Redução da maioridade penal no Brasil: Uma boa política social é a melhor política criminal

17/07/2015

Por Danielle Mariel Heil - 17/07/2015

Cumpre destacar que no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, os menores de 18 (dezoito) anos são considerados inimputáveis, razão pela qual a eles não se aplica as penas e sanções do Código Penal, mas sim as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei n.º 8.069/90), tendo recentemente a Câmara dos Deputados aprovado votação da proposta de redução da maioridade penal (Proposta de Emenda à Constituição nº 171, de 1993) por um texto mais brando que reduz de 18 para 16 anos a idade mínima para a imputação penal em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.

A criminalidade juvenil no Brasil torna-se tema que ganha forte repercussão quando jovens menores de 18 anos cometem crimes violentos contra a vida, colocando em risco a segurança da sociedade.

Em relação à criminalidade envolvendo menores, crescem as opiniões acerca da mudança na legislação brasileira, quanto à redução da imputabilidade penal, conferindo nova redação ao artigo 228 da Constituição da República de 1988, porquanto se observa atualmente:

Existem no Congresso Nacional 29 Propostas de Emenda à Constituição, elaboradas para viabilizar a modificação da faixa etária de responsabilização penal, uma vez que os menores estão sujeitos à legislação especial, Estatuto da Criança e do Adolescente, cumprindo medidas socioeducativas, por serem considerados inimputáveis. O ECA considera como criança a pessoa de até 12 anos de idade incompletos, e adolescentes entre 12 e 18 anos de idade, conforme definição do seu art. 2º[1].

Quanto a à aprovação, em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, no dia 02 de julho do corrente, de emenda aglutinativa à PEC 171/93, apesar da rejeição da mesma matéria na votação do dia anterior, foi apresentada nota de repúdio pela ABMP – Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude, São Paulo – SP:

O procedimento adotado para tal aprovação fere o regimento interno daquela casa e norma expressa da Constituição no seu artigo 60, parágrafo 5, eivando de vício formal a proposta.

Destaca, mais uma vez, que a idade penal, prevista no art. 228 da Constituição Federal, é cláusula pétrea, e, portanto, não pode ser objeto de emenda, nos termos do art, 60, parágrafo 4° c/c art. 5°, parágrafo 2°, do texto constitucional, o que, por sua vez, demonstra a inconstitucionalidade material da emenda.

A redução da idade penal não pode ocorrer a qualquer custo, máxime com o desrespeito a institutos legais claros, aqui mencionados, configurando inaceitáveis insegurança jurídica e retrocesso em garantias fundamentais.

Não se pode deixar de frisar, que essa proposta não resolverá a causa da violência na nossa sociedade, mas serve como alerta urgente a todos, sociedade, família e estado, da necessidade de união de esforços para uma política séria, coletiva e compromissada com o desenvolvimento regular do público infantojuvenil[2].

Segundo Marcelo Gomes Silva, a cultura do medo que se criou em torno da criminalidade provoca um generalizado desejo de punição, uma intensa busca por repressão e obsessão por segurança, pois a lei passa a ser a ‘tábua de salvação’ da sociedade e, quanto maior for a sua dureza, mais satisfeita ela estará[3].

Essa mesma linha de raciocínio de cultura punitiva é trazida para o Direito da Criança e do Adolescente:

A reflexão sobre o ingresso dos jovens no universo de contextos de violência muitas vezes não leva em consideração a realidade social de pobreza a que está submetida a maioria da população juvenil. Dados relevantes demonstram que os jovens no Brasil são o grupo mais afetado pelos homicídios, principalmente, os do sexo masculino, revelando-se que, nos últimos 15 anos, houve um dramático crescimento nos assassinatos perpetrados contra crianças e adolescentes. Por isso, resulta-se sustentar que os adolescentes são muito mais vítimas de crimes do que autores[4].

