Reforma Trabalhista – O Negociado sobre o Legislado, à Luz da Lei 13.467/2017 – Por Aurélio Franco de Camargo

22/08/2017

Coordenador: Ricardo Calcini

Conforme sabemos, em 13 de julho passado foi sancionada a Lei n.º 13.467, que, introduzindo diversas alterações no Decreto-Lei n.º 5.452 de 1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho, deu origem à tão debatida “reforma trabalhista”.

Entre os vários aspectos abordados, tanto de direito material, quanto de direito processual, destaca-se o privilégio que o legislador atribuiu às negociações entre patrões e empregados, sobrepondo estas, em alguns casos, às próprias disposições legais.

Inicialmente, pairou entre todos dúvida se tal legislação não se transformaria em uma forma dos patrões imporem aos empregados condições a estes desfavoráveis, com a sonegação de direitos legalmente previstos. Contudo, embora somente a aplicação prática de tais novidades possa demonstrar sua eficácia quanto aos objetivos, o fato é que a própria Lei 13.467 traz em seu bojo mecanismos para evitar que direitos fundamentais sejam sonegados, principalmente do trabalhador hipossuficiente.

O espírito central do negociado sobre o legislado encontra-se esculpido nos novéis artigos 611-A e 611-B da CLT, que disciplinam, justamente, quais matérias poderão ou não ser transacionadas entre patrões e empregados, e a forma de fazê-lo.

Quanto à forma, o artigo 611-A da CLT estabelece que tal negociação deverá se dar em sede de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Portanto, desde já fica desmistificado o primeiro ponto referente ao “negociado sobre o legislado”, qual seja, o de que o empregado irá “enfrentar” diretamente o patrão nas negociações.

Pelo contrário, o dispositivo legal é claro ao prever que tais negociações se darão, no caso da convenção coletiva de trabalho, entre os sindicatos de empregados e patronais, e no caso do acordo coletivo, entre sindicatos de empregados e as empresas.

Portanto, como premissa básica, verificamos que o empregado, principalmente o hipossuficiente, não estará desprotegido nas negociações junto ao seu empregador, uma vez que tal negociação, em verdade, será realizada pelo sindicato de sua categoria.

Nessa esteira, o parágrafo único do artigo 444 da CLT prevê exceção à possibilidade de transação apenas por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo, para aqueles empregados que possuam nível superior e percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência social, o que atualmente representaria um salário mensal em torno de onze mil reais.

Ou seja, aquele empregado que tenha nível superior e perceba um salário mensal no valor aqui indicado, poderá negociar diretamente com seu empregador, possuindo o resultado de tal negociação a mesma forma que a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho, isto é, sobrepondo-se à norma legal. Claro, assim, como em relação à convenção ou acordo coletivo de trabalho, esta negociação direta entre empregado – repita-se, aquele que possui nível superior e percebe salário mensal igual ou superior ao piso indicado – e empregador deverá se restringir ao rol indicado no artigo 611-A da CLT, sob pena de nulidade.

Aliás, tratando de nulidades, a reforma trabalhista, nesta seara, trouxe também a inovação no sentido de que a convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho somente serão analisados pela Justiça do Trabalho quanto aos elementos essenciais do negócio jurídico, nos termos do artigo 104 do Código Civil Brasileiro, isto é, agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei.

Essa disposição, decorrente do princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva, estabelece que a Justiça do Trabalho não poderá analisar a convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho quanto ao seu mérito, mas apenas quanto a seus requisitos formais e efeitos.

De fato, tendo o sindicato da categoria transacionado sobre tal matéria, desde que constante do rol do artigo 611-A da CLT, e obedecidas as demais formalidades, não haveria justificativa para que a Justiça do Trabalho analisasse a legitimidade daquela negociação, sob pena de ofensa à segurança jurídica das partes. Imagine-se um hipotético acordo coletivo de trabalho firmado entre sindicato e empresa, cujo estabelecimento está na competência territorial do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, e cujo mérito poderia ser analisado, com diferentes interpretações, pelas suas noventa varas do trabalho. Certamente, a segurança jurídica não estaria sendo privilegiada.

Ainda sobre o tema, por fim, o parágrafo quinto do artigo 611-A determina que o sindicato subscritor de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho é litisconsorte necessário na ação que tenha como objeto a anulação de suas cláusulas.

Conforme já mencionamos no início do presente, enquanto o artigo 611-A da CLT prevê aquilo que poderá ser objeto de transação por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, o artigo 611-B prevê, expressamente, o que não poderá ter como objeto a supressão ou redução de direitos legalmente previstos.

Muito se criticou a pertinência do artigo 611-B, uma vez que, se o 611-A já previa um rol do que poderia ser transacionado, todo o restante estaria supostamente vedado, sendo desnecessária sua indicação expressa. Contudo, bem fez o legislador em incluir tal artigo.

Observe-se que o artigo 611-A - o qual, repita-se, disciplina o que poderá ser transacionado - carrega em seu caput, ao introduzir o rol de matérias, um malicioso “entre outros”[1], que poderia dar margem a um alargamento do que poderia ser objeto de negociação.

Desta forma, acertadamente, tratou o legislador de pontuar o rol de matérias que não podem ser objeto de negociação entre as partes para suprimir direitos, aqueles cuja indisponibilidade é absoluta, por significar risco ao patamar civilizatório mínimo e afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Analisando-se o rol do artigo 611-B da CLT, verifica-se, de fato, sua importância e necessidade de menção expressa, eis que trata de direitos ligados ao salário mínimo; ao número de dias de férias; ao fundo de garantia por tempo de serviço; à aposentadoria; às licenças maternidade e paternidade, na forma legal; ao adicional em decorrência de atividades insalubres ou perigosas; à proibição quanto à discriminação do empregado com deficiência; ao direito de greve, entre outros.

Enfim, a essência da reforma trabalhista neste tocante é, a princípio, positiva, eis que permitirá a empregados e empregadores uma adaptação a cada uma das demandas verificadas. Contudo, caberá à experiência concreta nos mostrar como empregados, empregadores, sindicatos e demais atores se comportarão diante da liberdade de negociação concedida pelo legislador, para que dentro do lapso temporal adequado verifique-se, diante de um sinal de maturidade, sua ampliação, ou, de forma reversa, sua diminuição, ou até extinção.


Notas e Referências:

[1] “Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (...)” (grifos nossos)


Imagem Ilustrativa do Post: parece uma coreografia da Deborah Colker // Foto de: Sheila Tostes // Sem alterações
 
 

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