REPE&C 18 e Garantismo Jurídico - Como assim, Filosofia Política no Direito?

20/02/2016

 Por Jose Luis Bolzan de Morais e Alfredo Copetti Neto - 20/02/2016

Sono tuttavia convinto che si possa lavorare in una prospettiva di medio período  a uma  ricomposizione delle diverse “sfere pubbliche diasporiche”  (...) in una sfera pubblica globale improntata alluniversalismo della differenza

(MARRAMAO, Giacomo. Il Mondo e l’occidente oggi. Il problema di una sfera pubblica globale )[1].

Voltamos, mais pontualmente, ao tema “Estado” - o qual subjaz a todas as relfexões postas nesta coluna sconfinata, por si mesma -, agora para suscitar alguns elementos indicativos da importância, para os juristas, de compreendê-lo adequadamente, em especial diante do contexto e das circunstâncias que afetam as bases tradicionais da Teoria do Estado ensinada nas Faculdades de Direito. Tais aspectos têm produzido transformações profundas na experiência estatal da modernidade e, por consequência, na produção e aplicação do Direito como um de seus instrumentos privilegiados para a construção de um projeto civilizatório que vem demarcado por características próprias, bem como tem experimentado avanços e retrocessos, sucessos e fracassos ao longo do que convencionamos nomear como “modernidade”. E, esta referência (a modernidade) precisa estar sempre presente quando falamos de Estado, pois não há como entendê-lo fora dela, muito embora seus traços já venham se constituindo anteriormente, como têm indicado os trabalhos, dentre outros, de Saskia Sasen[2].

Assim, há que se demarcar, desde logo, que esta instituição jurídico-política (o Estado) tem como uma de suas referências a história. É, por isso mesmo, uma instituição "histórica". Tem origem, um desenrolar e...um fim(será?), sem que isso possa, por óbvio, ser entendido maniqueisticamente ou que se esteja, aqui, adotando uma perspectiva da história como um desenrolar “evolutivo” e sequencial de fatos e acontecimentos. O que se quer demarcar com isso é o caráter “não natural” desta instituição, o seu sentido instrumental e, correlatamente, contingencial.

Há, também, que se ter presente que, de outro lado, esta é, também, uma instituição “geográfica”, seja por suas origens, o que nos leva a ter presente seu fator colonial(ista), seja por sua pretensão à universalidade, seja, por fim, à sua demarcação geográfica, como territorialidade, o que também serve como delimitador da potência estatal – soberania -, tanto quanto à sua “superioridade” interna, quanto na sua “igualdade” externa.

Ou seja, havemos de reconhecer que o Estado não esteve sempre no “entre nós”, sequer está presente, ainda hoje, em todos os “recantos” do planeta Terra, apesar do “sucesso” e da força atrativa que esta instituição carrega consigo[3].

Com tais pressupostos, pretende-se sugerir não apenas referências que indiquem o lugar da Teoria do Estado na formação dos Bacharéis em Direito, como uma disciplina dogmatizada e, assim, “disciplinada”, mas como um lócus de conhecimento que precisa enfrentar as circunstâncias de seu próprio objeto para, assim, situá-lo e instrumentalizá-lo para entender a funcionalidade de uma era complexa, fluida (ou líquida...), em transição e que pressupõe novos olhares para uma institucionalidade em transformação.

Desde a perspectiva de “crise”[4] como expressão de uma transição/transformação/superação dos modelos e práticas modernos, pode ser - e é - sentida a necessidade de uma reflexão que tenha por substrato o, até hoje, lócus privilegiado do Direito, o Estado, apontando para circunstâncias e ingredientes peculiares ao debate da Filosofia “política”, seja na sua perspectiva originária, seja em face dos novos contextos que interferem não só no “lugar” do e para o Direito, como também na sua mesma capacidade de apresentar-se como instrumento apto a dar forma e conteúdo para um, outro(?), modelo de socie(abili)dade humana.

Por outro lado, também fundamental é a tomada de posição frente ao que poderíamos nomear provisoriamente como a retomada do debate acerca das relações entre teoria e práxis para a e na formação do jurista.

