REFIS, Varig, VASP, Transbrasil e o Estado como coveiro da livre iniciativa

12/09/2017

Por Charles M. Machado – 12/09/2017

A decisão, no último mês do Supremo Tribunal Federal relacionada ao crédito da falida Varig perante a União, quase três décadas após os acontecimentos, nos leva a fazer várias reflexões sobre o cenário atual da conjuntura econômica e da crise empresarial.

Esses mastodontes da economia, dominaram a aviação brasileira por três décadas, e hoje nenhuma das três existe, por uma série de fatores, porém aqui tratamos dessas empresas e da sua ligação com os sucessivos programas especiais de parcelamento tributário, os REFIS I, II, III, IV... que entre outros, parecem para maioria da população como escárnio ao contribuinte que todos seus tributos paga. Logo inúmeros são os veículos de comunicação que dão holofotes a crítica comum de que esse expediente, é um grande estimulador da sonegação.

Por isso nesse artigo gostaria de enfrentar essa inverdade, afinal atacar os programas especiais de parcelamentos é deixar de entender que os mesmos são consequência e não causa de uma elevada carga tributária.

A relação tributária ocorrida entre o sujeito ativo (União, Estados e Municípios) vem dia após dia servindo de desestímulo a livre iniciativa. Creio que o melhor exemplo do calvário que é ser empresário, reside na burocracia para criara uma empresa, e a burocracia maior ainda existente para se dar baixa em uma empresa, só isso já serviria de exemplo.

O Estado brasileiro, que por gênese, sempre funcionou de maneira intervencionista, acaba por inúmeros e públicos exemplos criando uma série de dificuldades para os brasileiros, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, logo para cada exemplo de simplificação do sistema tributário que lhe é dado, você poderia contrapor com outros três de como é desestimulante investir no Brasil.

É evidente que a principal causa desses parcelamentos especiais reside em uma carga tributária elevada, de um Estado que muito cobras, mas que muito pouco dá, fazendo com que seja gigante a indignação do contribuintes com o destino dos tributos arrecadados, servindo com desestímulo, isso sim ao esforço do contribuinte brasileiro que paga uma das maiores cargas tributárias do mundo e que muito pouco recebe de volta do Estado

Os primeiros parcelamentos especiais que surgiram, nasceram exatamente depois do Plano Real, afinal com o fim da inflação, as fazendas dos três entes federativos, tiveram uma explosão na arrecadação dos tributos, resultante do fato que os elementos presente na base de cálculo dos tributos, sentiram o aumento real com o fim da inflação, afinal com uma inflação que chegou a mais de 50% em um mês os valores declarados pelo contribuinte dentro do mês eram pela inflação reduzidos.

Logo além do ganho ocorrido com a inflação, houve ainda um aumento real na carga tributária superior a 30%. Com esse aumento, e a consequente perda de competitividade, o passivo tributário das empresas aumentou consideravelmente, logo os parcelamentos especiais, surgem em decorrência do elevado aumento da carga tributária brasileira.

Que levou muitas empresas brasileiras a quebra, se não pela carga mas também pelas desastrosas intervenções na economia.

Vejamos o pronunciamento definitivo do STF que colocou em relevo que as empresas no Brasil não têm vida longa em razão da pesada carga tributária e da intervenção indevida do Estado na ordem econômica. Diversas empresas aéreas, como Varig, Vasp e Transbrasil, faliram a exemplo da falta de visão do Estado com o congelamento de tarifas. Não por acaso essas três empresas encontram-se na lista das maiores devedoras da União, ao mesmo tempo que todas elas acabaram falindo.

Atualizados os valores que a União deve em prol da empresa falida, a primeira e óbvia conclusão à qual chegamos é que ela não estaria insolvente se a solução houvesse dada há mais tempo, quando da eclosão da concessionária, cujo controle estava em mãos de uma fundação.

Logo um contencioso que se arrastou por quase três décadas funcionou como uma pá de cal para essas empresas.

Analogamente, se hoje uma concessionária de telefonia se encontra em recuperação judicial com um passivo estimado em mais de R$ 55 bilhões, as empresas aéreas que faliram não chegariam ao estado de insolvência se já tivéssemos então em vigor a Lei 11.101/05 e é claro, desde que o Estado cumprisse seu papel de reconhecer que o congelamento de tarifas causou a quebra do equilíbrio e o definhamento das finanças de muitas dessas empresas.

No entanto, não é só isso. A carga tributária que pesa sobre as empresas brasileiras é o fator número um, absolutamente negativo para manter em dia o caixa e conseguir realizar operações no mercado interno e no exterior. Grandes economias de países em crise resolveram reduzir a tributação para incentivar o empreendedorismo e alargar as fronteiras da atividade empresarial.

Logo a insolvência tributária no Brasil, por assim dizer, é algo alarmante, nenhum país do mundo exibe com tal exuberância altíssimo índice de endividamento das empresas em relação aos tributos. Da mesma forma, a insolvência do Estado é massacrante e salta aos olhos, com programas de refinanciamento de dívidas e suspensão de pagamentos, porém a inadimplência tributária não é exclusiva do contribuinte privado, pois na mesma lista de devedores vamos também encontrar inúmeras estatais, e fundações, federais, estaduais e municipais.

O resultado aparece com os sucessivos recordes de empresas brasileiras que são socorridas pelo instituto da Recuperação Judicial, e a enorme quantidade delas em que a recuperação é convertida em falência.

