Por Jose Luis Bolzan de Morais - 27/06/2015
(...)lo statuto individualistico-atomistico soggiacente
alla nuova época dell’homo æqualis pone gli uomini
l’uno accanto all’altro, “senza um legame comune
che li unisca”..(G. Marramao, Contro il potere.
Milano: Bompiani. 2011. p. 141)
Caros leitores, amigos, parceiros de “viagem”, há poucos dias um aluno me enviou uma notícia, dando conta de que o Tribunal de Justiça da Bahia estaria bancando clareamento de dentes para magistrados e servidores – HTTP://www.bahianoticias.com.br/justica/noticia/51612-sem-sorriso-amarelo-tj-ba-banca-clareamento-de-dentes-para-magistrados-e-servidores.html - o que, por incredulidade na “criatividade” sem fim (sonfinata...), confirmei com um colega/amigo bahiano, e pensei em escrever algo a partir de mais esta ilimitação republicana da “monarquia judiciária” brasileira. Lembrei, por isso, da frase que se lê na chegada do aeroporto de Salvador – “Sorria você chegou (ou, está..., não recordo exatamente!) na Bahia” – que, suponho, deva estar como “fundamento” (sem fundamento) deste “direito” (desejo) assegurado pelo judiciário bahiano. Afinal, há que se “garantir” um belo sorriso aos membros desta nobre – sem trocadilhos - função de Estado – é bom que se lembre, afinal, a jurisdição faz “parte” do Estado, embora às vezes se coloque “fora” dele....
Depois, abandonei a idéia. Afinal, tal nota não merece sequer a crítica. Ela vale por si só... Realmente, perderam-se os limites... E, aqui, nada contra um belo sorriso... desde que, como política pública, possa ser assegurado a todos, como uma resposta correta, ao estilo do que tem combatido cotidianamente o parceiro Lenio Streck. Fica, tão só, a nota.
Mas, de qualquer modo, este pode ser um mote para pensarmos um outro aspecto da ilimitação a que temos aludido – proximamente faremos um quadro explicativo dos diversos vieses que pensamos o sconfinato do Estado -, aquele da sobrevalorização dos direitos, transformados em “desejos”, e o “esquecimento” dos deveres como componentes de uma república democrática, afinal esta é a identidade do Estado brasileiro, pois somos definidos, em termos constitucionais, como República antes de qualquer coisa (art. 1º da CRFB/88), cujo regime político é o demorático. E república democrática não se faz apenas de direitos, muito menos destes transformados em “desejos”, mas também de deveres.
Por isso, parafraseando Vinícius de Morais (Onde anda você), em tempos de ilimitação de direitos, parece importante perguntar onde andam os deveres?
Há pouco tempo, aqui mesmo neste Empório do Direito propus, em Entre “direitos”, “deveres” e “desejos”. Ou, o Juiz é meu pastor...tudo me dará (21/04/2015), junto com Luciano Violante retomar o conceito de “deveres”, colocando-o no centro do debate em torno à (re)construção da ideia de república democrática e de cidadania alicerçado na obrigação política e em uma rede de relações cívicas e não apenas em direitos em torno dos quais se constrói uma disputa excludente que legitima o egoísmo individual.
Para Luciano Violante o foco nos “direitos”, em um contexto de judicialização do cotidiano, põe em evidência a crise experimentada pelas democracias constitucionais contemporâneas.[1]
É preciso retomar, mais uma vez, a ideia dos deveres constitucionais em confronto com uma “democracia dos desejos” – conceito nosso - baseada na satisfação de pretensões individuais/individualísticas onde, com a judicialização do cotidiano, a “política dos direitos” se transmuta em uma “política dos desejos”, cuja expressão maior parece vir sendo dada pela jurisdição, em especial por meio do ativismo judicial, que, oferecendo respostas imediatas/instantâneas, torna, de regra, marginal a atividade política, se apresentando como alternativa privilegiada à disputa política, cada vez mais, de uma lado, colonizada pela economia – de mercado, em especial -, que corrompe as promessas constitucionais de uma vida digna, de outro, fragilizada como ambiente onde se constroem as escolhas de uma sociedade livre e soberana.
