REPE&C 14 - Por uma Identidade Constitucional “Comum”! (Parte II)

25/12/2015

Por Jose Luis Bolzan de Morais e Fernando Hoffmam - 25/12/2015

In quanto motore dell’associazione, l’amore è la potenza del comune in duplice senso: l’amore è sia la potenza che costituisce il comune sia la potenza esercitata dal comune.

Hardt e Negri. Comune...p. 193

Na coluna anterior (REPE&C 13) fizemos uma primeira aproximação a uma proposta de repensar os novos contextos do constitucionalismo contemporâneo, distintamente e para além das diversas teorizações que vêm sendo feitas – interconstitucionalidade (J. J. Canotilho), transconstitucionalismo (M. Neves), multinível (Pernice, C. Amirante) entre outras -, particularmente à perspectiva que se sustenta em pressupostos do cosmopolitismo de base kantiana, pretendendo propor ao debate um constitucionalismo que se alicerce em outros fundamentos, para isso retomando o “comum”, tentando fazer uma aproximação ou uma mixagem entre uma certa “tradição” do constitucionalismo e a formulação de um “comum” que lhe sirva de sustentação, tendo presente a transição paradigmática da teoria jurídica ante a interdependência da globalização/mundialização – no singular ou no plural - que aponta para o fim do monopólio estatal na produção jurídica, inventando, impondo e/ou construindo novos espaços normativos, para pensar novas construções de garantia diante das incertezas de uma globalização/mundialização excludente e de um cosmopolitismo “não-transformador”.

O que se inaugura aqui é a retomada do “comum” como meio de compreensão de uma diversidade jurídica sustentável, para fazer frente tanto ao emergir de convergências nas tradições jurídicas que se conectam, como a uma homogeneização jurídico-cultural sob o risco de uma hegemonnia daquelas mesmas tradições ditadas pelo domínio do econômico que se converte em e se conecta com o político e o cultural, o que (pode) produz(ir) uma crise desfuncionalizante do modelo tradicional de se pensar e se fazer Direito que afeta o próprio constitucionalismo, sobretudo, para o que aqui interessa, no seu caráter de garantia e transformação.

No conjunto, o resultado desse contexto da globalização/mundialização gera um ambiente “pós-nacional” que, por um lado, aponta à crise conceitual do Estado e à transição paradigmática da teoria jurídica, e, por outro, indica uma evidente abertura cada vez mais persistente e permanente do Estado e da Constituição às redes político-normativas transnacionais. Isto posto torna-se necessário pensar um cenário constitucional que transcenda o espaço-tempo do Estado Nação, bem como os limites genéticos de uma (pseudo) transformação apenas formal, convergindo em direção a uma identidade constitucional “comum”, centrada esta na concretização e garantia dos direitos humanos – como direitos da humanidade -, em especial naquilo que estes tenham de meios para a transformação social.

Preocupamo-nos buscar desvendar a crise do constitucionalismo a partir das também crises pelas quais passa o Estado contemporaneamente, numa ótica de relativização da sua força e de esvaziamento do modelo clássico preso a ele, com o intuito de (re)constituir espaços adequados para a produção e promoção dos direitos humanos (da humanidade), tomando emprestado o referencial teórico contido na idéia de “comum”, em particular aquele presente na obra “Comune. Oltre il privato e il pubblico”, de Antonio Negri e Michael Hardt , ladeada pelo “Commun. Essai sur la révolution au XXIeme siècle”, de Pierre Dardot e Christian Laval.

Aquela primeira tendência dá-se a partir do esboroamento das formas e institucionalidades clássicas da estatalidade, rompidas por um ritmo de diálogos e relações globais/mundiais que se dão ao arrepio, em paralelo ou em contradição, à ordem estatal-constitucional como posta no âmbito do Estado Nação, em especial em razão de sua delimitação espacial, de sua “geografia fechada” (territorialidade).

Tal situação ocorre e se agudiza, dentre outros motivos e para os limites destas reflexões, a partir dos processos de internacionalização do direito, seja pelo mercado, sela pelo próprio sistema jurídico estatal, o que conforma um novo cenário para o Estado e para o constitucionalismo.

Nesta perspectiva, os direitos humanos se apresentam para além da situação de “risco” permanente, como ambiente privilegiado para a construção deste debate, seja por seu próprio histórico, forjado nas relações – continuidades e descontinuidades – entre Constituição e Direito Internacional (dos Direitos Humanos), seja porque passam a ser importantes mecanismos de intensificação desse processo de internacionalização, a partir de sua conteudística substancial e transcendente que requer um novo arranjo dos sistemas de justiça rumo a um novo ambiente "constitucional" de proteção e satisfação destes conteúdos e de uma “nova” era dos direitos, na indicação de Stefano Rodotà .

