A técnica da ampliação da colegialidade vem suscitando várias controvérsias no seu manejo do dia a dia, tendo alguns tribunais do país dado interpretação, ao que parece, equivocada ao que preleciona o art. 942 do CPC-15, ora a confundindo com um recurso (inclusive defendendo a existência de âmbito de devolutividade), ora com um incidente processual, que se limitaria à análise do ponto divergente, com posterior retorno ao órgão colegiado em sua formação originária (três julgadores) para o julgamento das demais matérias (capítulos) onde não houvesse divergência.
Essa confusão interpretativa, ressalte-se, tem lugar em razão de a técnica de ampliação da colegialidade ter sido inserida no CPC-15 em substituição ao recurso de Embargos Infringentes, bem como pela ausência de um regramento específico no novo diploma processual acerca do seu procedimento. Esses dois fatores, ainda que importantes, não podem levar a uma interpretação distorcida do instituto, tendo em vista sua importância quando o resultado da apelação for não unânime[1].
Alguns tribunais, mesmo após ter suspendido o julgamento da apelação em razão da existência de um voto divergente, com consequente designação de continuidade do julgamento com a ampliação da colegialidade, não vêm colhendo os votos dos outros dois desembargadores convocados para o julgamento ampliado, mesmo sendo desse quórum qualificado a competência para o julgamento da apelação, ao argumento de que o desembargador que havia divergido teria modificado o seu voto (na sessão de julgamento com a técnica da ampliação da colegialidade), tornando, assim, na sessão designada para a continuidade do julgamento, unânime o julgado, o que levaria à desnecessidade da ampliação da colegialidade.
Não parece correto, contudo, esse entendimento, tendo em vista que se houve a suspensão do julgamento em razão de um voto divergente, com consequente convocação de outros dois desembargadores para a continuidade do julgamento em sessão com o quórum ampliado, a simples modificação de posicionamento do julgador que abriu a divergência não retira a necessidade de colheita dos votos dos demais desembargadores, dos noveis ou mesmo daqueles que já haviam votado anteriormente, diante da possibilidade de modificação de entendimento quando da sessão de julgamento. Caso contrário, haveria ofensa ao Princípio do Juiz Natural, consubstanciado no art. 942, do Código de Processo Civil, que impõe que a continuidade do julgamento se dê com a ampliação da colegialidade, que não se faz opcional, mas obrigatória.
A ampliação do colegiado em caso de divergência é fato que leva à mudança de composição do órgão julgador, não havendo possibilidade de a simples mudança do voto divergente modificar, de novo, a competência funcional daquele órgão, que já havia sido ampliada, máxime essa mudança ocorrendo após a suspensão e designação da continuidade do julgamento com o quórum ampliado. Ampliando-se a composição do órgão julgador, a competência para o julgamento do recurso passa a ser da nova composição, razão pela qual se assegura o direito da parte de sustentar oralmente as suas razões perante os novos julgadores.
A técnica de ampliação do colegiado não se trata de um recurso, tampouco de um incidente processual. Constatando-se que o resultado da apelação é não unânime, não se encerra o julgamento, que deverá prosseguir em sessão a ser designada com a presença de novos julgadores, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado final. Modifica-se, pois, a composição do órgão julgador, tendo a composição ampliada competência funcional para o julgamento da apelação, na sua integralidade. Como bem ressaltam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero[2]: “Vale dizer: o novo juiz natural, a partir da ausência de unanimidade, é o colegiado ampliado”.
Sobre o tema, tem-se a lição de Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha, verbis:
Percebe-se, então, que a existência de divergência é fato que leva à mudança de composição do órgão julgador. Assim, caso não seja observada a técnica do art. 942, CPC, o acórdão será nulo, por vício de competência funcional.[3]
A modificação de competência ocorre em razão da suspensão do julgamento não unânime, com consequente designação de nova sessão de julgamento com o quórum ampliado. Nesta sessão (a ampliada), antes da colheita dos votos dos demais desembargadores, a mudança de posicionamento do desembargador que divergiu não faz modificar mais uma vez a competência para a composição simples do órgão colegiado, tampouco exonera o tribunal de colher os votos dos desembargadores convocados. O julgamento terá que ir até o final, com a colheita dos votos dos 05 (cinco) desembargadores, ainda que o resultado seja unânime pelo improvimento do recurso.
Não se está afirmando, é bom que se diga, que o desembargador que divergiu não pode mudar de entendimento, tal premissa seria contrária ao art. 941, § 1º c/c art. 942, § 2º do CPC-2015, mas somente poderá fazê-lo na sessão de julgamento com a convocação dos demais julgadores (ampliação do colegiado), que deverão proferir seus votos, diante da necessária modificação da composição do órgão julgador.
