, até o valor de 60 salários mínimos. Sua instituição ocorreu pela lei nº 12.153/2009.

Explicado isso, é possível ir além.

Em decorrência de suas peculiaridades, o legislador optou por dar uma sistemática recursal diferenciada aos órgãos do sistema dos juizados especiais. Os recursos em face das sentenças proferidas pelo juiz do Juizado serão julgados pela Turma Recursal e não pelo Tribunal de Justiça, admitindo-se, nestes casos, a interposição de Embargos de declaração e de Recurso inominado.

A Turma Recursal compõe-se de um colegiado formado por três juízes de primeiro grau e funciona como instância recursal na estrutura dos Juizados Especiais. As decisões da Turma desafia a interposição de Embargos de Declaração e de Recurso Extraordinário, não sendo cabível a interposição de Recurso Especial, inclusive essa é a posição adotada pela Súmula 203 do STJ: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”.

A impossibilidade decorre da previsão exclusiva do art. 105, III, da Constituição Federal, a qual atribui ao Superior Tribunal de Justiça a competência para julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quanto à decisão recorrida. Diferentemente, o Recurso Especial é cabível contra causas decididas em única ou última instância por qualquer órgão jurisdicional.

Insta destacar o teor da Súmula 640 do STF: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”.

Pois bem.

Diante deste quadro, indaga-se qual a medida a ser adotada quando a decisão da Turma Recursal contrariar entendimento consolidado do STJ?

A verdade é que como não cabe Recurso Especial, as leis nº 10.259/2001 (Juizado Especial Federal) e 12.153/2009 (Juizado da Fazenda Pública) solucionaram o viés de forma inovadora.

A Lei do Juizado Especial Federal define, em seu art. 14, que a parte poderá formular pedido de uniformização de jurisprudência para a Turma Regional de Uniformização (TRU) ou para a Turma Nacional de Uniformização (TNU). A Lei dos Juizados da Fazenda Pública também adotou a possibilidade de pedido de uniformização de jurisprudência quando as Turmas de diferentes estados derem à lei federal interpretações divergentes ou a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do STJ – essa previsão encontra-se nos arts. 18 e 19 da lei de regência.

Ademais, quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização contrariar súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

Mas a questão não tão simples.

A Lei nº 9.099/95 não previu uma forma de fazer prevalecer a posição adotada pelo STJ, nem tampouco aquelas sumuladas pelo tribunal. Diante disso, a Corte teve que criar, por meio de resolução, um mecanismo para resolver a divergência.

Inicialmente, o STJ instituiu a Resolução STJ 12/2009, a qual possibilitava a parte ajuizar reclamação no STJ contra a decisão de Turma Recursal quando esta afrontasse jurisprudência do STJ pacificada em recurso repetitivo, violasse súmula do STJ ou fosse teratológica.

Entretanto, em 08 de abril de 2016 foi publicada a Resolução STJ/GP nº 03/2016, a qual altera a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Agora a competência deixa de ser do STJ e passa a ser dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.

Com a modificação introduzida, a parte poderá ajuizar reclamação no Tribunal de Justiça quando a decisão da Turma Recursal Estadual ou do Distrito Federal contrariar jurisprudência do STJ que esteja consolidada em incidente de assunção de competência, incidente de resolução de demandas repetitivas, no julgamento de recurso especial repetitivo, precedentes do Tribunal, bem como aquelas dispostas em enunciados das Súmulas do STJ.

Dessa forma, é como se o STJ efetuasse uma entrega de sua competência de analisar se a decisão da Turma Recursal afrontou ou não sua jurisprudência aos Tribunais de Justiça. No TJ, essas reclamações serão julgadas pelas Câmaras Reunidas ou por uma Seção Especializada (art. 1º da Resolução 03/2016).

Segundo a Resolução, aplica-se, no que couber, o disposto nos arts. 988 a 993 do Código de Processo Civil, bem como as regras regimentais locais, quanto ao procedimento da Reclamação.

Sublinhe-se apenas que a alteração de competência não se aplica às reclamações já distribuídas, pendentes de análise no Superior Tribunal de Justiça.

Mas a questão não é simples.

A Resolução inovou no ordenamento jurídico, criando uma medida única, pois, o instituto previsto não pode ser considerado uma Reclamação. Em verdade, a Reclamação é um instituto destinado a cassar decisões que afrontam a competência ou autoridade de um Tribunal, ou seja, o instituto é um mecanismo de defesa do Tribunal para que suas decisões não sejam desrespeitadas ou que sua competência não seja usurpada.

Deste lume, a Resolução STJ/GP nº 03/2016 cria uma espécie de Reclamação julgada por tribunal diverso daquele ao qual teve a sua decisão afrontada.

A resolução inclusive contraria o art. 988, § 1º, do Código de Processo Civil, que aduz:

Art. 988 (...)

§ 1º A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir.

A legalidade deste instituto é questionável, por não haver suporte legal ao instituto, bem como por ampliar, ao arrepio constitucional, a esfera de competência dos Tribunais de Justiça.

É preciso, porém, uma reflexão como contraponto.

A inovação surgiu no julgamento do agravo regimental da Rcl nº 18.506, na qual se extinguiu a Resolução nº 12/2009, findando com a possibilidade de interposição do recurso de Reclamação. Antes disso, no julgamento das Reclamações 3.812 e 6.721, o STJ já havia estabelecido que a Reclamação só seria admissível quando a decisão recorrida contrariar enunciado de súmula do STJ ou decisão proferida em sede de recurso especial de efeito repetitivo.

Desta forma, o instituto criado impede que as decisões proferidas nas Turmas Recursais fiquem imunes ao descontentamento da parte quando houvesse desrespeito à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes.

Vislumbra-se um pensamento convergente ao controle jurisprudencial dos Juizados Especiais.

Nesse norte, a resolução nº 03/2016 visa completar o sistema processual ao criar uma ferramenta ímpar, cuja eficácia e manutenção será resultado de longa e produtiva análise, a qual somente poderá ser feita à luz do andamento processual e de sua aplicação. Embora de constitucionalidade e legalidade discutível, é uma ferramenta necessária e fruto de dilatada experiência judicial.


eduardo-borges. Eduardo Borges é Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, em curso na ACADEPOL. Professor de Direto Penal e Criminologia da Universidade do Contestado – UnC Campus de Mafra/SC). Bacharel em Direito. Bacharelando em Administração de Empresas. Especialista em Segurança Publica  e Cidadania (FACEL, 2014) e em Direito Processual Civil (2016).

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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