REFORMA TRABALHISTA: A PORTARIA MTE Nº 349/18 E A RESERVA LEGAL

28/05/2018

 

Publicada no Diário Oficial da União na data de 24 de maio de 2018, a Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 349/18 é mais um capítulo das inovações implementadas pela reforma trabalhista, cujo marco normativo inicial foi a Lei 13.467/17 que entrou em vigor em 11/11/2017. Em 14/11/2017, desejoso em adequar vários pontos da Lei 13.467/17, o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 808/17 versando sobre vários pontos como a jornada 12x36, o trabalho autônomo, a gestante e o trabalho insalubre, o trabalho intermitente, as comissões de fábrica, a negociação coletiva e o recolhimento previdenciário complementar. No entanto, após curto lapso de vigência, por não ter sido convertida em Lei pelo Congresso Nacional, a MP 808/17 perdeu vigência, restaurando-se as modificações originais implementadas pela Lei 13.467/17 que trouxe em determinadas passagens de seu texto disposições vagas e imprecisas, sem falar de suas antinomias e das escolhas inconvenientes efetuadas pela nova legislação que foram apontadas pelo Senado Federal no relatório que aprovou o PLC 38/17 naquela casa legislativa.

Tentando suprir parte do vazio ocasionado pela perda de vigência da MP 808/17, o Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria nº 349/18 repetindo alguns dispositivos da “falecida” medida provisória no intuito de esclarecer pontos celetistas referentes ao “trabalhador autônomo” (art. 442-B), contrato de trabalho intermitente (arts. 443, caput e § 3º, e 452-A), comissões de fábrica (arts. 510-A a 510-D) e forma de recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias (art. § 8º do art. 452-A). A questão central é saber se a matéria constante na Portaria MTE 349/18 pode ser veiculada pelo referido ato normativo ou estaria destinada à reserva de Lei.

A base da edição da portaria em análise está na Constituição Federal, ao dispor o artigo 87, parágrafo único, II, da CF/88 que “(…) compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei: (…) II expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos; (…)[1]”. Nas palavras de Edmir Netto de Araújo:

O poder normativo (e não apenas regulamentar, que é uma de suas espécies), permite ao administrador (ou Administração) editar normas gerais e abstratas, observados o princípio da legalidade e as regras de competência.[2]

Ou seja, desde que o Poder Executivo não inove a legislação, é bem-vinda a atitude de bem explicar a lei, aclarando pontos vagos e imprecisos, dando segurança jurídica aos componentes da relação de emprego. Em tal contexto, o Ministério do Trabalho e Emprego constantemente edita normas complementares para inúmeras situações, a exemplo de normas sobre medicina, saúde e segurança do trabalho (NR's 01 a 36) e adicional de periculosidade (Portaria 1.565/14), seja por delegação normativa (art. 200 da CLT), seja para aclarar dispositivos legais (art. 193, § 4º da CLT).

Analisando o texto da nova Portaria MTE Nº 349/18 vê-se que o primeiro tema tratado sobre o trabalho autônomo. Inserido pela Lei 13.467/17, o artigo 442-B da CLT instituiu a figura do “autônomo exclusivo” visando afastar a configuração do vínculo de emprego do prestador de serviços pela ausência do elemento subordinação jurídica, mesmo se o serviço é prestado apenas para uma tomadora. Vê-se que o artigo 1º da portaria em análise, ao menos a princípio, não inova, visto que em seu caput repete o texto do artigo 442-B da CLT, em seu § 1º minudencia o conceito de “exclusividade”, que é a prestação de serviços a apenas um tomador, explica no § 2º o que se entende por “não exclusividade”, em sede do § 3º aclara a possibilidade de autonomia do prestador em recusar os serviços a ele oferecidos e o § 4º apenas exemplifica os prestadores de serviços que podem ser considerados autônomos. O § 5º do art. 1º da Portaria nº 349/18 traz o óbvio: presentes os elementos fático-jurídicos[3] da relação de emprego (art. 3º da CLT), mormente a subordinação jurídica, desconfigurada estará a relação autônoma em existindo a relação de emprego.