E, é aqui que pretendemos sugerir algumas reflexões que nos permitem incidir no tema em uma perspectiva ampliada, qual seja, o da importância da Filosofia “Política” no Direito e, com isso já adiantamos nossa ‘suspeita’ de que se há uma especificidade da reflexão jurídica esta – a Filosofia – não se apresentará como uma disciplina específica, mas, muito mais, como uma incidência do conhecimento filosófico – político, no caso – para a constituição de um saber jurídico que ultrapasse uma mera tecnologia de regulação de comportamentos e de organização social para estabilizar expectativas e reduzir complexidades, moldado por um saber técno-procedimental que se desvincula de seu compromisso com o mundo da vida – usando, aqui, descontextualizadamente a locução habermasiana.

Dito de outro modo, o fundamento absoluto, apoiado na metafísica e no juspositivismo legalista (não crítico) impede o Direito, em sua nova ordem constitucional, de realizar as movimentações necessárias à atuação efetiva e atenta à realidade social. Somente através do desenvolvimento de um viés filosófico (político), calacado em um visão ciente da temporalidade e da finitude, marcado por uma abertura dialógica do pensamento, é que o Direito poderá construir seu devido sentido dentro da ordem constitucional democrática.

Partindo da questão pós-metafísica da morte do fundamento absoluto (mais uma vez com Habermas) e de uma laicização das verdades, a temporalidade e a finitude ganham novos contornos no pensamento ocidental contemporâneo. Nesse sentido, torna-se imprescindível um pensamento jurídico que leve à reconstrução/reconciliação da ordem jurídica, na medida em que possibilite a movimentação desta em direção a patamares até então não alcançados.

O que se quer ressaltar, na vendade, é que a Filosofia Política, abandonada na miséria cotidiana da práxis positivista, deve ser retomada sob outras vestes, para que as novas interrogações relativas ao Direito apareçam nos dias atuais não como meras interrogações jurídicas, mas como uma nova compreensão do Direito e do Estado, do Estado de Direito, que se constróem em defesa de um processo civilizatório, cuja possibilidade encontra-se numa razão intramundana, histórica e terrena, proveniente do querer humano e de suas escolhas.

Ou seja, a questão da Filosofia Política “no” Direito passa, hoje, pelo necessário conhecimento e ambientação das construções teóricas e das experimentações práticas dos modelos político-institucionais em um ambiente completamente distinto daquele no qual a experiência moderna se constituiu, ou seja, o de um Estado dotado de um poder incontrastável – dito, soberano –, em um ambiente geográfico delimitado – dito, território –, cujas fronteiras estabeleciam uma impermeabilização entre o mundo interno (nacional) e o externo/estrangeiro (internacional) e construíam uma identificação forjada a partir de elementos artificiais, conferindo “previlégios” àqueles todos que eram destinatários de suas previsões – dito, povo – excluindo, com isso, os demais.

Hoje, nada mais é assim. O Estado se vê confrontado em seu poder, permeabilizado em suas fronteiras, diluído em seus membros. E, por isso mesmo, cada dia é mais necessário buscar compreender estas “circunstâncias” novas e inéditas – nem tanto, se lembrarmos o que Andre-Noel Roth chama à atenção quando fala em um neofeudalismo - a fim de podermos estar aptos a lidar com este “novo” e, até mesmo confrontá-lo em nome das conquistas modernas ainda incompletas ou irrealizadas em muitos lugares, forjando respostas compatíveis.

É a especificidade da Filosofia “política” que nos ajuda a compreender e nos permite aceder ao lócus privilegiado da produção e aplicação do Direito erigido pela e na modernidade, assim como contribui definitivamente para o entendimento das circunstâncias e afetações que uma mudança paradigmática produz na e para a construção de estruturas jurídicas aptas à desformalização e desconstrução dos modelos e práticas até então assumidos como fórmulas “únicas” e “definitivas”, assim como das consequências e dos riscos aqui envolvidos. E, assim, poder-se-á manter uma postura crítico-reflexiva que nos dê elementos para atuarmos fortemente neste processo.

