Reflexos da tutela provisória na atuação da advocacia pública – Por Weber Luiz de Oliveira

04/06/2017

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Os reflexos na atuação da advocacia diante da tutela provisória são evidentes.

Inicialmente, sobre as decisões concessivas de tutelas provisórias, tendo em vista a ampla e repetida importância dada a fundamentação adequada das decisões judiciais (art. 10; art. 298; art. 489, § 1º) - o que, decerto, pela ordem constitucional contemporânea não podia ser diferente -, deve se atentar para a possibilidade de interposição de recursos contra a concessão de tutelas provisórias sem a exigida fundamentação, como, por exemplo: “Preenchidos os pressupostos da tutela provisória defiro...”.

Isso porque, haverá o aperfeiçoamento da prestação do serviço público jurisdicional, além de maior legitimação no cumprimento da decisão judicial, porquanto a imposição de agir da Administração, e de seus agentes, em dissonância com a literalidade legal exige uma fundamentação que dê conhecimento dos seus motivos, até para o fim de nas razões recursais se possibilitar a demonstração de fundamentos contrários à concessão.

No que concerne a precariedade da tutela provisória é salutar renovar a atenção a ser dada na atuação dos advogados públicos para as sentenças de confirmação/revogação das tutelas provisórias, para expedição de ofício aos órgãos administrativos competentes a respeito, tanto da confirmação, mantendo-se o cumprimento, quanto da revogação, mormente nas questões afetas aos provimentos provisórios de prestação continuada.

Dentro de destacada temática de imposição judicial de prestações de trato sucessivo vislumbra-se, igualmente, a possibilidade de, havendo modificação do estado de fato ou de direito, postular pela revisão do julgado, conforme art. 505, I[2] (o art. 471 do CPC/1973 também disciplinava dessa forma).

Ganha relevo tal disciplina nas ações que impõem o fornecimento de medicamentos pelas pessoas jurídicas estatais, quando houver padronização superveniente, com a inclusão do fármaco nos protocolos clínicos de dispensação pública.

Ou seja, para modificar a obrigação de fornecimento de medicamentos por via judicial – mais onerosa aos cofres públicos -, pode-se intentar nova ação pedindo a revisão do que foi estatuído na sentença, para o fim de impor uma obrigação de fazer ao particular, que agora estaria no polo passivo, de que faça o pedido administrativo e, havendo deferimento, outro pedido sucessivo, declaratório negativo ou desconstitutivo daquela primeira relação jurídica imposta pela sentença, para que, doravante, o fornecimento da medicação seja feito administrativamente, com ganho de organização e diminuição dos custos de aquisição, privilegiando o tratamento isonômico e eficiente que deve ser buscado pela Administração Pública.

Desse modo, nos referidos casos o órgão de saúde pública deve informar o órgão da advocacia pública acerca da superveniente padronização, para que se postule por aquela medida judicial.

Tema importante a ser debatido é o relativo ao sequestro de verbas públicas.

A priori, o sequestro se configura inconstitucional. Isso porque apenas nos casos dispostos na Constituição Federal poderá haver a adoção desta medida extrema. O sequestro, assim, vem elencado no § 6º do artigo 100 da Constituição Federal (no precatório, preterimento do direito de precedência do credor ou não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito). Ambas necessitam de requerimento do credor.

O artigo 78, § 4º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), quando houver o parcelamento do precatório, igualmente autoriza o sequestro nas seguintes situações: i) não-pagamento de parcela (vencido o prazo); ii) omissão no pagamento; iii) preterição ao direito de preferência[3].

É certo, contudo, que nos casos de desabastecimento de medicamentos, a imposição de multa pelo descumprimento da tutela provisória pode ser mais dispendiosa ao erário, sendo a opção pelo sequestro do valor estritamente necessário para aquisição dos fármacos menos oneroso. Destacado tema, aliás, foi objeto de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça na sistemática dos recursos repetitivos[4], sob a égide do CPC/1973.

Importante questão, diante da reafirmação do CPC/2015 das restrições à concessão de tutela provisórias nas hipóteses versadas na Lei 8.437/1992 e 12.016/2009, é a relativa a uma atuação de defesa no sentido de impugnar as decisões judiciais violadoras de tais vedações legais, à exceção de matérias já reiteradamente sedimentadas na jurisprudência que autorizam a concessão de tutela provisória, como nos casos de ações que envolvem o direito à saúde (fornecimento de medicamentos e procedimentos médico-hospitalares) e nos de tutela de evidência baseada no art. 311, II.

