Regras de experiência (art. 375 do NCPC), verdade processual e instrução probatória – Por Marco Aurélio Serau Junior

17/01/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Em recente viagem de férias para o interior profundo do Brasil percebi que as regras processuais sobre instrução probatória, muitas vezes caracterizadas por um extremo formalismo, são incompatíveis com as relações sociais que caracterizam a vida de nossa população.

Situações de informalidade nos arranjos sociais; precariedade documental, acarretadas normalmente por fragilidade institucional (ausência do Estado). São hipóteses que podem comprometer o exercício regular dos direitos, à míngua de efetiva prova do que exigido nos mais variados campos da legislação brasileira (contratual, de Direito de Família, trabalhista, previdenciária, de Direito Público, etc.).

Ao mesmo tempo em que me dei conta de que essa característica social brasileira afeta o modo do exercício dos direitos e o próprio acesso à justiça, igualmente percebi que as particularidades de nossa sociedade podem ser empregadas para abrandar o formalismo muitas vezes excessivo de nossa legislação processual civil.

É necessário que os magistrados e demais operadores do Direito interpretem as normas jurídicas em modo de compatibilidade com a realidade nacional. Uma das formas pelas quais isso pode se dar é pelo uso das regras ou máximas de experiência, previstas no art. 375, do CPC de 2015.

O conceito de “verdade” possui desdobramentos de ordem transcendental, metafísica, lógica, racional, física, empírica, histórica, dentre outras, mas a prova judicial se limita a ser “propriamente um método de investigação ou determinação de fatos” que repercutam na aplicação do direito (DELLEPIANE, 1942, p. 42-43).

Um conceito, portanto, bem limitado e delimitado de “verdade”, com iguais repercussões limitadas e delimitadas no âmbito da instrução probatória. De acordo com FERREIRA (2014, p. 281):

“No processo não se busca ‘a verdade’, mas são empregados meios capazes de dar condições para formação do convencimento judicial acerca dos fatos, na medida exata do possível e razoável para permitir um julgamento.”

É com essa perspectiva que se deve compreender a utilização das máximas de experiência para a demonstração da “verdade judicial”.

As máximas de experiência se inserem na discussão sobre a maior aptidão dos meios de prova, onde se indaga, “quando da escolha dos meios de prova para o esclarecimento dos fatos, é qual poderá ser a colaboração de cada um dos instrumentos, não havendo uma hierarquia, mas uma aptidão” (FERREIRA, 2014, p. 76)[1].

As máximas da experiência são consideradas prova prima facie segundo MOACYR AMARAL SANTOS, certamente o autor que, entre nós, mais aprofundadamente se debruçou sobre a instrução probatório – o que efetuou em seu clássico Prova Judiciária no Cível e Comercial, de1949:

“A prova prima facie terá, assim, a estrutura de uma presunção fundada numa experiência da vida, vale dizer, de uma presunção calcada numa norma da experiência. Mas, conquanto consista numa presunção, dela se distingue, como se verá mais adiante. Será a prova extraída da experiência da vida, à vista de um fato e do que comumente ocorre segundo a ordem natural das coisas, e da qual lícito é o juiz utilizar-se quando difícil se tornar o emprego dos meios probatórios normais.” (SANTOS, 1949, p. 451)

As máximas de experiência não deixam de ser presunções autorizadas ou permitidas pela lei, no sentido que MOACYR AMARAL SANTOS (1952, p. 82) dá a essa expressão:

Presunção é a ilação que se tira de um fato conhecido para se provar a existência de outro desconhecido. Poder-se-á também dizer que presunções são as consequências que resultam dos constantes efeitos de um fato: ex eo quod plerumque fit ducantur presumptiones. Ou, mais precisamente, na definição de CARNELUTTI, são consequências deduzidas de um fato conhecido, não destinado a funcionar como prova, para chegar a um fato desconhecido.”

As máximas de experiência seriam, ademais, presunções comuns ou simples, ainda no dizer de MOACYR AMARAL SANTOS (1952, p. 84):

“Presunções comuns, também conhecidas por simples ou de homem, são as que a lei não estabelece, mas se fundam naquilo que ordinariamente acontece. São aquelas em que o juiz, baseado em coisas ou atos que geralmente acontecem ou se realizam, ou em fatos acontecidos, delas tira a verdade do caso sub-judice.