Cumpre registrar que a expansão da política do encarceramento em massa no mundo surgiu com mais força nos Estados Unidos, durante o período dos anos 80, depois da queda da economia americana do governo Reagan, entre 1981 a 1988. Aguardavam na lista de execução nas prisões americanas 2.802 pessoas das quais eram afro-americanas 1.102, oriundas das classes pobres[5].

Hoje, portanto, ainda que o sistema penal brasileiro privilegie induvidosamente o encarceramento, para Mirabete:

A redução da maioridade penal não é a solução para os problemas derivados da criminalidade infantil, visto que o cerne do problema da criminalidade se reluz em decorrência das condições socialmente degradantes e economicamente opressivas que expõe enorme contingente de crianças e adolescentes, em nosso país, à situação de injusta marginalidade social[6].

Ademais, a pretensão da redução viola o disposto no artigo 41 da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, onde está implícito que os signatários não tornarão mais grave a lei interna de seus países, em face do contexto normativo da Convenção, a qual se faz lei interna de caráter constitucional, conforme o § 2.º do artigo 5.º da Constituição Federal[7].

Não bastasse isso, o legislador constitucional incorporou tratamento especial às crianças e adolescentes, como pessoas em desenvolvimento, atribuindo-lhes direitos fundamentais que estão expressamente previstos nos arts. 227 e 228 da Constituição[8].

Para Ana Beatriz Barboza Silva, a necessidade de adotar uma idade penal mínima tem como base a ideia de que crianças e até mesmo adolescentes não possuem discernimento completo sobre o certo e o errado, bem como ainda não desenvolveram controle adequado sobre seus impulsos[9].

A questão principal que envolve a temática é se ao estabelecer a idade mínima de imputabilidade penal, a norma inscrita no art. 228 do texto constitucional integra ou não o núcleo imodificável da Carta Magna, pois em caso afirmativo, se constitui cláusula pétrea e, portanto, não estaria sujeito à modificação por emenda à Constituição, e em caso negativo, poderia ser objeto de Proposta de Emenda Constitucional.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, entende que não pode haver referida alteração:

A Constituição prevê inimputabilidade penal até os 18 anos de idade. É um direito consagrado e uma cláusula pétrea da Constituição do Brasil. Nem mesmo uma emenda pode mudar isso. Qualquer tentativa de redução é inconstitucional. Essa é uma discussão descabida do ponto de vista jurídico, disse Cardozo, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 29 de abril. Diminuir a idade penal não só não reduz a criminalidade como pode agravar ainda mais o problema, excluindo muitos que quase já não têm direitos[10].

Desta feita, as matérias incluídas nas cláusulas de irreformabilidade do art. 60, § 4.º, I ao IV, são improponíveis ao Congresso Nacional, decorrendo que qualquer tentativa do legislador infraconstitucional de abolir do texto constitucional a fixação da idade penal ou a que mesmo pretenda reduzir a idade de responsabilização penal será, flagrantemente, inconstitucional[11].

Para fazer um paralelo com a questão da juventude que comete crimes no Brasil e nos Estados norte-americanos, vale ressalvar o afirmado por Pazzian: “nos presídios dos Estados Unidos com relação aos menores de idade, muitos reclusos são sentenciados a cumprir penas em prisões para adultos[12].

Já no tocante a orientação da Organização das Nações Unidas com relação a idade mínima para a responsabilidade penal:

A ONU sugere que a idade mínima da responsabilidade penal não seja muito baixa, embora não faça uma recomendação específica, mas ressalta que é preciso levar em conta os fatores de maturidade intelectual e emocional. As ponderações e o trabalho do Comitê sobre Direitos da Criança do órgão fez com que muitos países elevassem esse limite. Em 1977, Israel mudou a idade de responsabilização de 9 para 13 anos; em 1979, Cuba aumentou de 12 para 16; em 1983, a Argentina alterou de 14 para 16; em 1987, a Noruega mudou de14 para 15 e, em 2001, a Espanha elevou de 12 para 14 anos. Todos com uma idade mínima acima dos 12 anos estabelecidos pela lei brasileira[13].