A estabilização da tutela antecipada é um novo instituto processual adotado no CPC/2015 que tem grande repercussão na doutrina, sendo motivo de inúmeras controvérsias sobre a sua aplicabilidade.

Para a atuação dos órgãos de defesa dos entes públicos deve ser verificado se o autor requereu na petição inicial que pretende a estabilização (art. 303, § 5º), pois assim se tem ciência de que se deve recorrer, para evitar a extinção do processo no caso de requerimento feito e de concessão da tutela estabilizada, ou não recorrer, deixando a discussão para a contestação, no caso de não ter o autor requerido aquele procedimento.

Se concedida a tutela antecipada em julgamento monocrático de agravo de instrumento, cabível agravo interno; se no acórdão, apenas recurso especial, em razão da vedação da súmula 735/STF de interposição de recurso extraordinário.

Visualiza-se, desse modo, que no caso do autor requerer a aplicação do procedimento que possibilita a estabilização da tutela antecipada e houver a sua concessão, o recurso de agravo de instrumento é o único meio hábil de defesa para que o processo não seja extinto, de modo que pode-se exigir uma mudança de atuação institucional no que pertine aos recursos que são obrigatórios, como também as possibilidades de dispensa de sua interposição.

Em relação à tutela de evidência, impõe-se que a prática judicial de defesa do poder público esteja em consonância com a prática administrativa (desde que legal, é claro), para o fim de evitar caracterização de abuso do direito de defesa, o que ensejaria a sua concessão.

A propósito, importante a adequação da atuação judicial com os pareceres exarados pelos órgãos de advocacia pública, com maior divulgação ou mais acessibilidade das manifestações e dos pareceres administrativos exarados no interno das Instituições[5].

Por fim, mister enfrentar a questão da concessão de tutela antecipada que impõe obrigação de pagar quando há a sua estabilização e a sua interligação com aplicação ou não da remessa necessária[6].

Conforme o § 6º do art. 304 a “decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2o deste artigo”.

Portanto, problema maior para o deslinde da questão ora suscitada criou o legislador ao excluir da decisão estabilizada o seu trânsito em julgado. Ora, se é pressuposto constitucional o trânsito em julgado e, excluindo a legislação processual essa possibilidade para a decisão judicial estabilizada, a mesma não poderia ser passível de execução/cumprimento contra a Fazenda Pública.

Esta é uma falsa questão, contudo, porquanto se houve estabilização é porque inexistiu interposição de recurso, no caso e, assim, o processo será extinto, conforme § 1º do art. 304. Veja-se que havendo a concessão da tutela antecipada e o pedido do autor pelo procedimento especial, o único requisito para a estabilização da tutela antecipada é a não interposição de recurso.

Esta extinção do processo, que se entende como de resolução do mérito, pois houve acolhimento do pedido formulado na ação nos termos do art. 487, I, do CPC/2015 (há diversas posições na doutrina que aludem ser uma sentença de extinção sem julgamento do mérito), trata-se de outra decisão judicial que difere da anterior decisão concessiva da tutela antecipada que se estabilizou pela inércia da Fazenda Pública.

Vale dizer, a estabilização da tutela antecipada decorre de uma primeira decisão (interlocutória e de mérito), que, pela disciplina do Código de Processo Civil de 2015 não transita em julgado; já o pronunciamento judicial oriundo da extinção do processo face a não interposição de recurso é uma decisão de mérito (sentença), regida, como qualquer outra sentença pelas disposições da legislação processual civil, dentre elas, ser passível de ser alcançada pela coisa julgada, de acordo com o art. 502 do CPC/2015 e de se submeter a remessa necessária.

Existindo, então, sentença, existente, em decorrência, a remessa necessária, quando cabível.

Portanto, na estabilização da tutela antecipada há também remessa necessária, não da própria decisão estabilizada, mas sim da sentença que extinguiu o processo em razão da não interposição de recurso. Neste caso, eventual cumprimento da sentença terá natureza provisória e, assim, não poderá ser manejada, pois pendente ainda o julgamento da remessa.

Em não sendo cabível remessa necessária (art. 496, §§ 3º e 4º), a decisão então estabilizada e objeto da sentença extintiva torna-se incontroversa pela própria força da coisa julgada, passível de execução/cumprimento definitivo contra o poder público.

Conclui-se, então, que nos casos em que houver a estabilização de obrigação de pagar dinheiro e couber remessa necessária, não se poderá propor o cumprimento da sentença sem que tenha sido julgada a remessa necessária e havido o trânsito em julgado.

Resta, ainda, investigar acerca do pedido de revisão, reforma e invalidação da decisão estabilizada e os seus reflexos no cumprimento/execução da sentença.

