Resistência Ambiental e Direitos Fundamentais: um ato contra a barbárie antropogênica – Por Maykon Fagundes Machado e Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino

04/09/2017

Estimados leitores e leitoras; permita-nos estabelecer nesta oportunidade um diálogo, no mínimo, provocativo. O jurista ambientalista – aquele que se dedica nos estudos voltados a preservação da Natureza e seus ecossistemas buscando a efetividade do paradigma cogente da atualidade, a Sustentabilidade[1].

É possível compreender, na sua tríade clássica[2] – as dimensões ambiental, social e econômica[3] -, que essa categoria deve ser considerada fundamental para uma efetiva e eficaz resistência em prol da vida contra a barbárie antropogênica[4]. Porque!? Simples: porque todo o mundo da vida depende de relações simbióticas as quais asseguram um equilíbrio ao sadio desenvolvimento dos seres e dos ambientes.

Proteger esse núcleo central ao viver, identificar e interpretar os novos fenômenos que oportunizam o esclarecimento dessa proximidade e, ao final, produzir e aplicar leis com a finalidade de impedir a voracidade cega da tecnologia, da ciência, da economia em negar (ou ignorar) o estatuto ontológico próprio da Terra a fim de possuí-la e administrá-la conforme as necessidades humanas é função precípua que se inicia pelos Direitos Fundamentais e se projeta para um Direito Global[5].

Compreende-se que a categoria Resistência – propagada atualmente, como sendo a não aceitação de violação das regras processuais e, inclusive dos Direitos Fundamentais – se assemelha às Utopias históricas. A partir da concepção de Sarlet, é possível entender que, a proteção do Meio Ambiente está amplamente inserida no resguardo do princípio da dignidade da pessoa humana, entendida como a qualidade de cada ser humano respeitar o Meio Ambiente, e principalmente por parte do Estado, em garantir para toda a sociedade, o devido direito a uma vida saudável[6]. A Dignidade da Pessoa Humana não se restringe na proteção do ser humano, mas deste em relação com a teia da vida, ou seja, a Dignidade da Pessoa Humana precisa ser entendida na sua matriz ecológica.

Percebe-se, nesse caso, que o Meio Ambiente se amplia, capaz de figurar como uma extensão do Direito à vida. (Con)viver é pressuposto para fruir da proteção legal de todos os Direitos Fundamentais. Logo, a preservação de um Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, como faz previsão o artigo 225 da Constituição da República de 1988, é, sobretudo a expressão da Sensibilidade Jurídica[7] e Consciência Jurídica[8] como manifesto de resistência contra a barbárie antropogênica (desde a local até a global).

Por esse motivo, essa atitude recebe o tratamento de Direito fundamental[9], que deve ser garantido e resguardado com indignação e impaciência para se prevenir as hodiernas abominações – especialmente jurídicas, presente nos mais variados fóruns, tribunais e cortes superiores do Brasil – que fragilizam e aumentam a vulnerabilidade de todas as formas de vida.

O Direito Ambiental, fundado nas relações da Sustentabilidade, deve ser encarado primordialmente de forma transdisciplinar e não meramente como um ramo isolado do Direito. Todos os saberes humanos praticamente adotam a Sustentabilidade como critério para se entender e esclarecer as profundas raízes dessa dimensão relacional entre Homem e Natureza. Essa situação deve ser enfrentada de forma a proporcionar melhor qualidade de vida, não somente aos seres humanos, seja na condição intergeracional ou intrageracional, mas de todas as formas de interdependência, de interligação[10] entre os seres.

Quando se aborda e se estuda os Direitos Fundamentais, deve-se ter como premissa inicial que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está em consonância naquilo que ensina a categoria Ecologia. Nas lições de Tiago Fensterseifer[11]:

[…] O conteúdo conceitual e normativo do princípio da dignidade da pessoa humana está intrinsecamente relacionado à qualidade do ambiente (onde o ser humano vive, mora, trabalha, estuda, pratica lazer, bem como o que ele veste, etc)

No entanto, a “qualidade do ambiente”, promovida e incentivada pelas atitudes humanas não se restringe às suas atividades cotidianos. Preservar a “qualidade do ambiente” surge com a epifania de um “Direito a Existência[12]”. O mesmo autor anteriormente citado[13] afirma que:

[…] não nos parece possível excluir de uma compreensão necessariamente multidimensional e não reducionista da dignidade da pessoa humana, aquilo que poderá designar de uma dimensão ecológica […] da dignidade humana, que, por sua vez, também não poderá ser restringida a uma dimensão puramente biológica ou física, pois contempla a vida como um todo, inclusive do ambiente em que a vida humana (mas também a não humana) se desenvolve.

