Reforma Trabalhista e a escatologia nas relações entre capital e trabalho  

09/09/2018

 

De acordo com TOFFLER[i] (1980), por quase três mil anos, o homem viveu basicamente de formas primitivas de sobrevivência, caçando, pescando, coletando frutas, raízes, brotos e sempre vivendo em pequenos grupos para garantir a segurança e a subsistência.

A partir do momento histórico em que alguns passaram a se desenvolver mais e a acumular mais do que os outros, surgem as classes, onde, inevitavelmente, o mais forte prevaleceu sobre o mais fraco, surgindo daí o conceito jurídico da hipossuficiência.

Na antiguidade[ii] (4.000 a.C a 476 d.C), período compreendido entre o surgimento da escrita até a queda do Império Romano no Ocidente, surgem classes, como a de trabalhadores livres remunerados, a dos senhores e a dos escravos, muitos deles escravos brancos, outros escravos remunerados, os quais trabalhavam forçadamente para seus senhores, para um dia comprarem suas liberdades.

            Segundo HUNT & SHERMAN[iii] (1977), “a escravidão deu origem à noção de que todo trabalho era indigno. Essa noção desestimulou a atividade inventiva e limitou o progresso tecnológico, contribuindo assim, para a estagnação da economia”.

            Na Idade Média[iv] (476 d.C. até 1453), com a consolidação da monarquia, as classes passam a serem classificadas em nobreza (detentoras de terras), os também chamados suseranos, e os vassalos, aqueles que arrendavam a terra para produzir para seus senhores, tendo direito a uma pequena fração para a subsistência de suas famílias.

Com a ideologia econômica do escravismo colapsado, surge o feudalismo como novo sistema social, no qual o servo, isto é, o camponês, recebia proteção do senhor feudal, que por sua vez, devia lealdade e era protegido por outro senhor mais poderoso.

As instituições econômicas eram baseadas no cultivo das terras dos senhores feudais pelos camponeses e nas corporações de artesãos que praticavam uma rudimentar produção doméstica e familiar que se perpetuava através de gerações, passando de pai para filho (HUBERMAN, 1986)[v].

Na Idade Moderna[vi] (1453 até 1789), surgem os burgueses, ou seja, pequenos comerciantes, os quais produziam para o sustento de suas famílias e comercializavam o excedente para a nobreza e clero. Foi a burguesia a precursora do capitalismo, o qual ganhou grande impulso com a I Revolução Industrial[vii] ocorrida na Inglaterra a partir de 1780.

Neste período, o economista clássico Adam Smith (1723 – 1790), retomou o Princípio da Especialização de Platão, utilizando a aplicação deste aos trabalhadores manufatureiros das fábricas inglesas. Em sua obra “A Riqueza das Nações: Investigação Sobre sua Natureza e suas Causas” (1776), “analisou os efeitos da divisão do trabalho sobre a produtividade, demonstrando que na medida em que o comércio aumenta a divisão do trabalho, todos se beneficiam do consequente aumento da produtividade”[viii].

Neste período, estes trabalhadores representavam meros números, pessoas sem direitos e garantias de qualquer espécie, os quais não tinham as mínimas condições de higiene e segurança no local de trabalho. Homens, mulheres e crianças disputavam o mesmo ambiente de trabalho, sendo que o índice de acidentes devido à falta de habilidade com as máquinas, assim como a falta de proteção, lançavam às ruas centenas de mutilados, os quais sem poder mais trabalhar, viravam mendigos, realidade esta muito bem retratada no filme Germinal[ix].

Com o surgimento das chamadas Doutrinas Sociais, dentre elas “O Capital”, do economista alemão Karl Marx, resultado das precárias condições de vida e de trabalho da época, preconizava que “o Estado deveria intervir como instrumento de justiça social, como órgão de equilíbrio dos fatores produtivos, de forma que o interesse social se sobrepusesse ao meramente individual”.