Importante mencionar dados destacados por Vinícius Bocato e emitidos pela Unicef:

De 53 países, sem contar o Brasil, temos que 42 deles (79%) adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. Esta fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos. Em outras palavras, no mundo todo a tendência é a implantação de legislações e justiças especializadas para os menores de 18 anos, como é o caso brasileiro[14].

Nas palavras de Marcelo Gomes Silva, no tocante as Propostas de Emendas à Constituição que tramitam atualmente no Congresso Nacional brasileiro tendentes a reduzir a imputabilidade penal, “é importante que fique consignado o absurdo retrocesso humanitário das propostas supracitadas, na contramão de todas as diretrizes internacionais[15].

O Brasil já viveu a experiência de reduzir a idade para imputação penal a fim de acalmar o clamor popular, conforme lembra Alexandre Morais da Rosa:

A Lei 5.258 de 10 de abril de 1967, substituiu a Lei de Emergência (Decreto-Lei n. 6.026 de 24/11/43), que adequava o Código de Menores (1927) ao Código Penal (1940). O Diploma legislativo foi oriundo do caso ‘Aída Cury’ quando da participação de um adolescente na morte de uma estudante. A Lei foi revogada em maio do ano seguinte, apenas 13 meses depois de sua entrada em vigor, pela Lei 5.439, de 22 de maio de 1968[16].

Assim, segundo Silva, a própria história nos mostra que todas as legislações produzidas sob o clamor popular, tempos após são abrandadas, ora por inconstitucionalidade, ora por ineficácia, o que só demonstra que legislar para agradar a opinião pública é muito mais fácil do que resolver os problemas estruturais[17].

A redução da maioridade penal não resolve nem ameniza o problema da violência, como preconiza Bocato:

‘Toda a teoria científica está a demonstrar que ela [a redução] não representa benefícios em termos de segurança para a população’, asseverou em fevereiro Marcos Vinícius Furtado, presidente da OAB. A discussão em torno na maioridade penal só desvia o foco das verdadeiras causas da violência[18].

Nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima[19].

Assim, depreende-se que a legislação brasileira prevê os instrumentos necessários à proteção dos menores que incidem em conduta considera como crime ou contravenção – ato infracional, assegurando-lhes tratamento especializado e diferenciado em relação aos maiores de 18 (dezoito) anos. Trata-se do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente[20].

No mais, vale mencionar a ressalva feita por Nicknich, a qual afirma que dentre todos os ramos do Direito, o que mais necessita da vigilância dos estudiosos da Ciência Jurídica e dos operadores seja o Direito da Criança e do Adolescente, uma vez que os titulares dos bens jurídicos normalmente não possuem a capacidade de defender seus direitos e opiniões, necessitando sempre de alguém que o faça por eles[21].

Por fim, acerca do flagrante problema estrutural no Brasil, Callado de Oliveira destaca que uma boa política social é a melhor política criminal.

É cediço que o Direito Penal é o ramo mais severo do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que o mesmo, através de suas penas privativas de liberdade, atingem um dos bens jurídicos mais importantes do homem: a sua liberdade de ir e vir.

Logo, resta claro, que a questão principal encontra-se em compreender que maximizar o sistema penal e minimizar o sistema social de nada adiantará no combate à criminalidade, por intermédio do agravamento excessivo de reprimendas, com penas mais duradouras ou mais cruéis, pois se estará combatendo somente o efeito, e não a causa, uma vez que o ponto central está na certeza da punição, seja dos adultos, seja dos jovens infratores.


Notas e Referências:

[1]REVISTA DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Vitória, jan./jun. 2013. p. 194. (Direito – Periódicos)

[2] Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude. Rua Boa Vista, 76 – 2.andar – Centro – São Paulo – SP – CEP: 01014-000 – Telefone: 3180-3972 secretaria@abmp.org.br CNPJ: 00.246.533/0001-58 www.abmp.org.br. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/nota-de-repudio-da-abmp-a-aprovacao-de-emenda-aglutinativa-a-pec-17193-na-camara-dos-deputados/.

[3] SILVA, Marcelo Gomes. Menoridade penal: uma visão sistêmica. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2012. p. 106.

[4] REVISTA DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Vitória, jan./jun. 2013. p. 194. (Direito – Periódicos)

[5] REVISTA DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Vitória, jan./jun. 2013. p. 194. (Direito – Periódicos)

[6]MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal: parte geral. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2012. v. 1. p. 217.

[7] REVISTA DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. p. 194.

[8] REVISTA DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. p. 194.

[9] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 143-144.

[10]FARIA, Glauco. Redução da maioridade: ilusão e oportunismo. Revista Fórum, 12 jun. 2013. Disponível em:<http://revistaforum.com.br/blog/2013/06/reducao-da-maioridade-ilusao-e-opor tunismo/>. Acesso em: 14 maio 2014.

[11]REVISTA DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Vitória, jan./jun. 2013. p. 194. (Direito – Periódicos)

[12]PAZZIAN, Roberta Mucare. A descaracterização da prisão como forma de ressocializar o indivíduo. Postado em: 2012. Disponível em:<http://www.conamp.org.br/Lists/artigos/Disp Form.aspx?ID=220&Source=/>. Acesso em: 12 abr. 2014.

[13]FARIA, Glauco. Redução da maioridade: ilusão e oportunismo. Revista Fórum, 12 jun. 2013. Disponível em:<http://revistaforum.com.br/blog/2013/06/reducao-da-maioridade-ilusao-e-opor tunismo/>. Acesso em: 14 maio 2014.

[14]BOCATO, Vinícius. Razões para não reduzir a maioridade penal. Postado em: 16 abr. 2013. Disponível em:<http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/04/razoes-para-nao-reduzir-a-maiorida de-penal/>. Acesso em: 10 maio 2014.

[15]SILVA, Marcelo Gomes. Menoridade penal: uma visão sistêmica. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2012. p. 23.

[16] ROSA, Alexandre Morais da. Redução da idade penal: “vale a pena ver de novo?” In: VALLE, Juliano Keller do; MARCELINO JÚNIOR, Júlio César. Reflexões da pós modernidade: Estado, Direito e Constituição. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 16.

[17] SILVA, Marcelo Gomes. Menoridade penal: uma visão sistêmica. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2012. p. 24.

[18] BOCATO, Vinícius. Razões para não reduzir a maioridade penal. Postado em: 16 abr. 2013. Disponível em:<http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/04/razoes-para-nao-reduzir-a-maiorida de-penal/>. Acesso em: 10 maio 2014.

[19] GOMES, Nelci. Todos os países que reduziram a maioridade penal não diminuíram a violência. Postado em: abr. 2014. Disponível em:<http://nelcisgomes.jusbrasil.com.br/noti cias/116624331/todos-os-paises-que-reduziram-a-maioridade-penal-nao-diminuiram-a-violencia>. Acesso em: 20 maio 2014.

[20] OLIVEIRA, Erival da Silva; GOLDZVEIG, Gustavo. Comentários à convenção americana de Direitos Humanos. São Paulo: ACJ, 2012. p. 56.

[21] NICKNICH, Mônica. Ato infracional e poder judiciário: uma análise à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Blumenau: Nova Letra, 2010. p. 176.


Danielle Heil (1)

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Danielle Mariel Heil é advogada, atualmente Procuradora Adjunta do Município de Brusque-SC, especialista em Direito Constitucional pela Fundação Educacional Damásio de Jesus e em Direito Penal e Processual Penal pela Escola do Ministério Público de Santa Catarina.                                                                                                                                                                                                                                


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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