Em outras palavras, e tomando emprestadas as sugestões de Giacomo Marramao, é preciso termos em conta que estamos passando de uma “modernidade nação” para uma “modernidade mundo”, e que isso não se experimenta sem rupturas e incertezas. Como sustenta o mesmo autor, vivemos entre o “não mais” e o “ainda não”. Submetidos a uma “babelização” que nos joga na “incerteza da crise”[5].

Nesse contexto, em que pese a falência das instituições, do pensamento, enfim dos ideias da modernidade, é indispensável questionarmos como retomar a Filosofia  Política abandonada?

Para tanto, é interessante notar que a idéia de interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade nunca esteve tão presente no mundo jurídico como na atualidade. Mas ainda assim, juristas e filósofos, especialmente no Brasil, em que estas questões ficam restritas aos professores de alguns destacados programas de pós-graduação, se mostram tímidos em assumir a frente dessas investigações, indispensáveis ao desenvolvimento crítico de uma dogmática jurídica capaz de esclarecer, ou pelo menos auxiliar, a crescente complexidade das relações sociais que inevitavelmente desembocam em questões jurídicas.

Ao que tudo indica, esta é uma tarefa para todo aquele que tem interesse, conhecimento – filosófico e jurídico – e, sobretudo, agústia suficientes para levar a cabo esse esforço em tempos de crise.

Assim, cabe à Filosofia “política” no Direito o papel de por em discussão o significado e a amplitude da “crise” de seu objeto preferencial – o Estado – talvez o pensando, desde logo no plural ou, então, assumindo o seu papel coadjuvante – sem que haja um “ator principal” - em face de outras instâncias de poder.

Caso contrário, continuaremos assistindo construções doutrinárias e jurisprudenciais – basta ver as decisões do STF nesta semana (execução provisória da sentença penal condenatória e sigilo fiscal) que, para além do que a Hermenêutica Filosófica e a falta de uma Teoria da Decisão explicitam – como sustenta Lenio Streck – que demonstram a completa ausência ou incompreensão dos significados do Político (Claude Lefort) e de sua contribuição para a formação do Estado Constitucional.


Notas e Referências:

[1] MARRAMAO, Giacomo. Il Mondo e l’occidente oggi. Il problema di una sfera pubblica globale. www.fondazionebasso.it/_.../marramao.doc. Acesso em 21.01.2015

[2] Ver, exemplificativamente: SASSEN, Saskia.  Territory, Authority, Rights: From Medieval to Global Assemblages. Princeton University Press, 2006

[3] Ver: CHEVALLIER, Jacques. O Estado pós-moderno. Tradução: Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

[4] Reiteramos, aqui, que: A noção de “crise” não necessariamente carrega uma marca negativa, de fim, de destruição, de ruína. Pode, isto sim, aportar o novo, e este como momento inaugural onde tudo está “à disposição”. Como anota Peter Pál Pelbart, ancorado em François Tosquelles: El momento de la crisis, disse él, es aquel en el que ya nada parece posible. Pero también es el momento en que se cruzan muchas transformaciones...Es decir, la crisis es conjunción del ‘nada es posible’ y del ‘todo es posible’...Ver: Una crisis de sentido es la condición necesária para que algo nuevo aparezca. In: FERNANDEZ-SAVATER, Amador. Fuera de Lugar. Conversaciones entre crisis e transformación. Madrid: Acuarela y Machado Grupo de Distribución. 2013. p.p. 45 e 46

[5] Ver:  MARRAMAO, Giiacomo. Dopo babele. Per un cosmopolitismo dela differenza. Eikasia. Revista de Filosofia. Año IV. Nº 25 (mayo 2009). http://www.revistadeFilosofia.org (acesso em 20/4/2015)


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José Luis Bolzan de Morais. José Luis Bolzan de Morais é Mestre em Ciências Jurídicas PUC/RJ. Doutor em Direito do Estado UFSC/Université de Montpellier I (França). Pós-doutoramento Universidade de Coimbra/PT. Professor do PPGD-UNISINSO. Procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Pesquisador Produtividade CNPQ. .


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. Alfredo Copetti Neto é Doutor em Direito pela Università di Roma, Mestre em Direito pela Unisinos. Cumpriu estágio Pós-Doutoral CNPq/Unisinos. Professor PPG-Unijuí. Unioeste e Univel. Advogado OAB-RS. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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