Nesse ir e vir relacional próprio da Pós-Modernidade[14], praticamente tudo está atrelado ao paradigma da Sustentabilidade. Esse é um significativo avanço em termos de desenvolvimento civilizacional. Verifica-se esse cenário, inclusive, na (sempre em expansão) economia de mercado[15].

A adequação da Sustentabilidade – verificada a sua extensão e proporção – se torna discurso e práxis de uma política mundial, além das fronteiras geográficas de um Estado nacional. Aliás, esse é um fator que o leitor e a leitora precisam compreender: a crise ambiental em todas as regiões do mundo, causada pelo véu geopolítico dos interesses econômicos em detrimento à Sustentabilidade, não é um problema exclusivamente da finitude de nosso Planeta, porém, essencialmente, um problema político[16].

Veja-se, por exemplo, o discurso do Presidente dos Estados Unidos da América – Donald Trump – acerca da saída da Conferencia de Paris em 2015. Não existe nada de novo nessa atitude, já que repete tão somente a ideologia hegemônica dos Países Desenvolvidos antes – e mesmo durante – da Declaração de Estocolmo, ou seja, passados quase trinta anos deste fato, é praticamente absurdo que ainda se insista – não obstantes os apelos em prol da Sustentabilidade – no crescimento ilimitado das industrias como fator de manutenção de qualquer padrão econômico. Nesse caso – e relembrando o velho Marx – tudo e todos somos mercadorias. Insiste-se nesse caráter fetichista da mercardoria[17].

Não se trata somente de recursos financeiros e capital, mas de qualidade de vida e sobrevivência de toda a vida no Planeta, uma vez que, mitigada as causas de destruição e colapso de origem antropogênica, se desencadeia com efeito devastador para todas as espécies de nossa “Casa Comum”, a Terra. Resistir contra as barbáries humanas que visam eliminar a vida e encobrir as luzes trazidas pela dimensão ecológica da Sustentabilidade é atitude fundamental de todo jurista na Pós-Modernidade.


Notas e Referências:

[1] “[…]O passivo diz que ‘sustentar’ significa equilibrar-se, manter-se, conservar-se sempre a mesma altura, conservar-se sempre bem. Neste sentido ‘’sustentabilidade’’ é, em termos ecológicos, tudo o que a Terra faz para que um ecossistema não decaia e se arruíne. Esta diligência implica que a Terra e os biomas tenham condições não apenas para conservar-se assim como são, mas também que possam prosperar fortalecer-se e evoluir”. BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é – o que não é. 4° ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2015. p. 31.

[2] “[…] Conferência do Rio (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992) foi convocada dois anos após a publicação do Relatório Brundtland (elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, presidida pela então Primeira-Ministra da Noruega, Gro Brundtland), cuja ampla divulgação permitiu que novos aspectos enriquecessem o debate em torno do meio ambiente. O relatório introduziu, igualmente, novos enfoques e cunhou o conceito de desenvolvimento sustentável, objetivo que exige equilíbrio entre “três pilares”: as dimensões econômica, social e ambiental. [Grifo Nosso]. ARANHA, André Correa do Lago. ESTOCOLMO, RIO, JOANESBURGO. O Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2006, p. 18.

[3]  Destaca-se que as dimensões clássicas da Sustentabilidade são: social, econômica, ambiental, entretanto nesta abordagem adota-se o entendimento de Juarez Freitas. Para verificação integral das dimensões da Sustentabilidade, recomenda-se a análise da obra inframencionada. FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 3° ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 60-76.

[4] “Igualmente deve-se ter presente que, embora a ideia de crise ambiental, apoiada por estudos e discursos os quais, em importante medida, provêm das Ciências Naturais, tais como a ecologia, assim como ciências do ambiente e da terra, entre outras, não se referem a um fenômeno originado de causas naturais, mas sociais. Responsabiliza-se a conduta do homem moderno, aquele gerado pela civilização industrial, de tê-la desencadeado e, portanto, tornou-se comum afirmar que a crise ambiental e de causas antropogênicas”. ESTENSSORO SAAVEDRA, Fernando. História do debate ambiental mundial 1945-1992: a perspectiva latino-americana. Tradução de Daniel Rubens Censi. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2014, p. 28.

[5] “[…] a força motriz do Direito já não é mais os anseios de limitação jurídica dos poderes domésticos absolutos; mas, sobremodo, a regulação de dinâmicas policêntricas relacionadas com a circulação de modelos, capitais, pessoas e instituições em espaços físicos e virtuais”. STAFFEN, Márcio Ricardo. Interfaces do direito global. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2015, p. 22.

