Regulação em saúde: mundo normativo e mundo real

05/02/2024

A regulação em saúde é importante para definir os parâmetros de atuação do Estado e também a extensão dos direitos das pessoas.

Assim, é importante avaliar como acontece a regulação na perspectiva do mundo normativo e do mundo real.

Mundo normativo: no mundo normativo existe a previsão dos requisitos a das decisões administrativas, legislativas e também judiciais. No âmbito da saúde pública a Lei 8.080/90 dispõe, por exemplo, que todas as tecnologias em saúde dependem de comprovação de (1) evidência científica e (2) avaliação econômica para sua incorporação no Sistema Único de Saúde – SUS. Na saúde suplementar a Lei 9.656/98 regula o mesmo tema fixando três requisitos para a atualização do Rol de Procedimentos e Serviços da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS: (1) evidência científica; (2) avaliação econômica e; (3) impacto atuarial.

Há decisões do Supremo Tribunal Federal – STF que confirmam a previsão normativa e chancelam a necessidade de observância dos requisitos legislativos acima mencionados. Destaque para a decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 7.088[1] e na Ação Direito de Inconstitucionalidade 7.376[2].

Mundo real: no mundo real existem milhares de processos judiciais[3] ajuizados em face dos entes públicos (SUS) e das operadoras de plano de saúde e geralmente a sindicabilidade dos atos não se dá em relação a normas jurídicas, mas à prescrição do médico assistente. Ou seja, muitas vezes o controle jurisdicional não é feito à luz da legislação (mundo normativo); é realizado a partir do ato médico. Exemplo disso é a Súmula 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”[4]

Conclusão: o mundo normativo é diferente do mundo real. Portanto, a missão do Estado Brasileiro é aproximar o mundo normativo do mundo real, a fim de legitimar a regulação em saúde e permitir maior concretização de direitos previstos na legislação, sob pena de deslegitimação estatal, desregulação institucional e negativa ao sistema jurídico.

 

Notas e referências

[1]     “[…] 8. Por fim, também concluo pela constitucionalidade dos critérios estabelecidos para orientar a elaboração de relatório pela Comissão de Atualização do Rol. A avaliação econômica contida no processo de atualização do rol pela ANS e a análise do impacto financeiro advindo da incorporação dos tratamentos demandados são necessárias para garantir a manutenção da sustentabilidade econômico-financeira do setor de planos de saúde. Não se trata de sujeitar o direito à saúde a interesses econômicos e financeiros, mas sim de considerar os aspectos econômicos e financeiros da ampliação da cobertura contratada para garantir que os usuários de planos de saúde continuem a ter acesso ao serviço e às prestações médicas que ele proporciona. 9. ADI 7193 e ADPFs 986 e 990 não conhecidas. ADIs 7088 e 7183 parcialmente conhecidas, com julgamento de improcedência dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 10, §§ 7º e 8º, e 10-D da Lei nº 9.656/1998, com a redação dada pela Lei nº 14.307/2022. (STF, ADI 7.088/DF, Rel. Min. MIN. ROBERTO BARROSO, julgado em 10/11/22, Diário da Justiça de 10/01/23, Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15355465921&ext=.pdf  Acesso em: 04 Fev. 2024)

[2]     “Os dispositivos impugnados não instituem somente obrigações em vista à melhoria das relações de consumo, em reforço aos objetivos prestigiados no capítulo dos princípios gerais da atividade econômica, endossado explicitamente pelo art. 170, V, da CF, mas criam obrigações que demandam revisões dos valores contratuais estabelecidos anteriormente a fim de que se evite um desequilíbrio atuarial às operadoras de saúde, em prejuízo à mutualidade do sistema.” (STF ADI 7376, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão entre 18/08/2023 e 25/08/2023, disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6614857. Acesso em: 04 Fev. 2024)

[3]     São aproximadamente 500 mil processos judiciais novos por ano sobre o tema “saúde”, conforme informações do sistema Datajud do Conselho Nacional de Justiça: https://www.cnj.jus.br/sistemas/datajud/.

[4]     Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/Biblioteca/Biblioteca/Legislacao/SumulasTJSP.pdf./ Acesso em:  04 Fev. 2024.

 

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