A própria igreja, através da Encíclica Rerum Novarum[x], editada em 1891, pelo Papa Leão XIII, apregoava que “não pode haver capital sem trabalho nem trabalho sem capital”, sendo esta a primeira vez na história da humanidade que se fala em dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho.

O poder dominante, temendo a luta de classes considerada através do materialismo dialético[xi], tendo como objetivo último o fim da propriedade privada, passou a considerar essas novas doutrinas como uma ameaça à sociedade da época, tendo que intervir politicamente para evitar uma convulsão social.

Dentre todos os tópicos defendidos por esta encíclica, podemos citar aquela que trata da dignidade no trabalho, a qual talvez tenha contribuído sobremaneira para que o Estado passasse a exercer sua força cogente através de seu jus puniendi, para aqueles que descumprissem o novo pacto social nas relações entre capital e trabalho.

Ao término da I Guerra Mundial (1914 – 1918), a nova ordem mundial à luz da Conferência de Paz no Palácio de Versalhes, cria a Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão este subordinado a então Liga das Nações, precursora ONU. A partir deste momento fica consagrado o Direito do Trabalho como aquele que passa a defender o direito dos trabalhadores.

Em que pese todas as conquistas trabalhistas auferidas aos trabalhadores no decorrer da história, temos o sentimento que, no Brasil, esteja havendo uma deterioração nas relações de trabalho.

Esta afirmação decorre tanto pelos recentes casos de trabalho escravo, quanto pela aprovação da Lei Nº 13.467/17, a qual sobre o pretexto de realizar uma reforma trabalhista que facilitasse a contratação de mão de obra e fosse geradora de novos postos de trabalho, acabou por trazer inúmeros pontos de controvérsia em detrimento da drástica redução dos direitos dos trabalhadores.

Neste período prolongado de recessão econômica, há que defenda que, se o trabalhador quiser ter emprego, que este deve abrir mão de seus direitos trabalhistas, o que nos faz perquirir se estamos às vésperas da escatologia nas relações de trabalho.

 

NOTAS E REFERÊNCIAS

[i] TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. Tradução João Távora. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 1980.

[ii] Período que vai desde a invenção da escrita (de 4000 a.C. a 3500 a.C.) até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.).

[iii] HUNT & SHERMAN, História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro: Vozes, 1977.

[iv] Inicia-se com a queda do Império Romano do Ocidente em 476 a.C e vai até 1453 com a queda de Constantinopla.

[v] HUBERMANN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21a Ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. 

[vi] Ocorrida em 29/05/1453 como a tomada de Constantinopla (atual Istambul, na Turquia) pelos turcos otomanos, e o término com a Revolução Francesa, em 14/07/1789.

[vii] Conhecida como Revolução do Carvão e do Ferro (1780 e 1860). A II Revolução Industrial ficou conhecida como Revolução do Aço e da Eletricidade (1860 a 1914).

[viii] SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia e Administração. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

[ix] Filme de romance francês, do escritor Émile Zola (1993), cujo tema aborda uma greve de mineiros provocada pela redução dos salários. Além dos aspectos técnicos das extrações minerais e as condições de vida nos agrupamentos dos mineiros, Zola também descreve o princípio da organização política e sindical da classe operária, tais como as divisões já existentes entre marxistas e anarquistas.

[x] Abordava as causas do conflito de classes, a questão socialista, a propriedade particular, a família e o Estado, a igreja e a questão social, direitos e deveres de patrões e trabalhadores, posse de riquezas, a dignidade nas relações de trabalho, etc.

[xi] Concepção filosófica que se opõe ao Idealismo, defendendo que o ambiente, o organismo e fenômenos físicos tanto modelam os animais e os seres humanos, sua sociedade e sua cultura, quanto são modelados por eles.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Exposição fotográfica sobre condições de trabalhadores brasileiros é inaugurada no Passadiço Cultural // Foto de: Ministério Público do Trabalho (MPT-RJ) // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/mptrj/33626274564/

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura