Relações de Insumo e o Intervencionismo Judiciário – Por Eduardo Silva Bitti

26/09/2017

No julgamento do recurso especial 1599042-SP, em 14 de março de 2017, sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, este proferiu voto no sentido de que:

Em caso de empréstimo bancário feito por empresário ou pessoa jurídica com a finalidade de financiar ações e estratégias empresariais, o empréstimo possui natureza de insumo, não sendo destinatário final e, portanto, não se configurando a relação de consumo.

Com isso, sinaliza-se o fato de que não se pode descuidar da força obrigatória dos contratos mercantis e mais, alimenta a chama de debates sobre o que vem a ser insumos e a maneira como estes distanciam o empresário e a condição de destinatário final, outrora aproximados em razão de interpretações intervencionistas cada vez mais dúbias na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Norberto Bobbio[1] afirmava que a intervenção do Estado na economia era uma atividade promocional, com vista a dirigir o complexo econômico, naquilo que evolui de mera proteção a um caráter programador.

A verdade é que, em busca de uma solução para desequilíbrios econômicos nos casos concretos, o intervencionismo estatal por vezes exacerba-se sob a justificativa de corrigir possíveis erros quanto aos negócios jurídicos voltados a mercados. Afinal, “competição e equilíbrio entre os agentes podem ser a chave para a compreensão da Economia”, como disseram Ugo Mattei, Luisa Antonielli e Andrea Rossato[2].

A favor da referida causa estatal estaria o fato de que fosse o ambiente negocial algo pacífico, talvez as relações jurídicas nele contidas também fossem situações em que os agentes econômicos pudessem se conformar com as trocas econômicas realizadas[3], uma vez que elas seriam perfeitasótimas[4]. Haveria sempre a satisfação por parte dos contratantes, o que faria com que a presença de sujeitos ou lugares intermediários, como é o caso dos mercados, não fosse necessária[5].

As críticas à perfeição das relações jurídicas, entretanto, servem para lembrar que a formação de contratos deveria sempre levar em consideração a possibilidade desse comportamento oportunista de agentes. Como situa Raquel Sztajn[6], os agentes tendem a pender a balança de interesses para o lado mais conveniente em desfavor ao outro polo da relação, de acordo com cada negócio jurídico celebrado, tornando-o imperfeito. Teve-se a oportunidade de se dizer que a sociedade, como organização empresária, é criada para que os riscos da atividade econômica sejam diminuídos aos que a empreendem com o fito de transacionar direitos de propriedade[7].

Decerto, por vezes o Estado assume os fatores de produção e substitui os agentes econômicos em todas as relações criadas. Através dessa ingerência direta, o Estado passa a atuar sujeito empresário, comprometendo-se com a iniciativa produtiva, seja sob a forma de empresa pública, seja como sociedade de economia mista, constituintes da chamada Administração pública indireta. Sob estas duas formas, inclusive, pode ele atuar em regime concorrencial, no qual há equiparação aos entes privados, ou mesmo, a caracterização de um regime monopolístico sobre o ramo empresarial verificado, como lembra João Bosco Leopoldino da Fonseca[8].

Na situação mais corriqueira, contudo, ele cede suas funções à iniciativa privada para que desenvolva e possa fornecer ao Poder Público parte de seus ganhos[9], por meio de tributação das atividades, por exemplo.

Há, contudo, uma oscilação, que pode variar entre as especificidades do mercado em questão, ou entre humores subjetivos do magistrado julgador, o chamado “achismo”.

Discussão de faces variáveis, ao mesmo tempo em que há uma tentativa de regulação da atividade provada, dá-se a proporção em que este tende a bloquear a iniciativa de agentes com travas à economia. Julgamentos com base no ideal da função social fazem isso também.

Um ordenamento, com normas que rejam a matéria contratual de maneira clara e sem excessos, pode vir a ser o horizonte para que o país volte a possuir julgamentos que respeitem a vontade das partes. É necessário, no entanto, que haja o início da mitigação da aplicação desenfreada de princípios que não possuem conceito determinado. Mais do que isso, é necessário que o próprio Poder Judiciário comece a rever algumas discussões como a aplicação das normas de direito do consumidor a todas a relações contratuais.

Anseia-se que a noção de relação de insumo, utilizada no anteriormente mencionado recurso especial 1599042-SP, estenda-se a outras questões, como os negócios jurídicos securitários, que poder ser entendidos como relações consumeristas[10] por julgados como o do recurso especial 1176019-RS, também sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão.