Importa, ainda, anotar a distinção entre fatos notórios e máximas ou regras de experiência. Segundo DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES (2016, p. 652):

“Importante notar que os fatos notórios não se confundem com as máximas de experiência, que são diferentes espécies do gênero “saber privado do juiz”. Enquanto os fatos notórios se referem a fatos determinados que ocorrem, a cuja existência têm acesso, de maneira geral, as pessoas que vivem em determinado ambiente sociocultural, as máximas de experiência são juízos generalizados e abstratos, fundados naquilo que costuma ocorrer, que autorizam o juiz a concluir, por meio de um raciocínio intuitivo, que em identidade de circunstâncias, também assim ocorra no futuro.”

Como se vê, pode-se adotar o conceito de que regras ou máximas de experiência são juízos generalizados e abstratos, fundados naquilo que costuma ocorrer, autorizando os magistrados a concluir, por meio de um raciocínio intuitivo, que em identidade de circunstâncias também ocorrerá aquele mesmo tipo de evento no futuro.

Deve-se tratar, por derradeiro, da aplicabilidade das regras de experiência no Direito Processual brasileiro, onde vigora o princípio dispositivo, limitando a atuação dos julgadores conforme alguns cânones bastante relevantes e consagrados: a) proibição do juiz utilizar-se no processo de seus conhecimentos privados; b) judex secundum allegata et probata judicare debet, quer dizer, o julgador deve decidir conforme o alegado e provado; c) ne eat judex ultra petita partium (não se deve julgar para além do pedido das partes); d) ne procedat judex ex officio (o juízo não procederá de ofício) e,finalmente, e) quod non est in actis, non est in mondo, que significa que o que não está nos autos do processo não deve ser considerado (SANTOS, 1949, p. 455-456).

Esse questionamento é dirimido pelo já citado MOACYR AMARAL SANTOS (1949, p. 457), em passagem magistral que merece ser transcrita:

“Mas (...) louvar-se o juiz em máximas de experiência não se traduz em incidência a essa incompatibilidade psicológica [do juiz julgar conforme seus conhecimentos privados], porque, afastados estão os perigos que a estabelecem. São as máximas de experiência noções pertencentes ao patrimônio cultural de uma determinada esfera social – assim a do juiz e das partes, consideradas estas representadas no processo por seus advogados – e, portanto, são noções conhecidas, indiscutíveis, não podendo ser havidas como informes levados ao conhecido privado do juiz. Constituem elas noções assentes, fruto de verificação do que acontece de ordinário em numerosíssimos casos, e que, no dizer de CALAMANDREI, não dependem mais de comprovação e crítica mesmo, ‘porque a conferência e a crítica já se completaram fora do processo’, tendo já a seu favor a autoridade de verdades indiscutíveis.”[2]

O uso de regras de experiência no processo civil brasileiro, além de inequivocamente permitido, nos termos do art. 375, do CPC de 2015, pode abrandar o formalismo processual em termos de instrução probatória.

A observação de padrões sociais, comportamentais, regionais, etc., pode ser útil à análise e valoração das provas a respeito de diversas situações: constatação do exercício de trabalho rural e da forma como é realizado; realização de certos negócios jurídicos e determinados contratos, sobretudo aqueles informais, praticados conforme os costumes locais; demonstração de arranjos familiares (união estável e dependência econômica, p. exmplo), e suas repercussões sucessórias e previdenciárias.

A riqueza da vida social é enorme, muito mais ampla que o formalismo processual. As regras de experiência podem ser úteis à construção de um “Novo Processo Civil”.


Notas e Referências:

[1] Conforme WILLIAM SANTOS FERREIRA (2014, p. 76): “Cada um dos meios de prova tem, qualitativamente, pontos positivos e negativos, a sapiência está no seu manejo visando maximizar os resultados quando contribuam positivamente, procurando minimizar os efeitos negativos quando se apresentarem”.

[2] Os outros questionamentos aventados também são respondidos com maestria por SANTOS (1949, p. 458-460), pois se considera que as máximas de experiência são uma forma de provar o alegado através de um sistema de presunções; além disso, não se julga além dos fatos apresentados pelas partes, ou que não esteja contido nos autos, pois o fato já faz parte dos autos, trazido pelas partes, e é demonstrado através da regra de experiência. Também não seria um agir de ofício do juízo, visto que a consideração sobre as provas a partir das máximas de experiência também se enquadraria em seu movimento de livre apreciação da prova dos autos.

DELLEPIANE, Antonio. Nova teoria da prova, trad. Erico Maciel. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942.

FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. S. Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 8 ed., revista. Salvador: Juspodivm, 2016.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3ª ed., São Paulo: Cortez, 2011.

SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial, vol. I, 2ª ed., correta e atualizada. São Paulo: Max Limonad, 1952.

_______________________ Prova judiciária no cível e comercial, vol. V. São Paulo: Max Limonad, 1949.


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