Renegociação das dívidas dos Estados com a União e Diálogo Institucional: Advocacia Pública Proativa – Por Weber Luiz de Oliveira

25/12/2016

Elenca o art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, os princípios da Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Este último incluído pelo constituinte derivado, através da Emenda Constitucional n. 19, de 1998.

De que forma concretizá-los?

Como implementá-los na atividade administrativa?

Qual espaço de discricionariedade tem os agentes públicos para não os usurparem?

Legalidade, publicidade e impessoalidade pode-se dizer que são objetivamente aferíveis; já os princípios da moralidade e da eficiência, conquanto possam ser igualmente verificados, têm um grau maior de abstração.

Desta forma, é sabido que se pode exercer um múnus público apenas sendo legal, aplicando a lei por seu dever de ofício. Contudo, no atual cenário nacional isto basta? Acredita-se que a resposta é efusivamente negativa; e é negativa não somente porque a Constituição Federal impõe ser eficiente, mas, sobretudo, porque ainda obriga atuar com moralidade, no sentido de curar os bens e serviços públicos de modo a fazer merecido o cargo, encargo e funções investidos.

A coluna de hoje traz a conhecimento um exemplo de aplicação dos princípios administrativos na atuação da advocacia pública.

Colhe-se do site da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina: “Por causa de ação judicial impetrada por SC, União cede e renegocia dívidas dos estados: Em fevereiro, a PGE ajuizou mandado de segurança no STF questionando o método utilizado pelo Ministério da Fazenda no recálculo da dívida pública de Santa Catarina com a União. Estudos da Procuradoria e da Secretaria Estadual da Fazenda concluíram que, legalmente, não deveria utilizar-se a taxa Selic Capitalizada (juro sobre juro) para calcular o valor do débito. Mas, sim, a Selic Simples, utilizada para atualizações de valores judiciais. O mandado de segurança, com pedido de liminar, tinha dois objetivos principais: impedir que a União continuasse no propósito de obrigar Santa Catarina a assinar o refinanciamento da dívida utilizando a taxa Selic Capitalizada e, também, que o ente federativo se abstivesse de impor qualquer sanção ao Estado, como o bloqueio no repasse de recursos federais, por não assinar um novo contrato. Em abril, o STF concedeu a liminar a Santa Catarina após o procurador-geral do Estado, João dos Passos Martins Neto, arguir diversas vezes durante a sessão. Nos dias seguintes, outras 15 unidades da federação também conseguiram liminares similares no Supremo, o que obrigou o governo federal a buscar um acordo com os estados. Em julho, o STF confirmou a repactuação na forma de pagamento das dívidas dos estados. Os ministros adaptaram uma liminar que era favorável a SC - e que permitia pagamentos menores das parcelas - ao acordo firmado em junho entre o Ministério da Fazenda e os governadores. Depois de meses de negociação, em dezembro o Congresso Nacional aprovou a renegociação das dívidas dos estados tomando como base os argumentos apresentados por Santa Catarina no início do ano, o que possibilitou a substancial redução dos débitos”[1].

Conforme notícia da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina[2], somente em 2016 a economia com o pagamento da dívida com a União foi de R$ 450 milhões.

Volta-se à redação do caput do art. 37 da CF/88 e se lê que os princípios elencados se aplicam à Administração Pública, mas, percebam-se, não apenas de um Poder, mas sim “de qualquer dos Poderes”. Significa dizer, Executivo, Legislativo e Judiciário devem, por dever constitucional, se amalgamarem e dialogarem com o desiderato de cumprir, dentre tantos outros, o objetivo da República Federativa do Brasil de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (CF, art. 3º, I).

Outra não é a interpretação que se constata da harmonia que deve existir entre os poderes de Estado, a teor do art. 2º da Constituição Federal.

E como alcançar tal harmonia?

Bem, pensa-se que a decisão legislativa da semana passada é uma amostra.

E, como se chegou ao resultado legislativo?

Pelo pontapé inicial de uma advocacia pública contemporaneamente proativa, no sentido de buscar soluções jurídicas para problemas naturalmente decorrentes e recorrentes da estrutura burocrática da Federação Brasileira e da Administração Pública em todos os seus níveis.

Destacado início, gestado no ambiente executivo, perpassou pelo ambiente jurisdicional e desaguou, enfim, no ambiente legislativo, local natural, dentro de uma democracia, para discussões que influenciam não só os entes públicos, mas sim e principalmente, pessoas físicas e jurídicas que certamente tem o maior ganho pela diminuição do custo da dívida pública e, acredita-se, pela possibilidade de maior aplicação, doravante, de recursos em infraestrutura e bem estar sociais.

O diálogo institucional vivenciado reflete, igualmente, a consciência institucional que deveria reger toda a atuação publicística.

No julgamento do MS n. 34023/SC decidiu o Plenário do STF, por proposta do Ministro Luís Roberto Barroso, pela suspensão do processo para que as partes envolvidas, Estados e União, iniciassem um diálogo para o fim de solucionar, consensualmente, a controvérsia jurídica, com imensa repercussão política e social, então em apreciação. Tal decisão sintetiza a ideia das últimas modificações legislativas sobre os meios de autocomposição[3].

Sintetiza uma visão de um Estado em que acima dos problemas institucionais devem existir condutas, também institucionais, que sejam facilitadoras de processos complexos como o ora relatado.

Com Diogo de Figueiredo Moreira Neto pode-se afirmar que o antigo conceito de ação pública - burocrático, monolítico, centralizado e conduzido pela fé cega no exercício da imperatividade –, cede à concepção de “gestão pública – criativa, flexível, descentralizada e negociada, orientada pela consensualidade, pela visibilidade e pelo controle de resultados[4] (grifos no original).

Essa gestão pública, ao expandir, imbricar, democratizar e processualizar os diálogos político e administrativo, transforma a decisão governamental, assim, de imposta, própria das sociedades fechadas, para composta, que é o “método optativo de decisão política para as sociedades abertas[5].

Não que a solução jurídica sobre a dívida dos Estados com a União, por ora ainda não finalizada, já que pende a sanção (oxalá!) do Presidente da República do PLC n. 54/2016, seja a melhor, mas sim que, dentro das especificidades da causa e do federalismo brasileiro, é uma solução que faz refletir acerca da conjunção de esforços e de uma linha de conduta reta, diligente, proativa, eficiente e moralmente assentada dos envolvidos neste processo administrativo, jurisdicional e legislativo.

Parabéns à advocacia pública catarinense e aos abnegados Procuradores do Estado partícipes desta vitória dialogal!


Notas e Referências:

[1] Disponível em: http://www.pge.sc.gov.br/index.php/imprensa/noticias/1865-retrospectiva-as-principais-acoes-e-realizacoes-da-procuradoria-durante-o-ano-de-2016.

[2] Disponível em: http://www.sef.sc.gov.br/noticias/renegocia%C3%A7%C3%A3o-das-d%C3%ADvidas-com-uni%C3%A3o-tese-de-santa-catarina-venceu.

[3] Lei Federal n. 13.140, de 26 de junho de 2015 e Código de Processo Civil de 2015.

[4] Poder, direito e Estado: o direito administrativo em tempos de globalização – in memoriam de Marcos Juruena Villela Souto, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011, p. 30.

[5] Idem.


 

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