Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
Entre os anos de 2016 e 2017 as empresas AVON e NATURA, empresas à época distintas[1], lançaram linhas de produtos direcionados aos homens, aos “novos homens” para o consumo.
A ideia de inclusão das peças publicitarias “Para todes” da Avon e “Toda beleza pode ser”[2] e “Lançamento da linha Natura Homem”[3] da Natura, demonstram um aparente engajamento com causas nobres e que merecem toda nossa atenção e respeito.
Como se sabe, há um histórico de lutas sociais e reivindicação por direitos que trouxeram conquistas capazes de proporcionar uma reorganização político-social pautada na tentativa de romper com os modelos normativos, possibilitando que as questões de gênero, e as discussões das questões de gênero, ganhassem visibilidade e provocassem questionamentos em torno de temas como a hegemonia masculina, a heterossexualidade compulsória e o arquétipo masculino, apenas para citar alguns exemplos.
Longe, muito longe, do ideal mínimo de igualdade, já se pode perceber alguns efeitos desta mudança, como por exemplo o empoderamento feminino e o surgimento de noções de masculinidade que se diferenciam daquela ideia retrograda que associa o homem com um ser másculo e viril, que rejeita qualquer aspecto da feminilidade.
Nesse passo, é inegável o papel da publicidade na criação, aceitação e mesmo o reforço de estereótipos nem sempre ligados à realidade. A ampliação da divulgação de peças publicitárias para os mais diversos espaços – de plataformas digitais até os tradicionais anúncios de jornal – traduzem a relevância da representação em anúncios.
Existem elementos paradigmáticos que estão encravados no pensamento social que transparecem mesmo quando o discurso – neste caso nas peças publicitárias – é voltado para a inclusão e a desconstrução destes mesmos paradigmas. Muito mais do que mero descuido, a presença destes elementos revela a verdadeira intenção dos anunciantes com a peça publicitária, qual seja, a inserção do público-alvo deste anúncio no seu público consumidor.
A análise atenta das peças publicitárias de Natura e Avon – escolhidas como exemplo – demonstram que apesar de aceitação deste “novo homem”, ainda não se encontra espaço para aceitação do empoderamento feminino. Apenas para exemplificar, uma das peças apresenta diversas pessoas, em diversas situações e locais, todas usando a maquiagem anunciada. Neste anúncio, por exemplo, a figura feminina é encontrada apenas em ambientes de lazer e do lar, ao passo que a figura masculina também foi apresentada no ambiente profissional e empresarial.
Em outro anúncio, também dos referidos acima, existem diversas imagens – fotografias – de várias pessoas pulando. Neste caso, em todas as fotografias as mulheres foram posicionadas em altura inferior as dos homens.
As mensagens que pretendem combater a masculinidade hegemônica, na busca da inserção dos homens no mercado de consumo de produtos de beleza, não se preocupam com reforçar a ideia de superioridade em relação às mulheres.
Os anúncios pretendem demonstrar um engajamento do anunciante com causas de elevada relevância social, apresentando algumas mudanças que por vezes vão contra os valores tradicionais do anunciante.
Apesar disso, a simples inserção de personagens e discursos não é garantia de que existe de fato um processo de mudança conceitual por parte das marcas. Quantos dos “novos homens”, de mulheres, travestis, trans e pessoas ligadas ao movimento feminista ou LGBTQ+, por exemplo, são encontradas em postos de comando ou presidindo as grandes marcas?
O intuito principal deste tipo de peça publicitária é criar um vínculo emocional com os consumidores para conseguir estabelecer uma identificação com eles por meio dos valores que lhe são (aos consumidores) muito caros. Essa realidade acaba refletindo em peças publicitárias repletas de contradições, com o rompimento de alguns padrões normativos, mas com o reforço a outros igualmente reprováveis.
Espero que 2021 revele que estou errado e que as marcas estão de fato tão preocupadas com a inclusão e o rompimento destes paradigmas, quanto estão preocupadas com a inserção em novos nichos, a conquista de novos consumidores e o faturamento que isso possa representar.
Seria pedir muito?
Feliz Ano Novo!
Notas e Referências
[1] Em janeiro de 2020 o Grupo Natura concluiu a compra da Avon Products, se tornando o quarto maior grupo de beleza do mundo.
[2] Natura Brasil. (2017, Julho 2). A linha Natura Homem celebra todas as maneiras de ser homem [Arquivo em vídeo]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KltmURPKhh4. Acesso em: 21 de dez. de 2020
[3] Natura Brasil. (2017, Julho 2). A linha Natura Homem celebra todas as maneiras de ser homem [Arquivo em vídeo]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KltmURPKhh4. Acesso em: 21 de dez. de 2020.
Imagem Ilustrativa do Post: Man and woman // Foto de:Nicholas Gercken // Sem alterações
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