Notas e Referências:

[1] BOBBIO, Norberto. Dalla struttura allá funzione. Milão: Ed. Di Comunità, 1977, p. 80.

[2] Em tradução livre de: “Competition and equilibrium among maket actors may be the key to understanding economics” (MATTEI, Ugo A; ANTONIOLLI, Luisa; ROSSATO, Andrea. Comparative Law and Economics. Encyclopedia of Law & Economics. p. 510. Disponível em <http://encyclo.findlaw.com/0560book.pdf>. Acesso em 3 set. 2007).

[3] Gaspar Ariño Ortiz destaca que a razão primeira para intervenção do Estado se situa no fracasso do mercado e na necessidade imperiosa de recriá-lo. Segundo ele: “a intervenção teve por finalidade justamente garantir a livre competição no mercado, dando-lhe consistência. O Estado veio assumir tarefas que, sem a sua interferência, poderiam constituir-se em perturbadoras do funcionamento adequado do mercado: a existência de monopólios naturais, de estruturas de mercado não competitivas (monopólio de fato, abuso de posição dominante, distribuição assimétrica de informação…), bens públicos e externalidades.” (ORTIZ, Gaspar Ariño. Economia y Estadocrisis del sector público. Madrid: Marcial Pons, 1993, apud FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5 ed. Rio de janeiro: Forense, 2007, p. 276).

[4] Alusão ao padrão de medida de eficiência denominado “Ótimo de Pareto”, criado por Vilfredo Pareto, que diz que em uma troca econômica, ou série dela, o aumento do bem-estar do indivíduo aliado à ausência de piora do quadro da outra parte em relação ao estado anterior ao ato tem como resultado uma operação considerada eficiente. As críticas a esta teoria podem ser encontradas na obra de Louis Kaplow e Steven Shavell (KAPLOW, Louis; SHAVELL, Steven. The conflit between notion of fairness and the Pareto Principle. American Law and Economics Review. v. 1. n.º 1 e 2, p. 65, Fall,1999, apud SZTAJN, Raquel. Teoria jurídica da empresa. Atividade empresarial e mercados. São Paulo: Atlas. 2004, p. 44): “Under the Pareto Principle, if every person is better off under onde policy then under another, the former is deemed to be preferable”.

[5] No fim do Século XIX foi criada na Inglaterra a Teoria Neoclássica à qual se filia o comentário apresentado. Calixto Salomão Filho lembra que essa teoria econômica explicava que o preço dos produtos variava em função do valor dado ao bem pelo último consumidor, chamado de marginal, em detrimento à idéia de que a responsabilidade por tal feito seria dos custos de produção (SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e concorrência: estudos e pareceres. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 56-57).

[6] Cf. SZTAJN, Raquel. Teoria jurídica da empresa. Atividade empresarial e mercados. São Paulo: Atlas. 2004, p. 44.

[7] A necessidade de se garantir as trocas econômicas pode ser representada pelas palavras de Ronald H. Coase, o qual retrata o papel da empresa nos casos de termos contratuais insatisfatórios para um dos pólos da relação COASE, Ronald H. The nature of the firm. Economica, v.4, nº 16, Londres, 1937, p. 386/405. Disponível em <www.jstor.org>. Acesso em 04 de set. de 2007, p. 392.

[8] FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5 ed. Rio de janeiro: Forense, 2007, p. 281.

[9] Por essa alteração de competência para atuar como agente na economia, João Bosco Leopoldino da Fonseca (FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5 ed. Rio de janeiro: Forense, 2007, p. 280-281) ressalta a caracterização de uma intervenção indireta, por meio de normas “[…] que têm como finalidade fiscalizar, incentivar ou planejar; o planejamento, como se verá, é somente indicativo para o setor privado. Esta forma de atuação no Estado está prevista no art. 174 da Constituição Federal.”.

[10] Para este caso, o voto do Relator explicou que, “se o transportador contrata seguro visando à proteção da carga pertencente a terceiro, em regra, não pode ser considerado consumidor, uma vez que utiliza os serviços securitários como instrumento dentro do processo de prestação de serviços e com a finalidade lucrativa”, mas se “o transportador que contrata seguro objetivando a proteção de sua frota veicular ou contra danos causados a terceiros, em regra, enquadra-se no conceito de consumidor, pois é destinatário final do produto”.

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