Entender que a modificação do voto divergente pode se dar sem a ampliação do colegiado malfere o art. 942, § 2º, do CPC-2015. Pior, torna facultativa norma cogente, que impõe a ampliação da colegialidade quando o resultado da apelação for não unânime. A modificação do voto divergente, ou de qualquer outro voto, pode se dar na sessão designada para o julgamento da apelação, mas com a composição ampliada, órgão que passou a ter competência funcional para o julgamento do recurso.
Como se vê, o art. 942 do CPC prevê uma técnica de ampliação do colegiado para julgamento, estabelecendo a suspensão da sessão de julgamento quando o resultado for não unânime e determinando que se prossiga, com outros membros, em nova designação. Não se trata de recurso. O recurso é cabível contra uma decisão proferida. Na hipótese do art. 942 do CPC, não há encerramento do julgamento. Colhidos os votos e não sendo unânime o resultado, incide a regra: convocam-se novos julgadores e designa-se nova sessão para prosseguimento do julgamento, e não para revisão ou reconsideração do que foi julgado. Não houve encerramento do julgamento, mas suspensão para prosseguimento com a composição do órgão julgador ampliada.[4]
Não se nega que é da essência do julgamento colegiado a possibilidade de modificação do voto até a proclamação do resultado do julgamento (CPC 941, § 1º), mas também é da natureza deste tipo de julgamento o diálogo e a possibilidade sempre presente de um julgador influir na formação do convencimento dos demais. Em sendo suspenso o julgamento não unânime, impõe-se a ampliação do órgão colegiado, mesmo que na sessão de julgamento designada aquele voto que divergiu seja modificado, isso porque os demais votos também podem ser modificados, sendo o órgão com a composição ampliada competente para o julgamento do recurso, importando, agora, o cômputo dos votos finais, na composição ampliada, e não mais aqueles primeiros que não chegaram a uma unanimidade.
A possibilidade de os julgadores que já tiverem votado modificar os seus votos em nada infirma o que até aqui se defendeu. A modificação, antes da proclamação do resultado do julgamento, é da essência da colegialidade, mas tal modificação não exonera o tribunal de continuar com o julgamento e colher os votos dos julgadores convocados para a sessão de julgamento ampliado. A invocação do permissivo do § 2º, do art. 942 do CPC-15, não pode, paradoxalmente, passar a negar-lhe vigência. Não é porque a norma referida autoriza a modificação do voto por ocasião da sessão de julgamento com o quórum ampliado, que se houver a modificação, passa a não mais ser necessária a ampliação da colegialidade. Essa interpretação, decerto, malfere o caput do mesmo art. 942, não sendo legítima uma interpretação que não coadune os parágrafos com a cabeça do dispositivo normativo.
Tendo o Tribunal determinado a ampliação da colegialidade, com designação de nova sessão para a continuidade do julgamento, com a presença dos novos julgadores, modificou-se a composição do órgão julgador, que passou a ter competência funcional para o julgamento da apelação. Proclamar um resultado por unanimidade após a ampliação, somente se os 05 (cinco) julgadores tivessem votado no mesmo sentido, não havendo mais a possibilidade de julgamento pela composição mínima para o julgamento da apelação.
Pensar diferente é analisar o procedimento como mero instrumento e não como garantidor dos direitos fundamentais das partes contra interferências ilegais dos poderes constituídos. O moderno processo tem que ser visto de forma dialógica, comparticipativa, com a prevalência do contraditório dinâmico e com a garantia da fundamentação das decisões judiciais, alicerçado na cláusula geral de boa-fé. É o que se denomina de processo justo, que proíbe comportamentos contraditórios de quaisquer dos sujeitos processuais (Devido Processo Leal).
Ampliado o quórum do órgão julgador da apelação, com a suspensão do julgamento e convocação de novos julgadores, a competência para o julgamento da apelação passa a ser do órgão ampliado, ainda que na sessão de julgamento seja possível a modificação dos votos já proferidos. Suspender o julgamento, designar nova sessão de julgamento com a presença de outros julgadores não é opção do tribunal, mas um dever que se lhe impõe. Mais que isso, voltar atrás na designação da sessão com o órgão ampliado é comportamento contraditório que atenta contra a boa-fé objetiva (art. 5º, CPC-2015), além de ir de encontro às regras de competência funcional, eivando de nulidade o acórdão eventualmente proferido.
A confusão que se anunciou no início desta coluna se escora em 03 argumentos centrais, a saber: i) que a técnica de ampliação da colegialidade prevista no art. 942 do CPC-15 não é recurso nem remessa necessária, razão pela qual não haveria a modificação da competência funcional para o quórum ampliado; ii) que o procedimento previsto no art. 942 do CPC-15 veio para substituir os embargos infringentes, motivo pelo qual não pode prosperar a tese de que seria necessária a análise do apelo em sua integralidade pelo colegiado em sua forma ampliada; e iii)que o novo diploma processual não foi expresso quanto à forma de aplicação da técnica de julgamento, cabendo aos tribunais sua regulamentação.