Vê-se que a Portaria Ministerial não em nada inovou, apenas explicando e minudenciando o lacônico artigo 442-B da CLT.

Pelo que se observa, a maior parte da Portaria MTE Nº 349/18 dedica-se ao contrato de trabalho intermitente que, após a queda da MP 808/17, conta apenas com o artigo 443, caput e § 3º, que traz a conceituação de contrato intermitente, e o artigo 452-A, este que traz detalhes da pactuação de tal contrato especial.

O artigo 2º da portaria correspondente aos antigos incisos I a III do art. 452-A da CLT. Visa aclarar a insuficiente redação do caput do art. 452-A da CLT que trouxe apenas a necessidade de firmar o contrato por escrito e de constar o valor da hora de trabalho do intermitente. É óbvio que num contrato devem constar a identificação das partes, a assinatura e o domicílio ou sede das partes, o valor da hora ou do dia de trabalho, respeitado o valor horário ou diário do salário-mínimo (art. 7º, inciso IV, CF/88) na inexistência de empregados intermitentes ou não que percebam salário superior (art. 7º, incisos XXX e XXXI da CF/88 e art. 461 da CLT) e a garantia do adicional noturno (art. 7º, inciso IX, da CF/88 e art. 73 da CLT). Nesses pontos, entende-se que o ato normativo em análise apenas explicou de forma mais detalhada o texto legal.

No entanto, quanto ao inciso III do caput do art. 2º, parece ter havido violação à reserva legal ao se estabelecer que no contrato intermitente deve ser fixado o local e o prazo do pagamento das parcelas discriminadas no § 6º do art. 452-A da CLT. Ora, o referido § 6º diz que “ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas”[4]. Em bom português a palavra “imediato” quer dizer algo que “não tarda”, “instantâneo”, que se segue (sem intervalo no tempo ou no espaço)[5]. O texto da Portaria do MTE parece inovar o texto legal ao dar a possibilidade de constar em contrato o pagamento “não imediato”, ou seja, pagamento das parcelas devidas em momento diverso do dia do término da prestação de serviços,  visto que não fixa prazo curto para o pagamento que poderia ser enquadrado no conceito de imediato.

Quanto aos §§ 1º e 2º do art. 2º referentes à possibilidade parcelamento do período de férias e ao pagamento até o 5º dia útil da remuneração caso o período de convocação exceda a um mês, por apenas tratarem de obviedades já constantes na CLT (§§ 1º e 3º do art. 134 e § 1º do art. 459) não houve exorbitação do poder normativo.

De outra parte, muito embora vantajosa para o trabalhador intermitente, parece constituir novidade que fere a reserva de lei a disposição do § 3º do art. 2º da portaria que estabelece que a remuneração horária ou diária do trabalhador intermitente poderá ser superior ao dos trabalhadores com vínculo de emprego contínuo (não eventual). Ora, a não discriminação salarial entre empregados, intermitentes ou não, é preceito constitucional previsto no art. 7º, incisos XXX e XXXI. Mesmo se assim não fosse, a inovação deveria ter sido inserida por lei no artigo 461 da CLT (que trata da equiparação salarial) ou no artigo 452-A da CLT e não por simples portaria. O mesmo se considera quanto ao § 4º do art. 2º, visto que ao repetir o texto do caduco § 15 do art. 452-A da CLT, a portaria tenta transformar os prazos de convocação direcionado ao empregador (mínimo 3 dias corridos) e resposta do empregado (1 dia útil) em meras recomendações, o que é questionável, pois tais prazos tratam-se de garantias mínimas ao empregado intermitente[6].

O art. 3º da portaria, ao trazer os requisitos facultativos do contrato de trabalho intermitente, em nada inova no texto da CLT, servindo de mera orientação aos contratantes. Da mesma forma, o art. 4º, ao minudenciar o conceito de inatividade (tempo diverso do de convocação), ao explicitar a proibição de cláusula de exclusividade no vínculo intermitente (§ 1º) e ao deixar mais claro que o tempo de inatividade não é remunerado (§ 2º), apenas visou aclarar a redação do § 3º do art. 443 e do § 5º do art. 452-A da CLT.