[6]  SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2007, p. 62.

[7] Para fins desta pesquisa, propõe-se o seguinte Conceito Operacional para a Categoria “Sensibilidade Jurídica”: ato de sentir algo junto à pluralidade de seres, lugares, momentos e linguagens e que constitui base indispensável para o aperfeiçoamento do sentimento de justiça, da Consciência Jurídica e convivência global.

[8] “Aspecto da Consciência Coletiva […] que se apresenta como produto cultural de um amplo processo de experiências sociais e de influência de discursos éticos, religiosos, etc., assimilados e compartilhados. Manifesta-se através de Representações Jurídicas e de Juízos de Valor”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: Editora da OAB/SC, 2000, p. 22. Grifos originais da obra em estudo.

[9]  KLOEPFER, Michael. Vida e dignidade da pessoa humana. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.) Dimensões da dignidade: Ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 158.

[10] “Compreender a natureza da vida a partir de um ponto de vista sistêmico significa identificar um conjunto de critérios gerais por cujo intermédio podemos fazer uma clara distinção entre sistemas vivos e não vivos. Ao longo de toda história da biologia, muitos critérios foram sugeridos, mas todos eles acabavam se revelando falhos de uma maneira ou de outra. No entanto, as recentes formulações de modelos de auto-organização e a matemática da complexidade indicam que hoje é possível identificar esses critérios. A ideia-chave da minha síntese consiste em expressar esses critérios em termos das três dimensões conceituais: padrão, estrutura e processo”. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica sobre os sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 135.

[11] FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 61.

[12] “La liberación de la Naturaleza de esta condición de sujeto sin derechos o de simple objeto de propiedad, exigió y exige, entonces, un trabajo político que le reconozca como sujeto de derechos. Un esfuerzo que debe englobar a todos los seres vivos (y a la Tierra misma), independientemente de si tienen o no utilidad para los seres humanos. Este aspecto es fundamental si aceptamos que todos los seres vivos tienen el mismo valor ontológico, lo que no implica que todos sean idénticos. Dotarle de Derechos a la Naturaleza significa, entonces, alentar políticamente su paso de objeto a sujeto, como parte de un proceso centenario de ampliación de los sujetos del derecho, como recordaba ya en 1988 Jörg Leimbacher, jurista suizo. Lo central de los Derechos de la Naturaleza, de acuerdo al mismo Leimbacher, es rescatar el “derecho a la existencia” de los propios seres humanos (y por cierto de todos los seres vivos). Este es un punto medular de los Derechos de la Naturaleza, destacando una relación estructural y complementaria con los Derechos Humanos”. ACOSTA, Alberto. La Naturaleza con Derechos: una propuesta de cambio civilizatorio. 2011, p. 9. Disponível em: <http://www.lai.at/attachments/article/89/Acosta-Naturaleza%20Derechos%202011.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2017.

[13] FERNSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Princípios do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 47/48.

[14] “A pós-modernidade é, por isso, como um movimento intelectual, a critica da modernidade, a consciência da necessidade de emergência de outra visão de mundo, a consciência do fim das filosofias da historia e da quebra de grandes metanarrativas, demandando novos arranjos que sejam capazes de ir além dos horizontes fixados pelos discursos da modernidade” BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade: reflexões frankfurtianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 146.

[15] […] falar em adequação ao mercado internacional importa falar em sustentabilidade econômica e ambiental. E a sustentabilidade ambiental pode ser definida como o uso de recursos renováveis ao longo de toda a atividade empresarial, não acumulando nem incorporando poluição e degradação ao sistema produtivo. TRENNEPOHL, Terence. Direito Ambiental Empresarial. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 37.

[16] “[…] A tecnologia, as Ciências Naturais, e outras ciências, poderão lançar luzes sobre a gravidade da crise e poderão propor artefatos, mecanismos e cenários para ajudar a superar algumas das variáveis, porém a solução do problema de forma integral define-se no complexo espaço politico-ideológico de um mundo no qual as relações de poder, bem como determinados movimentos ambientais não acontecem de forma inocente, mas respondem às novas e sofisticadas estratégias de dominação”.  ESTENSSORO SAAVEDRA, Fernando. História do debate ambiental mundial 1945-1992: a perspectiva latino-americana. p. 31/32.

[17] “[…] os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, como figuras independentes que travam relação umas com as outras e com os homens. Assim se apresentam, no mundo das mercadorias, os produtos da mão humana. A isso eu chamo de fetichismo, que se cola aos produtos do trabalho tão logo eles são produzidos como mercadorias e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias”. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política – livro I. Tradução de Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 148.

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