Em todos os processos de Recuperação Judicial, as maiores dívidas sempre são as tributárias, e a falta de uma equalização ponderada dentro do plano de recuperação judicial faz com que em muitos os casos elas se tornem impagáveis.

Alta carga tributária, somada ao pouco ou nenhum retorno do estado e adicionada a total falta de infraestrutura que se junta aos juros proibitivos, torna a sobrevivência da empresa brasileira uma tarefa para poucos.

Com razão, se tomarmos como referência o período de julho de 2015 a julho de 2017, os dados estatísticos relevam crescimento vertiginoso e exponencial, Brasil afora, do número de recuperações, atingindo a marca aproximada de 70%, ao passo que também fora significativo o aumento das quebras de empresas, comparativamente falando em torno de 75%. Mais de 150 mil estabelecimentos comerciais encerraram suas atividades ao longo desse período: desceram suas portas ou puseram ponto final de modo irregular ao exercício de sua atividade empresarial, escrevendo assim um doloroso capítulo.

Invariavelmente os sucessivos programas de parcelamento especial dos tributos, são votados no Congresso de uma forma e restringidos pela regulamentação fazendária, ampliando ainda mais o contencioso tributário para essa discussão.

Um bom exemplo encontramos recentemente na regulamentação do PERT, onde na medida Provisória todos os tributos são inseridos e na regulamentação cria-se restrições, não previstas pelo legislador, ao acesso desse programa, obrigando assim o contribuinte a recorrer ao judiciário.

Recentemente, os Tribunais Regionais Federais (TRFs) da 3ª Região, em São Paulo e da 5ª Região, em Recife, autorizaram contribuintes, por meio de liminares, a incluir débitos de tributos retidos na fonte no novo Refis. As decisões são para o pagamento à vista, com os benefícios do programa, o que diminui significativamente o valor que a empresa deverá dispor para quitar as dívidas pelo Programa Especial de Regularização Tributária (Pert). Das decisões ainda cabem recurso.

Entre os tributos retidos na fonte estão, por exemplo, o Imposto de Renda (IR), a contribuição previdenciária sobre a folha de salários e o Funrural. Por isso, a decisão judicial interessa a empresas na mesma situação.

Em São Paulo, a empresa beneficiada pela liminar, recorreu, via agravo de instrumento, ao tribunal após a negativa do pedido em primeira instância. No TRF, a relatora, desembargadora Mônica Nobre, entendeu que a proibição, imposta pela Instrução Normativa da Receita Federal nº 1711, de 2017, cria uma limitação que não está prevista na Medida Provisória nº 783, de 2017, que instituiu o programa.

A magistrada citou diversos precedentes do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com sede em Recife, em outros parcelamentos de discussões nas quais as regulamentações da Receita Federal teriam extrapolado o que diz a medida provisória ou lei que instituiu o parcelamento.

A MP nº 783 ao falar sobre a adesão se refere ao contribuinte e ao responsável tributário, que deve recolher o tributo retido. Se a MP permite a participação desse responsável, seria contraditória ao vedar a inclusão dos tributos retidos. Como há essa contradição, deveria prevalecer o mais benéfico para o contribuinte, como prevê o artigo 112 do Código Tributário Nacional (CTN).

Já a empresa de Recife que obteve liminar na 2ª Vara Federal, o desembargador Rubens de Mendonça Canuto Neto, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, ao analisar o agravo da Procuradoria da Fazenda Nacional, recebeu o recurso sem atribuir efeito suspensivo, ou seja, manteve a decisão do primeiro grau até apreciação posterior do mérito pela 4ª Turma do TRF. Para ele, a vedação de excluir os tributos retidos só valeria para o parcelamento e não para o pagamento à vista.

No Rio Grande do Sul, liminar semelhante havia sido concedida a uma indústria pela 14ª Vara Federal de Porto Alegre. A medida, porém, foi posteriormente derrubada por decisão da juíza federal substituta Clarides Rahmeier, também da 14ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, que acatou a argumentação da PGFN.

Os débitos em discussão são relevantes para a Receita Federal. De acordo com o órgão, considerando o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), Contribuições Sociais Retidas na Fonte (CSRF) e Contribuições Sociais e Imposto de Renda Retidos na Fonte (Cosirf), hoje há um passivo tributário de R$ 104,1 bilhões. Desse total, R$ 42,98 bilhões estão na situação devedora e R$ 57,12 bilhões em fase de discussão administrativa ou judicial.

Esses são alguns dos exemplos do elevado custo do intervencionismo estatal e do prejuízo ao pais, seja quando intervém nos preços de passagens aéreas, ou mesmo quando congela o preço dos combustíveis, para ficarmos nesse outro exemplo que levou a quebra centenas de usinas de álcool que também estão na lista dos maiores devedores.

Mais importante do que recuperar essas empresas através de parcelamentos que levem em consideração a realidade das empresas, é fundamental que juros e multas, por serem elevadas e não guardarem relação com que é praticado no mercado, devendo dessa forma serem ajustados sob pena de perdimento total desses valores.

Inviabilizar o negócio, não é por certo o melhor caminho, e logo o Estado precisa recuperar o seu papel de fomentador da iniciativa privada e deixar para traz a roupa de coveiro da livre iniciativa.


Charles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@charlesmachado.adv.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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