Assim e agora, a luta pelos direitos se constitui desde uma perspectiva de crise das instituições políticas e da própria sociedade e a emergência de um “governo de juízes” na base de uma interpretação constitucional em nome de direitos orientados por pretensões individuais e desvinculados de deveres. Abstrai-se a idéia de unidade política conectada a deveres e sua conexão a uma ética republicana onde se promova um equilíbrio entre direitos e deveres, promovendo-se uma “irresponsável” e “individualista” luta por direitos, sustentada por um redesenho de atribuições públicas estatais em favor de uma judiciarização da tomada de decisões.
Para Violante, esta politica dei diritti[2] - como “política dos desejos” - tem uma intrínseca conexão com os neoconstitucionalismos[3] que buscam resolver a fragilidade da política por meio da supervalorização de direitos e o recurso privilegiado ao Sistema de Justiça.
Aqui, transparece, mais uma vez o que temos sugerido como uma das contradições do nomeado Estado Social – em suas variadas experimentações. O seu sucesso gera seu fracasso...Mais Estado Social, mais acesso à justiça. Mais acesso à justiça, menos Estado Social – voltaremos a isso em outro momento.
E, parece que vivemos uma nova fase da velha “guerra hobbesiana” onde, agora, cada um pretende apropriar-se das sobras do Estado Social para satisfazer os seus mais exclusivos e excludentes desejos. Cada um, como indivíduo ou como corporação, busca assegurar seus desejos sem nenhuma vinculação a deveres que estão na base de um projeto de sociedade justa e solidária.
Parece um pouco disso que temos experimentado com uma “luta intestina” em torno a direitos que deveriam ser reconhecidos e concretizados por meio de políticas públicas quando se trasvestem em desejos, bem como quando desconstruímos a “unidade” do Estado pela “a(tua)cão corporativa” de grupos presentes em diversos âmbitos do ente público.
Tais referências podem contribuir para pensarmos a realidade político-institucional brasileira, a qual, com tantos exemplos – como o que inaugura estes comentários -, nos impõe por em questão os limites de nossa República Federativa como Estado Democrático de Direito, perguntando, com Vinicius de Morais, onde anda você...onde andam seus olhos...que a gente não vê...você bem que podia me aparecer...!
Notas e Referências:
[1] Ver: VIOLANTE, Luciano. Il dovere di avere doveri. Torino: EINAUDI. 2014. p. XIV
[2] La política dei diritti è partita dalla tutela dei diritti fondamentali, ma si estende oggi nella teoria e nella prassi a ogni tipo di diritto, da quelli tradizionali sinon ai cosidetti “nuovi diritti”...Alcuni di questi diritti fanno parte indiscutibile del patrimonio umano. Ma spingere il campo dei diritti al confine dei desideri, costituisce il tentativo di dare uma veste giuridica a opzioni individuali o a orientamenti politici, spesso legati a valori costituzionali, “ma che non possono essere assimilabili a diritti soggettivi con il rigore scientifico che occorrerebbe”. L. Violante, op. cit., p. 14
[3] Il neocostituzionalismo sembra non avere alcuna fidúcia nella lotta política, nelle possibilita di cambiamento delle maggioranze, nell’impegno dei cittadini per obiettivi politici di carattere generale. Eppure la democrazia si nutre di questa tensione ed è viva com i suoi valori quando le parti del mondo político si confrontano e si misurano sugli obbiettivi del paese e quando i cittadini dell’una o dell’altra opinione le seguono condividendo o opponendosi. Non è compito del costituzionalismo, vechio o nuovo, sollecitare il conflito político. Ma nelle riflessioni sulla democrazia dovrebbero essere riconosciuti i limiti struturali del diritto e della giurisdizione, la funzione democrática del conflito e gli effeti di sterilizzazione della democrazia che avrebbe uma delega illimitata ai giudici per il riconoscimento di nuovi diritti. L. Violante, op. cit., p. 146.
José Luis Bolzan de Morais é Mestre em Ciências Jurídicas PUC/RJ. Doutor em Direito do Estado UFSC/Université de Montpellier I (França). Pós-doutoramento Universidade de Coimbra/PT. Professor do PPGD-UNISINSO. Procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Pesquisador Produtividade CNPQ.
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