Ao dizer que o aviso prévio e eventuais parcelas rescisórias devidas ao intermitente (eventuais, porque muitas delas, como as férias proporcionais + 1/3 e o 13º salário proporcional, são pagas antecipadamente a cada término de prestação de serviços - § 6º do art. 452-A da CLT[7]) serão calculadas conforme a média aritmética das remunerações percebidas nos últimos 12 meses ou em período menor de trabalho, tomando-se como divisor somente os meses em que efetivamente se recebeu remuneração, o art. 5º da portaria não inova o texto celetista, deixando clara apenas a forma de cálculo, a exemplo do que já consta no artigo 478, § 4º, da CLT.

No artigo 6º da Portaria MTE Nº 349/18 o Poder Executivo Federal em nada inovou. Em verdade, tal dispositivo é até mesmo desnecessário, pois repete, quase que “ipsis litteris”, o texto do § 8º do art. 452-A da CLT quanto aos recolhimentos de FGTS e das contribuições previdenciárias do intermitente.

Quanto ao artigo 7º do ato normativo em questão, ao se determinar que o empregador deverá anotar na CTPS a média das gorjetas referentes aos últimos doze meses, apenas há o complemento da previsão do parágrafo único do artigo 29 da CLT que prevê que nas anotações referentes à remuneração deverá ser registrada a “estimativa da gorjeta”. Não se enxerga aqui qualquer invasão à reserva legal. 

Por fim, o até mesmo desnecessário artigo 8º da Portaria MTE Nº 349/18 em nada inova: a representação dos empregados por meio das denominadas “comissões de fábrica” (arts. 510-A a 510-B da CLT) não tem o condão de substituir os sindicatos como legítimos representantes das categorias profissionais, mormente no estabelecimento de acordos coletivos e de convenções coletivas de trabalho. Assim é, visto que tais garantias estão expressamente previstas no artigo 8º, caput, e incisos III e VI, da Constituição Federal de 1988.

Conclui-se no sentido de que a Portaria MTE Nº 349/18 é bem-vinda ao aclarar algumas imprecisões e incongruências do texto original da Lei 13.467/17. No entanto, parece invadir a reserva legal em alguns pontos, principalmente quanto ao contrato de trabalho intermitente.

           

Notas e Referências

1 - ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 433.

2 – BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 27 mai. 2018.

3 – BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 27 mai. 2018.

4 - DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: Ltr, 2015, p. 311 e s.

5 - DICIONÁRIO do Aurélio. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/imediato>. Acesso em 27 mai. 2018. 

6 -  SALES, Cléber Martins; BRITO, Marcelo Palma de; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de; FONSECA, Rodrigo Dias da. Reforma trabalhista comentada MP 808/2017: análise de todos os artigos/ Coordenador Rodrigo Dias da Fonseca. – 1.ed. – Florianópolis : Empório do Direito, 2018. 120p.

[1]             - BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 27 mai. 2018.

[2]             - ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 433.

[3]          - DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: Ltr, 2015, p. 311 e s.

[4]          - BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 27 mai. 2018.

[5]             - Dicionário do Aurélio. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/imediato>. Acesso em 27 mai. 2018.  

[6] - Mesmo na vigência da MP 808/17 era criticável a redação antigo § 15 do art. 452-A da CLT, conforme nossos comentários realizados em obra publicada pela Editora Empório do Direito denominada “Reforma trabalhista comentada MP 808/2017”: análise de todos os artigos/ Coordenador Rodrigo Dias da Fonseca. – 1.ed. – Florianópolis: Empório do Direito, 2018. 120p. Autores: Cléber Martins Sales, Marcelo Palma de Brito, Platon Teixeira de Azevedo Neto, Rodrigo Dias da Fonseca.

[7] – A tal respeito, vide nossa obra publicada pela Editora Empório do Direito denominada “Reforma trabalhista comentada MP 808/2017”: análise de todos os artigos/ Coordenador Rodrigo Dias da Fonseca. – 1.ed. – Florianópolis: Empório do Direito, 2018. 120p. Autores: Cléber Martins Sales, Marcelo Palma de Brito, Platon Teixeira de Azevedo Neto, Rodrigo Dias da Fonseca.

 

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