Independentemente de haver ou não remessa necessária da sentença proferida no processo em que houve estabilização da tutela antecipada, poder-se-á, conforme autorizado pelo art. 304, § 2º do CPC/2015, requerer a revisão, reforma ou invalidação da tutela estabilizada.

O pedido de revisão, se ocorreu o trânsito em julgado da sentença extintiva, tem os efeitos e características da ação rescisória. Nesse sentido, não se impede o cumprimento da decisão rescindenda, ressalvada a concessão de tutela provisória, consoante art. 969 do Código de Processo Civil de 2015, que trata da ação rescisória.

Não se entendendo desta forma como acima exposto, pode-se conjecturar outras maneiras de dar resposta a questão.

A solução para este dilema, assim – apesar de não se concordar com a mesma, mas em um exercício hermenêutico possível -, se não for admitida a remessa necessária da decisão estabilizada, ocasião em que o acórdão do Tribunal faria, então, coisa julgada, pode ser engendrada em duas vertentes.

A primeira, no sentido de a parte autora - ciente que está litigando contra a o poder público, e da exigência da Constituição Federal do pressuposto trânsito em julgado -, aditar a petição inicial confirmando o pedido de tutela final, esta sim passível de trânsito em julgado; a segunda, após a extinção do processo, postular pelo aditamento da petição inicial para o fim de conseguir um provimento final que faça coisa julgada.

A primeira solução não parece formalmente plausível porque se houve estabilização é porque inexistiu interposição de recurso pelo ente público e, assim, o processo será extinto, sem prosseguimento para análise do aditamento.

Por conseguinte, se o processo em que houve estabilização necessariamente será extinto, mesmo que tenha havido o aditamento da petição inicial nos termos do art. 303, § 1º, I (há entendimentos doutrinários que neste caso o processo deve prosseguir, dando primazia ao julgamento do mérito), a única possibilidade que se vê, por mais absurda que possa parecer, é a segunda, em que o autor deverá então aguardar a decisão de extinção e requerer, na sequência, o prosseguimento do feito aditando a petição inicial conforme §§ 2º e 4º do art. 304, objetivando receber uma sentença final que produza coisa julgada, abrindo ensejo à execução contra a Fazenda Pública, se não houver recurso, ou a remessa necessária, se houver cabimento.

A complexidade inaugurada pela nova legislação processual na disciplina da concessão de tutelas antes do provimento final, impõe que os operadores do processo manejem os institutos com o objetivo de assegurar uma defesa eficiente e, no que concerne especificamente à advocacia pública, necessário que se verifique se os requisitos legais estão preenchidos, para o fim de decidir qual a melhor técnica processual a ser utilizada.

Tais ponderações se mostram relevantes na medida em que a defesa do poder público em juízo nada mais é que a defesa de todos e de cada membro da coletividade, de modo que, a busca de eficiência na atuação da advocacia pública, traz subjacente o cuidado no tratamento da coisa pública, que é o que se espera, nos tempos contemporâneos e, quiçá, mais do nunca, de todo agente público.


Notas e Referências:

[1] Texto extraído de artigo intitulado “Prolegômenos à tutela provisória contra o poder público no Código de Processo Civil de 2015”, pp. 217-228, publicado na Revista da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina, n. 5, Florianópolis/ DIOESC, 2016.

[2] Art. 505. Nenhum juiz decidirá as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

[3] Essa disposição teve a eficácia suspensa em razão de deferimento de cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.362, de 18.02.2002, confirmada pelo Plenário em 25.11.2010.

[4] PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MEDIDA NECESSÁRIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA OU À OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE. ART. 461, § 5º. DO CPC. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE CONFERIDA AO JULGADOR, DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08/2008 DO STJ. 1. Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação. 2. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 08/2008 do STJ. (REsp 1069810/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 06/11/2013)

[5] Veja-se, por exemplo, que já se tem interpretação doutrinária no sentido do enunciado n. 34 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “(art. 311, I) Considera-se abusiva a defesa da Administração Pública, sempre que contrariar entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa, salvo se demonstrar a existência de distinção ou da necessidade de superação do entendimento”.

[6] Esta parte da exposição foi extraída, com algumas adaptações, de texto publicado na seguinte coletânea: “Advocacia pública, coord. José Henrique Mouta Araújo, Leonardo Carneiro da Cunha (Coleção Repercussões do Novo CPC, v. 3; coord. geral Fredie Didier Jr.), Salvador: Editora JusPodivm, 2015, pp. 467-509.


 

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