Diante de tais circunstâncias – este “momento de crises” –, busca-se apontar um caminho possível, assumindo como ponto de chegada a construção de um "Estado Constitucional ‘Comum’” que, tendo como base uma identidade constitucional “comum”, sirva de lócus para um "constitucionalismo ‘comumpolita’ dos direitos humanos” que consiga não apenas expressar o caráter transcendente destes, como, também, permita constituir-se em um ambiente adequado para o seu tratamento – de proteção e promoção.

Mas, é apenas a partir de um processo de ruptura e desencobrimento do(s) outro(s), que se possibilita, também e da mesma forma, o desencobrimento dos direitos humanos enquanto prática emancipatória para o “comum” , fazendo surgir uma relação de diálogo e integração intercultural fundadora de novas possibilidades para o Estado, para a Constituição e para o próprio Direito .

E, aqui, entram em cena os referenciais sobre o “comum” a partir de Hardt/Negri, Dardot/Laval.

Um “comum” que precisa ser refundado como ce qui excède le commerce profane; mauditt, car il est le terme qui toujours menace les jouissances de la proprieté privée ou étatique. (DARDOT/LAVAL, 2014, p. 17) Nesse contexto, o sujeito da práxis, o sujeito dos direitos humanos, é o sujeito que na sua singularidade provoca a multidão enquanto multiplicidade irredutível, enquanto conjunto de posições e possibilidades que desvelam o caminho para o “comum”.

A multidão é constituída pelo outro, pelo oprimido, pelo escravo, pela vitima, pelo pobre, ela é constituída pelas singularidades barbarizadas na produção da totalidade (pós-)moderna (NEGRI, 2006) .

A multidão constitui um espaço-tempo de recriação histórica das singularidades oprimidas, no “comum”. É a multidão dos libertos num movimento que propicia a retomada do outro que fora esquecido.

A multidão é a manifestação das subjetividades que potencialmente fundam o “comum” no movimento de resistência, a partir das próprias singularidades e subjetividades, desveladas para além da totalidade (NEGRI, 2006).

Assim,

[...] lo común no es solamente una base a partir de la cual localizar las dimensiones del trabajo inmaterial y cooperativo vuelto objetivamente homogéneo. Es también, y sobre todo, una potencia y una producción continuas, una capacidad de transformarción y de cooperación. La multitud pode entonces definirse como la articulación de una base subjetiva (lo común como producción, constituido por fuerzas materiales e inmateriales) y de una base subjetiva (lo común como producción, al borde de limites siempre rechazados, de valores siempre relanzados; lo común como resultado de processos de subjetivación (NEGRI, 2008, p. 84).

O homem do “comum” é um participante constituinte do movimento de retomada da política e do direito pelo “comum”, pelas próprias subjetividades que haviam sido relegadas ao esquecimento (NEGRI, 2014) .

A constituição do “comum”, a partir de uma práxis libertadora, compartilha o mundo como ambiente de pertencimento e acolhimento do homem, numa postura irrestrita de asseguramento de direitos de humanidade, para além de direitos humanos .

Aqui, com Dardot e Laval, tomamos o “comum” comme un principe politique (p. 455) que permita repensar o próprio constitucionalismo para além de vínculos ou fórmulas continuadas para além da territorialidade moderna, como meio para a uma nova instituição da sociabilidade. Continua….em 2016, que seja “comum”! Auguri!


Sem título-1

José Luis Bolzan de Morais é Mestre em Ciências Jurídicas PUC/RJ. Doutor em Direito do Estado UFSC/Université de Montpellier I (França). Pós-doutoramento Universidade de Coimbra/PT. Professor do PPGD-UNISINSO. Procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Pesquisador Produtividade CNPQ.

 

Fernando Hoffmam é Mestre e Doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Bolsista PROEX/CAPES; Membro do Grupo de Pesquisa Estado e Constituição, vinculado à UNISINOS e ao CNPQ; Professor Titular do Curso de Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI/ Campus Santiago); Especialista em Direito: Temas Emergentes em Novas Tecnologias da Informação pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA).


Imagem Ilustrativa do Post: All shall be equal before the law: justice graffiti in Cape Town, South Africa // Foto de: Ben Sutherland // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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