O primeiro argumento que vem sendo utilizado, de que a técnica de ampliação da colegialidade não se confunde com recurso ou remessa necessária, ao contrário do que se busca defender, é justamente o que impõe que a sessão ampliada seja levada até o seu final quando da suspensão do julgamento da apelação para continuidade em outra sessão com o quórum ampliado. Parece intuitivo, que suspenso o julgamento da apelação em razão de um voto divergente, a continuidade do julgamento tenha que ser realizada com a presença de mais dois desembargadores, que deverão votar acerca da matéria devolvida em sede de apelação e não apenas acerca do ponto divergente, o que não se mostra uma faculdade, mas uma imposição do Devido Processo Legal.
Pensar diferente, que a análise pelo órgão ampliado se limitaria ao ponto divergente, aí sim confundiria a técnica da ampliação da colegialidade com um recurso (ou incidente processual ou remessa necessária), mesmo porque, ao final, obrigatoriamente teriam que ser prolatados dois acórdãos, um para o julgamento da apelação em quórum simples e outro para o julgamento do quórum ampliado, com diferentes votos condutores, inclusive. Não parece que a técnica da ampliação da colegialidade autorize dois acórdãos para o julgamento de um único recurso, ainda que se possa pensar em capítulos de sentença (decisão), daí desaparecer, também, o segundo argumento.
É justamente por não se confundir com um recurso que a técnica da ampliação da colegialidade, quando suspenso o julgamento em razão de divergência, com designação de nova sessão de julgamento com a convocação de mais dois desembargadores, não é uma opção, mas um dever decorrente do Devido Processo Legal. O desembargador que divergiu pode modificar o seu voto na nova sessão de julgamento (com o quórum ampliado), mas isso não faz desaparecer a necessidade da continuidade do julgamento, colhendo os votos dos demais desembargadores (dos novos e dos que já havia votado), pois é da essência do julgamento colegiado a possibilidade de influência de um juiz sobre o outro, diante do necessário diálogo de razões que deve haver nas sessões de julgamento.
Designada a sessão de julgamento para a aplicação da técnica da ampliação da colegialidade, o julgamento é retomado em sua integralidade, podendo os desembargadores que já haviam votado modificar seu posicionamento anterior (§ 2º do art. 942 do CPC-15), não apenas quanto ao ponto divergente, mas em relação a todas as matérias constantes do recurso de apelação, caso contrário estar-se-ia falando não de continuidade de julgamento, mas de âmbito de devolutividade da técnica de julgamento ampliado, confundindo-a com um recurso, além do problema de ter que se prolatar dois acórdãos para a mesma apelação caso houvesse essa limitação nas matérias que podem ser analisadas pela composição ampliada.
Afirmar-se, tão só, que o novo diploma processual não foi expresso quanto à forma de aplicação da técnica de julgamento, cabendo aos tribunais sua regulamentação, não retira a obrigatoriedade da adoção da técnica de ampliação da colegialidade quando houver divergência inicial no julgamento da apelação, pois designada nova sessão de julgamento para a continuidade do julgamento da apelação, ela terá que ser realizada até o final, com a colheita dos votos de todos os 05 (cinco) desembargadores, não sendo possível o seu cancelamento por ocasião da mudança de posicionamento do voto divergente, sendo necessária a manifestação de todos os juízes quando do julgamento do apelo.
Como dito, a existência de divergência é fato que leva à mudança de composição do órgão julgador, impondo a observância da técnica do art. 942, CPC, sob pena de nulidade do acórdão, por vício de competência funcional, não porque essa técnica se confunda com um recurso ou incidente processual, justamente pelo contrário, por ser imperiosa a continuidade do julgamento pelo órgão ampliado, que detém competência absoluta para o prosseguimento do julgamento da apelação, ainda que todos os 05 (cinco) desembargadores votem conforme a antiga maioria, ou seja, que o voto divergente seja modificado, levando-se a um julgamento por unanimidade.
Não se pretendeu com essa coluna colocar um ponto final no debate, ao contrário, o que se buscou foi fomentar o diálogo sobre um instituto ainda pouco explorado pela doutrina e que vem causando grande confusão na prática cotidiana. Outros aspectos acerca da técnica da ampliação da colegialidade suscitam maiores reflexões, tais como a aparente contradição entre o caput do art. 942 e o seu parágrafo 3º, mas isso é assunto para outra coluna. Boa semana a todos.
Notas e Referências:
[1] Não se desconhece que a técnica da ampliação da colegialidade deve ser utilizada na ação rescisória (quando da rescisão da sentença por julgamento não unânime), bem como quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito (em sede de agravo de instrumento), mas a presente coluna vai se limitar a análise da técnica da ampliação tendo como referencial a cabeça do artigo 942 do CPC-15, apelação portanto.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme (Diretor). Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 926 ao 975. Volume XV. Luiz Guilherme Marinoni. Daniel Mitidiero. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 242.
[3] Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 78.
[4] DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 79.
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